6.10.21

Com a faca e o queijo na mão



 

«Vem aí mais um Orçamento do Estado. Num país com as características de Portugal, é um momento de uma importância desmesurada.

Temos um número elevado de funcionários públicos (se incluirmos as suas famílias, são milhões de pessoas cuja qualidade de vida depende dos salários que o Estado paga); temos cada vez mais pensionistas (a maioria sem poupanças dignas desse nome e que dependem, portanto, da solvência e pontualidade da Segurança Social); temos quase dois milhões de pobres (que viveriam na mais absoluta miséria, não fossem subsídios como o abono de família, o rendimento social de inserção ou o complemento solidário para idosos); e temos, finalmente, muitas pequenas, médias e grandes empresas, em particular na região de Lisboa, que dependem do investimento público, dos contratos com o Estado, ou dos salários e subsídios que este paga aos seus clientes.

Para qualquer partido com pretensões a manter o poder, este é, portanto, "o" momento. Sobretudo, quando estamos a meio do ciclo político: depois de eleições autárquicas que apontam para algum desgaste (mesmo que ligeiro) e a dois anos das legislativas. Bem pode o presidente da República pedir uma alternativa forte à Direita (por coincidência a sua área política). Bem pode alertar que o 17 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência não são um "monopólio" do PS.

Quem tem a faca e o queijo na mão é António Costa. Não é preciso ser um génio da análise política para adivinhar que o primeiro-ministro saberá usar a primeira para distribuir o segundo, se não a toda a gente, pelo menos a gente suficiente para garantir, mais do que uma sobrevivência descansada, a reeleição em 2023 (se para aí estiver virado).

Acresce que, ultrapassada a pandemia, a economia volta a crescer. Por comparação (a memória é curta quando o que importa é sobreviver ao dia a dia), será sempre melhor que os últimos dois anos. E está aí a bazuca. Mesmo que o Governo não consiga gastar tudo a tempo (provável), ou que uma parte seja mal gasta (certo), será o suficiente para criar, pelo menos, a sensação de abundância.

Mais do que a "estratégia" que o presidente pede ao PSD e ao CDS, o próximo ciclo depende quase exclusivamente da capacidade de execução (e propaganda) de António Costa.»

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