4.11.11

Desenlaces trágicos


No novo número de Le Monde Diplomatique (versão portuguesa), mais um excelente texto de Sandra Monteiro, integrado no dossier: As esquerdas, a crise e a transformação do mundo.

«A engenharia de demolição social que, começando pelas periferias da Zona Euro, ameaça levar a violência da austeridade e a espiral de recessão prolongada a uma União Europeia em processo de implosão, entrou numa fase em que vai obrigar a tornar mais nítidos os posicionamentos políticos resultantes das linhas de clivagem desenhadas pela crise. À medida que se torna claro que a resposta austeritária é incompatível com o crescimento e não resolve, antes agrava, qualquer problema de défice e de dívida, e à medida que se percebe que a única função da austeridade e dos «planos de resgate» que consolidam a sua imposição consiste em organizar à escala europeia a transferência de recursos e de rendimentos do trabalho, e do Estado, para o sistema financeiro, torna-se impossível fugir à questão: de que lado da austeridade irão colocar-se os cidadãos e as forças políticas que se identificam habitualmente à esquerda; que associam a qualidade da democracia à liberdade e às condições de igualdade; que pensam que o contrato entre regiões, gerações e classes de rendimentos é a melhor forma de prosseguir as finalidades sociais de Estados dotados de instrumentos públicos para assegurar os serviços básicos e a redistribuição? (…)

A austeridade recessiva, que apenas garante empobrecimento e mais desigualdades, sendo incapaz de qualquer rota de crescimento, pode servir aos que, cá dentro e lá fora, olham para o país como um laboratório neoliberal em que os cidadãos são transformados numa espécie de variáveis endógenas moldáveis ao objectivo primordial: «Portugal como possibilidade de ajustamento bem sucedido no quadro da Zona Euro», afirmou Vítor Gaspar, a 17 de Outubro, na apresentação do orçamento. Mas como poderá servir aos cidadãos de um Estado democrático?

As esquerdas que hoje se colocarem do lado do contrato social em que têm estado assentes as democracias, do lado do Estado social e contra o governo do sistema financeiro, serão as que compreenderão algo que, durante algum tempo, talvez se tenha considerado demasiado simples e consensual: que, como lembrou recentemente o bispo das Forças Armadas, Januário Torgal Ferreira, «a justiça devolve ao outro o que lhe pertence; a solidariedade partilha do que é seu». Uma sociedade que consiga reconhecer que está a ocorrer um conflito entre duas visões e que se posicione no combate do lado da universalidade dos direitos e dos meios para lhes aceder, do lado da dotação dos poderes públicos com os meios financeiros para sustentar esta perspectiva e ainda do lado das confluências sociais, políticas e partidárias necessárias para transformar estes valores em medidas levadas à prática será a única capaz de evitar a demolição social em curso e os desenlaces trágicos que ela diariamente está a preparar.»

Na íntegra AQUI.
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