«Se os transportes públicos de massas avançaram a toda a velocidade na Europa na segunda metade do século XIX isso deveu-se à ampliação das cidades.
Estas passaram a atrair quem vinha dos campos à boleia da industrialização. Fora de Portugal os transportes públicos tiveram de ir atrás da dilatação do espaço urbano antigo. Já aqui, sem músculo significativo de crescimento industrial (foi preciso, por exemplo, a implantação da CUF no Barreiro para que as linhas de transporte entre Lisboa e o Sul do país se desenvolvessem), a implantação dos transportes públicos foi desordenada. Em finais do século XIX os seus utilizadores eram uma minoria que tinha dinheiro: não era para as classes populares. Em 1880, por exemplo, a média de viagens por ano era de 18. A que é que isto conduzia? A uma débil rentabilidade. Era no Verão que havia mais procura porque, nesse período, os lisboetas iam "a banhos", para as suas praias preferidas, como a Ajuda ou o Dafundo, ou então iam a Sintra "para refrescar". Só no início do século XX, com a chegada do eléctrico para substituir o "omnibus" e o "americano", o transporte público ganhou outra vitalidade: 115 viagens por ano e por habitante em 1910. Outras zonas da cidade de Lisboa passaram a ser habitáveis para quem tinha de se deslocar para o trabalho, como Campo de Ourique ou as chamadas Avenidas Novas.
A falta de espírito empresarial foi uma constante desde o início. A Carris, por exemplo, em vez de apostar nisso desde o início, preferia valer-se das influências políticas para garantir os seus lucros. Isto logo a partir de 1892. Os investimentos eram escassos: os portugueses com dinheiro preferiam investir nas bolsas de Londres e Paris e os estrangeiros, para investir aqui, impunham condições leoninas. Muita da essência da crise dos transportes públicos nasceu aqui. E, ao longo dos anos, estes sempre balançaram entre interesses políticos e investimentos pouco consistentes. A partir de certa altura a estratégia estatal foi privilegiar o transporte rodoviário face ao ferroviário ou mesmo ao público. A criação desse monstro que é a Infraestruturas de Portugal foi a cereja no topo do bolo desta estratégia que nos conduziu à degradação total da ferrovia no país. Nos últimos anos, com os cortes orçamentais, essa inacção foi ainda mais calamitosa, mas ninguém pode esquecer outros aspectos como o abandono das estações ferroviárias (há casos de polícia). Agora que a rede entrou na fase final de colapso está tudo nervoso. Há alguns milhões para comprar comboios novos que, imagine-se, estarão ao serviço lá para 2022 ou 2023. Até lá viveremos da boa vontade da Renfe espanhola, que pode ir alugando uns comboios para que os portugueses não se desloquem apenas de camioneta (alugadas a empresas privadas). Ou seja, a incompetência e a estratégia deliberada para asfixiar a rodovia tiveram sucesso. Agora é preciso começar quase tudo desde o início. Mas para isso era necessário um ministro a sério e uma administração da CP com voz forte. Lamentavelmente tudo se transformou num jogo partidário. Para ver quem coloca os seus na próxima administração da CP, da IP, da Carris, da Transtejo e tantas outras.»
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