1.4.21

Presos até quando?

 


«Há umas semanas, perguntei no Twitter por que razão os residentes dos lares de terceira idade, mesmo depois de vacinados com as duas doses, continuavam sem poder abraçar os seus familiares. Qual o motivo para a distância higiénica imposta, além de várias outras restrições? A resposta foi rápida. A vacina protegia os velhos, mas não os impedia de contaminar as visitas. Nem valia a pena argumentar que isso era problema da visita, imediatamente respondiam que se tratava de um problema de saúde pública e não individual. Ou seja, fechámos os velhos nos lares para os proteger. Agora, mantemo-los fechados para nos protegermos deles. A inversão moral, que penaliza os mais frágeis da nossa sociedade, não parece incomodar ninguém.

Até ao momento, as vacinas da covid demonstraram ter 100% de eficácia contra casos graves. O medo propagado por tantos de que a vacina não protege contra a infeção e, consequentemente, contra o contágio não tem sustentação a não ser a paranoia de se estar sempre a pensar em tudo o que pode correr mal. Perante estes dados, é simplesmente incompreensível que a política de visitas aos residentes nos lares de terceira idade esteja, no essencial, igual ao que era há um ano.

Muito corretamente, a prioridade na vacinação foi para os lares. Neste momento, todas as pessoas que vivem ou trabalham em lares já terão sido vacinadas com duas doses. Isso quer dizer que é seguro fazer visitas. Não só não há qualquer perigo de provocar um surto seguido de mortandade num lar — a vacina tem 100% de eficácia contra casos graves, vale a pena relembrar —, como as possibilidades de as visitas serem contagiadas pelos velhos são também diminutas. As vacinas de RNA, que foram as aplicadas nos lares, mostram ter uma eficácia de 90% mesmo contra infeções ligeiras.

Como se justifica então que as regras se mantenham? Continuam as restrições à proximidade física durante as visitas e continuam as proibições relativamente a visitas das crianças. Nunca tendo eu concordado com todas estas restrições, ao menos entendia-as. Neste momento, já nem isso. Não percebo em nome de que princípio continuo sem poder tocar no meu pai há um ano. Não percebo por que motivo impedem o meu pai de ver as netas ao vivo, ficando relegadas para um ecrã de um telemóvel. E, felizmente, onde está, tem rede de internet razoável. Mas já se fez algum levantamento para saber quantos lares não têm condições tecnológicas para visitas virtuais? De que tenha conhecimento, não.

Em Portugal, convencionou-se que as pessoas estão em lares porque a família não quer saber delas, porque olham para os velhos como um encargo, porque a lufa-lufa diária não deixa tempo para manter o tecido familiar intacto. O que temos observado é o exato oposto. Há cerca de um ano que quem tem famílias em lares se queixa do regime draconiano imposto. Já foram denunciadas ene situações absurdas. Desde pessoas com demência que, por causa da falta de contacto com os familiares, veem a sua situação clínica agravada. Velhos que nem sequer podem sair para dar o tal passeio higiénico que parece essencial para tanta gente, ao ponto de estar previsto nos decretos-leis dos estados de emergência. Há precisamente seis meses, denunciei nesta coluna a situação de um homem em estado de demência avançado, cego e sem mobilidade que, no seu lar, deixara de receber visitas da filha. Deixou de o poder tirar do lar nos feriados e nos fins de semana. Nas suas palavras, era ela “que o mantinha vivo”.

Como é que as regras se mantêm quando estão todos vacinados? Qual é a lógica? Só há uma resposta: apesar de tantas denúncias dos familiares, a sociedade não quer saber. A resposta às denúncias nunca passa de um encolher de ombros e de uma declaração pesarosa: compreendo, mas tenho pena.

Quando, no Natal passado, os velhos foram obrigados a passar os dias festivos trancados nos lares — acompanhados por profissionais dedicados, sublinhe-se — , muitos familiares fizeram vídeos para serem mostrados na Consoada. Em muitos desses vídeos estava presente uma esperança: já há vacina. Daqui a pouco serão vacinados e poderemos voltar a abraçar-nos. Mas os meses passam e nem se fala no assunto.

Estamos em abril e discutimos o Plano de Recuperação e Resiliência. A reabertura das escolas. A vacinação dos profissionais do ensino. A testagem maciça. A constitucionalidade dos apoios sociais aprovados na Assembleia da República. Enquanto isso, os velhos nos lares estão esquecidos. Há assuntos mais importantes, como a criação de passaportes sanitários que nos permitam passar férias onde quisermos sem grandes engulhos.»

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