21.11.24

Ucrânia: último, decisivo e perigoso sprint antes de congelar a guerra

 


«A situação é realmente trágica quando uma figura como Marco Rubio pode ser definida como moderada. Mas a verdade é que, sendo um falcão ao estilo neocon, o novo responsável pela política externa norte-americana não é pró-russo, ao contrário de outros futuros membros da equipa trumpista. Estará mais próximo da tradição de Georg W. Bush do que de Donald Trump. E a sua nomeação não é sinal de corte com a NATO. Não sendo um aliado de Putin, defendeu que Kiev deve procurar um acordo com Moscovo e desistir de recuperar território, sobretudo o que perdeu há mais de dez anos. A sua escolha dá, como sinal, não a vontade de apoiar Vladimir Putin, mas de acabar o mais depressa possível e a qualquer custo com a guerra.

A proximidade de Trump a Putin poderá ser favorável a um acordo rápido e suficientemente satisfatório para o ocupante. Na pior das hipóteses, com perda definitiva do território pela Ucrânia e exigência da sua neutralidade. Na melhor, a perda da Crimeia (que, na realidade, só seria recuperada com uma vitória clara dos ucranianos), os territórios ocupados como zona desmilitarizada, que ficaria mais ou menos num limbo, e o compromisso de umas décadas sem entrar na NATO. A guerra congelada, portanto. Não sei se a solução no fim de uma guerra mais prolongada seria muito diferente desta, na verdade.

Para além de questões de princípio, com a abertura de um precedente perigoso na Europa (que, na realidade, a NATO já abrira no Kosovo), a negociação choca com dois problemas difíceis de resolver.Do lado da Ucrânia, que garantias terá que a Rússia não se limita a aproveitar este tempo para recuperar forças, reforçar relações com os seus aliados e voltar à carga daqui a poucos anos, com uma Ucrânia paralisada na capacidade de se defender por um acordo leonino? Do lado da Rússia, como abdicará Moscovo do controlo das terras mais ricas em minerais da Europa – titânio e minério de ferro, campos de lítio e enormes depósitos de carvão. Se a Rússia conseguir anexar esta parte do território ucraniano (ou ter um governo fantoche que cumpra esta função), Kiev perderia, por roubo violento, dois terços das suas reservas.

A guerra parece estar perdida para a Ucrânia sem, no entanto, ter sido ganha pela Rússia, que fica longe dos seus objetivos iniciais. A capacidade de recrutamento em Kiev está nas últimas, perante uma potência muito mais populosa e com capacidade extra de ir buscar reforços à Coreia do Norte. A diferença de dimensão e de capacidade dos dois países é demasiado grande para uma guerra convencional de alta intensidade, ao estilo da Grande Guerra, com uso massivo de munições e de soldados como carne para canhão. A Europa não estava e dificilmente virá a estar preparada para uma guerra desta natureza.

A ideia de que o poder de Vladimir Putin seria desgastado por esta guerra (ideia que eu alimentei e que muitos continuam, contra todas as evidências, a alimentar) não se confirmou. Seria desgastado, como a URSS foi, por uma guerra de dez anos, como a do Afeganistão. Mas as democracias europeias não aguentam uma guerra com essa duração, como se vê na Alemanha. Mais depressa cai Zelensky do que Putin. E, ao contrário do que se pensou, as sanções foram incapazes de destruir a economia russa, que é, hoje, uma economia de guerra.

Falharam os que previam que os russos chegariam a Kiev em quatro dias, falharam os que acharam que a Ucrânia tinha condições para os empurrar até às fronteiras. A ideia que a Ucrânia pode resistir sem o apoio dos EUA, só com a Europa, não é temerária. É irresponsável. E ser irresponsável com a vida e a soberania dos outros é demasiado fácil.

A guerra está num impasse e não se vê como sairá dele sem que se corram riscos com consequências trágicas. Agora, o que está em jogo são as condições em que a Ucrânia negociará uma paz que dificilmente será justa. Joe Biden tentou dar força para um sprint final de dois meses que permita que sejam um pouco mais favoráveis e ofereça a Trump uma situação em que se torne mais difícil dar tudo à Rússia. É assim, e não como mera guerrilha interna, que interpreto a autorização para a Ucrânia usar mísseis de longo alcance bem dentro da Rússia chegando a 300 quilómetros no território inimigo. Kiev pode atacar regiões como Kursk, por exemplo.

Apesar dos ATACMS (Army Tactical Missile System) partirem de território ucraniano, Putin defende que o seu direcionamento tem de corresponder a um envolvimento de militares da NATO, com dados de navegação seus, correspondendo a uma participação direta na guerra. É terreno pantanoso. É evidente que os EUA estão envolvidos na guerra, mas nunca em combate.

Do ponto de vista moral, não há qualquer debate: a Ucrânia não pode ser impedida de atacar o território de onde vem o ataque. E o envolvimento de terceiros começou quando a Rússia chamou soldados da Coreia do Norte, outra potência nuclear, para participarem direitamente no conflito. E com as tropas vieram os mísseis Hwasong 11A e 11B, fornecidos pela Coreia à Rússia. Mas é bom não diminuir a relevância do passo que foi dado e os seus riscos.

Mesmo que não seja fácil levar a sério quem por doze vezes jogou a cartada da chantagem nuclear, a guerra entrou na fase mais perigosa de todas. Se este for mesmo um sprint final (as guerras dão reviravoltas que mudam tudo, de um momento para o outro) antes da negociação, é o momento do tudo ou nada. Especialmente perigoso quando acontece numa fase de transição de poder nos Estados Unidos, em que a administração que toma decisões não vai ter de as gerir e quem vai ter de as gerir discorda das decisões tomadas.»


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