«Uma parte da direita sempre se sentiu desconfortável com o 25 de Abril e fez do 25 de Novembro a “sua” data. O desconforto com as comemorações da revolução via-se em coisas quase risíveis – como a recusa de muitos dos seus deputados e altas figuras do Estado a usar o cravo vermelho nas comemorações oficiais na Assembleia da República. Cavaco Silva nunca o fez.
A prova de que o 25 de Abril, pelo menos nos seus primeiros 20 anos, continuava a ser efectivamente uma data “fracturante”, via-se na recusa do seu símbolo popular: um cravo que, espontaneamente, uma florista ofereceu aos militares. Uma flor! Nessa flor, para os partidos da direita, estava condensado todo o “comunismo” que abjuravam na data.
Aqueles que se insurgiram, anos depois, com o facto de a esquerda aparecer como “dona do 25 de Abril”, esqueciam-se que era a direita – e não só Marcello Caetano e os seus ministros – que viveu aquele dia e os seguintes com “mixed feelings” ou mesmo “bad feelings”.
Algumas dessas personalidades emigraram logo para o Brasil ou para outros países e só voltaram anos depois. Uma parte esteve, depois, num grupo terrorista chamado MDLP, sob a liderança de António de Spínola – o mesmo a quem os capitães entregaram o poder que tinham conquistado e que se tornou o primeiro Presidente da República da democracia.
Alguns desses ex-MDLP que queriam a contra-revolução andam por aí: o advogado José Miguel Júdice pode ver-se todas as terças-feiras na SIC Notícias; Diogo Pacheco de Amorim é hoje vice-presidente da Assembleia da República.
O 25 de Novembro ainda hoje é considerado pelos historiadores como “uma nebulosa”. Há algumas coisas provadas, outras não. O papel do PSD e do CDS aparenta ser diminuto. Foi um confronto entre o Grupo dos Nove alinhado com Mário Soares (o Grupo dos Nove era uma facção moderada das Forças Armadas onde pontificavam Melo Antunes e Vasco Lourenço, entre outros) com a esquerda militar.
Independentemente de, a 26 de Novembro, Melo Antunes ter declarado que finalmente se poderia implantar o socialismo em Portugal, não há nada a fazer. É nessa data que a direita festeja o seu 25 de Abril.
O PS de Mário Soares e o Grupo dos Nove engendraram o 25 de Novembro e depois foram à sua vida. A direita agarrou-se à data como contraponto ao 25 de Abril. Na realidade, a data fracturante, para uma parte da direita, é o 25 de Abril.»
Com a aprovação das celebrações anuais do 25 de Novembro na Assembleia da República (e o Chega ainda queria mais um feriadozinho), os partidos da direita, se quisessem mesmo ser fiéis à história, teriam de, anualmente, homenagear Mário Soares, Vasco Lourenço, Melo Antunes, Pezarat Correia, Franco Charais, Rodrigo Sousa e Castro, Vítor Alves, Canto e Castro, Costa Neves e Vítor Crespo.
Mas isso nunca irá acontecer. O que os partidos da direita querem é homenagear Jaime Neves, do regimento de Comandos da Amadora, o responsável operacional. Porquê? Porque Jaime Neves queria a ilegalização do Partido Comunista no dia seguinte. E tanto Melo Antunes como Mário Soares vieram imediatamente pôr cobro ao delírio do operacional do 25 de Novembro.
O PCP continuou no Governo liderado por Pinheiro de Azevedo, ao lado do PS e do PSD. A esquerda militar foi derrotada a 25 de Novembro. Álvaro Cunhal deu ordem aos militares comunistas para não se mexerem – eventualmente depois de uma conversa com Francisco da Costa Gomes, um homem também hoje odiado pela direita e que foi essencial naquele tempo para evitar a guerra civil.
A história é sempre muito complexa e nunca a preto e branco. Obviamente, para efeitos de política imediata, é mais fácil usar slogans e panfletos do que ir estudar. Mas os acontecimentos desta semana vieram demonstrar a relação complicada que alguma direita ainda tem com o 25 de Abril, pondo o 25 de Novembro ao mesmo nível. Cinquenta anos depois, é obra.»
0 comments:
Enviar um comentário