3.12.20

As lições de 2019

 


«Na actual situação sanitária do país, e o investimento pessoal que todo Ministério da Saúde se vê obrigado a fazer, o que menos se deseja é que, relativamente à regulamentação da Lei de Bases da Saúde, e em especial do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, se repita a situação que envolveu o processo de elaboração e aprovação daquela lei. Algumas lições hão-de ter sido tirado do que aconteceu. A principal das quais foi que, apesar de todas as resistências, e até oposições, no dia 19 de Julho de 2019, alguns dos resistentes de esquerda, nomeadamente o PS, se congratularam com a legislação que tinha sido aprovada, reivindicando-a como sua. Daí não veio nem vem mal ao mundo. Importante mesmo foi que nos livrámos de um chapéu-de-chuva que só servia para cobrir os negócios que o sector privado fazia debaixo dele. 

O articulado daquela lei já contém algumas disposições que dão sinais de mudança na política de saúde, principalmente no que respeita às relações com o sector privado e na valorização que é dada a aspectos centrais de qualquer política de saúde, como seja toda a actuação que cobre a actividade que não está directamente ligada ao tratamento da doença. 

A situação que estamos a viver desde Março é um exemplo extremo dos défices que se foram acumulando numa área que agora se percebe que tem de ser tratada com maior exigência, a saúde pública e todos os aspectos que a ela estão associados, o principal dos quais é a prevenção da doença. Podemos mesmo afirmar que ela é a coluna vertebral das políticas de saúde, que têm a saúde positiva dos cidadãos como principal fundamento para a sua actuação, na medida em que representa a interface entre os serviços e a comunidade. Tem sido esta visão da política de saúde que tem contribuído para que, em alguns países, a esperança de vida tenha aumentado na parte que diz respeito à esperança de vida saudável. 

Tudo isto está contemplado na Lei de Bases da Saúde. Não é, portanto, por ausência de pensamento sobre o que é relevante que se podem apontar dificuldades em transferir este pensamento para uma disposição legislativa que o torne operacionalizável. E é esse défice que vem aumentando de dimensão. Na década de 90, foram necessários três anos para que o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde decorrente da respectiva lei fosse aprovado. Se os tempos são outros, e são, há então, mau grado as circunstâncias, que actuar de maneira diferente. E actuar de maneira diferente significa também agir com a celeridade que o tempo político exige e que as condições de funcionamento do SNS impõem. 

Neste caso, do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, estou-me a referir a que a sua organização e funcionamento deve estar mais bem adaptado ao SNS. Isto significa que não deverão ser as características e especificidades das comunidades, e até as suas idiossincrasias culturais, que hão-de adaptar-se aos serviços. Do que deve ser tratado no Estatuto é de uma nova entidade, de uma síntese entre as comunidades e quem está habilitado a contribuir para que ela seja mais saudável. Continuar a manter instalações e equipamentos de um lado e comunidades do outro é replicar um modelo que já mostrou ser bom para aumentar a esperança de vida, mas em que pouco contribui para aumentar a esperança de vida saudável. 

Se entendemos que é urgente que o SNS seja dotado de um Estatuto é porque a sua elaboração exige um trabalho paciente, rigoroso e participado por muitos actores sociais. E, sobretudo, com a maleabilidade suficiente para poder ser apropriado tanto pelo Escoural como por Pitões das Júnias. Por Melgaço e Barrancos. Por Beja e Viseu.» 

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1 comments:

Monteiro disse...

É preciso muito cuidado porque na primeira oportunidade acabam logo com o SNS como fez Marcelo no Governo de Balsemão só que foi chumbada essa Lei pelo Tribunal Constitucional.