25.2.25

Ucrânia, a solidariedade que se impõe

 


«No início da invasão da Ucrânia, era comum a ideia de que Vladimir Putin se tinha enganado nos cálculos. As tropas russas não tinham chegado a Kiev, nem deposto Vlodymyr Zelensky, como parecia ser inevitável. Pelo contrário, a resistência ucraniana rechaçou o avanço russo, de forma surpreendente, e foi capaz de reconquistar algum território.

A NATO saiu da “morte cerebral” que se encontrava, em 2019, segundo a opinião do presidente francês, Emmanuel Macron, uma conclusão que Donald Trump, no seu primeiro mandato presidencial, considerou ser “desagradável” e uma “falta de respeito”.

Suécia e Finlândia, dois vizinhos russos preocupados com eventuais réplicas da invasão ucraniana adeririam, apressadamente, à aliança transatlântica. A invasão gerou a união ocidental, a reprovação internacional, mas condescendência no chamado Sul Global.

Três anos depois, ninguém o calcularia, Vladimir Putin vence em toda a linha. O plano de vitória de Zelensky tornou-se um plano de derrota. O plano de paz de Trump é um plano de imposição e de capitulação. O presidente dos EUA tem pressa, como se constata por este primeiro mês do seu mandato.

E as condições de um cessar-fogo são as condições impostas por Moscovo. O presidente russo não poderia ter melhor porta-voz. Joe Biden dizia que o presidente Putin era um “criminoso de guerra”, Donald Trump diz que “Zelensky é um ditador”.

No fundo, Putin tem todas as razões para achar que a invasão valeu a pena: a Rússia ganhou mais 20% de território ucraniano, a possibilidade de voltar a atacar será sempre uma ameaça iminente, alargou a sua esfera de influência, reforçou o seu estatuto de potência mundial e a possibilidade de “morte cerebral” da NATO é um diagnóstico mais realista do que nunca.

Não foi preciso vencer a guerra, caída há muito tempo num impasse. Trump deu-lhe tudo isso de bandeja. Os dois têm muito em comum, para além do desprezo que têm pela Europa e a vontade de a minarem por todo o lado.

Há uma nova ordem mundial a nascer, tudo o que Putin e Xi Jinping mais queriam, e o que ela nos diz é que é totalmente contraditória com a organização mundial nascida das cinzas do pós-guerra. Os dois fizeram questão de reforçar a “aliança sem limites” entre ambos, no dia do terceiro aniversário da invasão, e não é de descartar que a aliança até possa ser alargada a três num futuro próximo.

É duvidoso que a estratégia de Trump seja a estratégia de Nixon invertida, quando Washington e Pequim se aproximaram no início da década de 70. Xi Jinping foi, de resto, o único chefe de Estado convidado para a tomada de posse de Trump. A lógica hoje é outra, nada tem a ver com democracia ou valores, a oposição entre duas superpotências em campos literalmente opostos, mas apenas com recursos e território, extorsão e invasão. E nisso Trump, Putin e Jinping terão os seus interesses e cobiças na divisão do mundo e das suas áreas de influência.

Cabe à União Europeia continuar solidária com a Ucrânia e com a salvaguarda dos valores da democracia, sem o apoio dos EUA, que irão acentuar a sua faceta autocrática.

Os líderes europeus, acompanhados pelo Canadá ou Islândia, transmitiram essa solidariedade na efeméride do terceiro aniversário da guerra, deslocando-se à Ucrânia. Embora abandonada, a UE não pode abandonar a Ucrânia. O facto de novas sanções terem sido aplicadas à Rússia e de novas ajudas terem sido dispensadas à Ucrânia é a coerência que é necessária para não desistir, defender um acordo de paz no qual Kiev tenha voz e no qual Bruxelas também participe. O plano de Trump é evidente: cessar-fogo, eleições, acordo de paz e exploração dos recursos. A Europa que pague a reconstrução.

As eleições alemãs, pelo menos, garantiram alguma previsibilidade e alívio, na medida em que a formação de um governo não será uma tarefa esdrúxula e dela não fará parte a Alternativa para a Alemanha (AfD), para desgosto de Elon Musk e de J.D. Vance.

O futuro chanceler Friedrich Merz sabe que, internamente, esta pode ser a última oportunidade para dar resposta a inquietações e problemas do país antes que a extrema-direita radical tome o poder e, externamente, que o melhor é fazer planos de segurança sem contar com os EUA, mas sim com um triângulo Paris-Londres-Berlim. Na prática, não é apenas a NATO que poderá padecer de “morte cerebral”. Seria lastimável se fosse esse também o destino europeu.»


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