4.10.21

Mudar para nada mudar



 

«Há pessoas que discutem de forma acalorada as diferenças entre o Facebook, o Twitter, o Instagram ou o Tik Tok. Não quer dizer que cada uma destas redes sociais não tenha singularidades, mas as lógicas que estão na sua base são semelhantes. É como comparar um novo modelo de telemóvel ao anterior. Sim, claro, existem novas funcionalidades, mas em termos gerais não serão muito diferentes.

Pensei nisso na noite das eleições autárquicas quando soube que Fernando Medina havia perdido para Carlos Moedas em Lisboa. Já se sabe que Medina, num primeiro momento, ganhou impulso por causa do turismo de massas, à atracção de investimento estrangeiro e de grandes eventos como motores da “marca” Lisboa. Durante anos, os beneficiários desta estratégia e os que podiam “consumir” esse tipo de cidade aplaudiram-no. A cidade encarada como produto parecia em andamento triunfal. Depois, começaram os efeitos perniciosos do “sucesso”. A especulação imobiliária. A desregulação do mercado. O turismo de massas a transformar-se em monocultura. A expulsão dos que não tinham meios para viver nesse “modelo” de urbe. E a incapacidade de fazer participar os cidadãos nas decisões.

Durante a pandemia, foi-se percebendo que havia uma tentativa de adoptar um discurso mais ameno, na forma como se falava da habitação de custo controlado, nas medidas envolvendo percursos cicláveis que, apesar de nem sempre bem delineados, iam na direcção certa, ou no pensar um turismo mais sustentado, em prol de uma cidade mais compacta, de escala humana, embora a apetecível “cidade de 15 minutos” possa ser pouco inclusiva.

Dir-se-ia que a cidade neoliberal adoptava um rosto mais humano. Mas foi tarde de mais. Pelo enunciado e porque existiu uma estranha gestão de expectativas pelas sondagens que iludiu muitos. O beneficiado foi Moedas. Um telemóvel com algumas novas funcionalidades que ninguém ainda percebeu muito bem como vão operar (como a proposta de eliminação da barreira ferroviária entre Algés e o Cais do Sodré), mas que em termos gerais se baseia nos mesmos equívocos. Ou seja, as grandes mudanças anunciadas (a “amazing city”, a “smart city”, ou os enunciados da inovação, do empreendorismo e da captação de talento e investimento estrangeiro em ligação com o local) são baseadas em paradigmas (restos das “cidades criativas” dos anos 1990) que foram sendo questionados desde a crise económica de 2008, inclusive em cidades que já sofreram os mesmos efeitos que Lisboa (como Barcelona ou Berlim) e que nos últimos anos têm procurado outros caminhos.

Porquê? Simples. Porque as condições estruturais que reproduzem hoje as grandes desigualdades não só não são atenuadas dessa forma, como são muitas vezes reforçadas. Há algumas ideias avulsas, mas sem uma noção de conjunto, de interacção entre vários temas. A tentativa de resolução dos problemas da mobilidade ou da habitação não vai lá com medidas suavizantes, como as benesses fiscais ao nível dos créditos bancários para jovens, como prometeu Moedas. São necessárias políticas bem mais profundas, onde a defesa do bem comum e do interesse público seja prioritário.

Na verdade, nada de substancial do que estava errado parece ir mudar, como o pós-pandemia já está a expor e quem anda agora à procura de apartamento — como é o meu caso — já percebeu. Cada vez mais viver na cidade não significa ter direito a ela para uma larga fatia de cidadãos. Pelos indícios deixados pela campanha eleitoral, não será a política a inverter o rumo dos acontecimentos. Tudo indica que Lisboa continuará a estar em promoção, um rótulo que fica bem exibir pelas elites económicas locais e globais que a ela podem aceder.»

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1 comments:

Unknown disse...

Texto bem elaborado e com conhecimentos alargados dos problemas. Porém, eu pergunto: - Será que a situação de "BUFO" tão embandeirada pela comunicação social não fez mossa?
António Manuel Baptista