20.8.21

Nós tudo — o resto do mundo, nada

 


«Minutos antes do jogo de abertura do torneio de ténis de Wimbledon, a 2 de julho deste ano, a multidão que estava no estádio levantou-se de forma espontânea para aplaudir efusivamente, durante mais de um minuto, dame Sarah Gilbert – a cientista da Universidade de Oxford, responsável pelo desenho e desenvolvimento da vacina contra a covid-19, também conhecida como vacina AstraZeneca. Aplausos seguiram-se depois para os mais diversos profissionais de saúde. Mas esta reação verdadeira e sincera do público em Wimbledon à ciência — ali representada pela cientista Sarah Gilbert, mas que podia ser representada também pela sua colega Catherine Green ou ainda pelos cientistas Katalin Karikó, Özlem Türeci e Ugur Sahin da vacina BioNTech/Pfizer, ou cientistas envolvidos nas vacinas da Moderna, Sinovac, entre outras — mostra inequivocamente que a grande maioria de nós compreende que as vacinas são a melhor ferramenta que temos para sair desta pandemia.

Os resultados são extraordinários. Em países onde o nível de cobertura vacinal é elevado, como é o caso português, o resultado das vacinas é real. Por esta razão, governantes e sociedade civil começam já a dar os primeiros sinais de um ‘virar de página’. Além de começarmos a retomar a nossa forma de estar antes da pandemia, os líderes mundiais já estão a pensar no futuro. Em junho deste ano, por exemplo, quando o grupo do G7 se reuniu, o foco dirigiu-se para a prevenção de futuras pandemias. Mas atenção, se para nós até faz sentido começar a planear a proteção a futuras ameaças, para o resto do mundo este é apenas um triste padrão que se volta a repetir! Quando uma pandemia deixa de ser uma ameaça grave à vida nos países mais ricos, a urgência diminui e as prioridades alteram-se. Foi o que aconteceu com uma pandemia recente — o aparecimento do VIH que causa sida. Tudo fizemos para encontrar soluções e salvar vidas nos países ricos, mas pouco ou nada fazemos para impedir que esta doença continue a causar a morte a mais de 800 mil pessoas todos os anos nos países mais pobres e vulneráveis.

Peter Sands, diretor do Global Fund, escreveu: “A sida, a tuberculose e a malária não devem ser rotuladas como ‘apenas’ epidemias ou doenças endémicas. São pandemias que foram derrotadas nos países ricos. Permitir que persistam noutros lugares é uma escolha política e uma decisão financeira.” Eu acrescento, é uma escolha errada para a qual todos nós contribuímos. Que mundo é este que continuamos a construir para as gerações futuras? Temos de nos questionar quando hoje falamos num reforço imediato da vacina (a chamada 3ª dose) ou em vacinar os mais jovens, enquanto a cobertura de vacinação continua inexistente nos países de baixo rendimento. Não me interpretem mal. Como mãe sinto um enorme alívio que as minhas filhas de 15 e 19 anos estejam vacinadas e contribuam para que a escola se mantenha aberta e a funcionar na sua plenitude. Mas como cidadã do mundo globalizado que partilha o mesmo planeta Terra não posso deixar de sentir uma enorme contradição dentro de mim, sabendo que isso acontece à custa da não vacinação de indivíduos vulneráveis e profissionais de saúde em todo o mundo.

Claro que podemos culpar os políticos. Afinal, as decisões são deles. A verdade é que quando nós próprios não conseguimos sair do círculo vicioso de nós e mais nós e sempre nós e só muito depois talvez (e por caridade) o resto do mundo, o que esperar daqueles que são eleitos por nós? Este é (mais) um momento crítico onde a União Europeia deve dar o exemplo — não administrar a 3ª dose de vacina até que os mais expostos e vulneráveis noutras regiões do mundo estejam vacinados.»

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