27.11.18

Costa e a política líquida



«Em finais da década de 90, o sociólogo Zygmunt Bauman cunhou a definição "modernidade líquida" para definir a sociedade que desfilava defronte dos nossos olhos. Vivemos agora nela. É um tempo de valores líquidos, flexíveis, volúveis e instáveis. Nada que admire os portugueses: quase sempre viveram em tempos assim. Instabilidade e capacidade de sobrevivência são os seus referentes. Em cada português há um Urtigão dos desenhos animados da Disney. Na política há uma dieta diária, líquida, que serve estes dias. Donald Trump é o corolário desta modernidade líquida: os seus tweets, ziguezagueantes, criam a novidade diária. E fazem esquecer a do dia anterior. Em Portugal, seria difícil encontrar tempos políticos mais líquidos e menos sólidos do que os actuais. E ainda serão mais em 2019, como anunciou ao povo António Costa. Por trás, a modernidade sólida dos números económicos, que escondem ao pântano da dívida que nos atirará novamente para o buraco se algo externo se produzir, vive-se a liquidez do momento. Criou-se o paradoxo perfeito: a oposição pede mais gastos orçamentais. Não era disso que se costumava acusar o Governo em funções? É esta a nossa política: água da torneira para convencer os portugueses.

Por trás do aparente jogo de água com gás reforçado que vai ser a maioria pós-eleições de 2019 há um país frágil, de Tancos a Borba. Mas não só. Eugénio Santos, o dono da Colunex, foi há dias claro sobre o país líquido que temos: "As costureiras em Xangai ganham mais 30% do que as costureiras em Portugal." Mais: "Em países como a Áustria e a Alemanha paga-se três vezes mais a uma empregada de limpeza do que a um engenheiro que se firmou no Técnico em Lisboa." E ainda foi mais mortal: "Andamos embebedados com esta coisa de sermos um país atractivo. Portugal é atractivo porque paga salários do terceiro mundo e se aplicasse a média salarial europeia às empresas portuguesas desapareceriam 70%." Esta é a política que não se discute neste Portugal líquido: hoje há conquilhas, amanhã não sabemos.»

Fernando Sobral
.

1 comments:

HFR disse...

Os textos de Fernando Sobral são sempre magníficos: incisivos, criativos e pragmáticos. Leitura obrigatória para toda a gente. Há muito tempo que o acompanho, mesmo quando discordante.