8.9.12

Grécia: antever o que nos espera?




Os reformados têm sido o elo mais fraco. Fixemos, para (nossa) memória futura, estes números e estas percentagens.
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É isto...



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Música do dia



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À espera de um harakiri



Assino por baixo este texto de José Navarro de Andrade 

«O Sr. Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho e o Sr. Ministro das Finanças Vítor Gaspar propõem aplicar ao país uma experiência económica drástica. Ninguém no seu perfeito juízo duvidará que eles estarão a agir de boa-fé e no pressuposto de que estas medidas contribuirão para salvar Portugal da crise. Mas para que a nossa crença na bondade dos seus propósitos se confirme, desta vez precisamos de um sinal da sua parte de que estão dispostos a provarem que isto é tão a sério para eles como está a ser para nós. Como dizem os americanos no seu calão funcional: os Srs. Passos Coelho e Vítor Gaspar devem apostar o seu bem mais precioso onde põem a boca. 
Por isso proponho: 
Se a experiência resultar, a História os celebrará como os heróis que salvaram Portugal. 
Mas se a experiência falhar, devem ser julgados criminalmente pelos danos causados à Nação e aos seus cidadãos. Podendo ser-lhes dada uma alternativa honrosa, à japonesa: o suicídio. 
Les jeux sont faits.» 

Mas acrescento: como têm vocação de carrascos e nunca poderão vir a ser celebrados como heróis, e como Nuremberga vai longe e não creio que venha a repetir-se em tempo útil nesta Europa desvertebrada, espero pelo dia em que Assunção Esteves comunicará ao país que os doze ministros do XIX Governo Constitucional fizeram um harakiri colectivo, no qual Cavaco Silva decidiu também participar. 

Estou a brincar? Talvez pareça que sim, mas não estou. Algo de extraordinário se prepara. A esperança no harakiri é o meu lado optimista a falar. 
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Good night and good luck



Ouvi ontem a comunicação do PM, saí para jantar, fui espreitando a net no TM à procura de novidades, cheguei agora a casa (1:00 am). 

Esperava encontrar uma qualquer iniciativa concreta, uma manifestação a ter lugar o mais tardar amanhã (convocada, por exemplo, a partir da Festa do Avante, onde devem estar esta noite milhares de pessoas). Nada, tudo sereno, apenas muitas revoltas de sofá. 

Dizem-me que, em S. Bento, protestam, neste momento, 9 pessoas. O que foram lá fazer, só elas poderão explicar. 
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7.9.12

As Cidades e as Praças (43)




Praça Dam, (Amsterdão, 1960,...)

(Para ver toda a série «As Cidades e as Praças», clicar na etiqueta «PRAÇAS».)
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7:15 pm



Para sobreviver, você deve estar preparado, vigilante e calmo.

Prepare o seu kit de segurança:
- Comida, água e um kit de primeiros socorros.
- Prepare o plano de evacuação.
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Polémica historiográfica e ideologias


Porque comecei a divulgar alguns textos que se inscrevem na já longa polémica Manuel Loff / Rui Ramos, continuo com um outro, de João Paulo Avelãs Nunes, editado hoje no Público (sem link). Só publico textos «de um dos lados»? Sim, deliberadamente. O Google ajudará quem quiser encontrar os outros, largamente difundidos na net. 


Visa-se com este texto intervir na polémica travada nas páginas do PÚBLICO a propósito das crónicas publicadas por Manuel Loff, a 2 e 16 de Agosto de 2012, sobre os capítulos relativos aos séculos XIX e XX na coordenada por Rui Ramos: Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro trataram os períodos medieval e moderno; Rui Ramos analisou a época contemporânea. 

Começo por manifestar satisfação profissional e cívica pelo facto de o PÚBLICO estar a viabilizar a divulgação para a “opinião pública” do que poderia ser um debate entre “especialistas” acerca da história contemporânea, das relações entre conhecimento científico e ideologia, da utilidade social da história (das ciências sociais em geral). A utilização inicial de uma linguagem mais adjectivante não justifica nem legitima o recurso a insultos ou a anátemas de cariz pessoal, a recusa em considerar questões substanciais entretanto colocadas. 

Justifica-se, ainda, lembrar que muitos historiadores utilizam hoje, em Portugal como noutros países, as categorias de discurso essencialmente “objectivante”, “revisionista” ou “negacionista” para caracterizar determinadas leituras da realidade. Citamos o exemplo de debates ou polémicas sobre problemáticas como as das desigualdades sociais e de género, como as dos regimes totalitários de tipo fascista e de tipo estalinista, como as do anti-semitismo e do Holocausto, como as do racismo e dos regimes de “independência branca”. 

Uma vez explicitadas algumas referências prévias, diria que concordo com Manuel Loff quando defende que muitos dos textos de Rui Ramos sobre a Ditadura Militar e o Estado Novo podem ser caracterizados como “revisionistas”, o que é diferente de “negacionistas” e, mais ainda, de “fascizantes”. Utilizando uma linguagem “naturalizada” — aparentemente óbvia e indiscutível —, Rui Ramos compararia uma Primeira República ditatorial, “terrorista” e “caótica” (protototalitária?) com um Estado Novo ditatorial mas “moderado” e “comparativamente eficaz” (autoritário).
Discordo, também, de várias das apreciações feitas, no âmbito desta polémica, por Maria Filomena Mónica e por António Barreto. Não consigo perceber a necessidade de Maria Filomena Mónica recusar, de modo totalmente infundado, validade à actividade de Manuel Loff como investigador e docente; de lhe atribuir militâncias políticas “inconfessáveis”, bem como uma postura intelectual “fanática” e “maniqueísta”. Evoco a possibilidade de a Primeira República ser encarada como um regime demoliberal com vectores de autoritarismo e não apenas como uma democracia ou, em alternativa, como uma “ditadura revolucionária”. Contesto afirmações como as de que só “falsos historiadores” consideram operatório aplicar os conceitos de “fascismo” e de “totalitarismo” ao estudo do Estado Novo português; as de que os investigadores e docentes da “esquerda delirante” procuram impedir, em Portugal, que os estudantes universitários “tenham acesso a livros que possam pôr em causa o que os professores lhes dizem nas aulas”.

Relativamente à intervenção de António Barreto nesta polémica, estranho que, a propósito dos comentários de Manuel Loff a alguns dos capítulos da História de Portugal coordenada por Rui Ramos, tenha defendido que aquela obra é o primeiro exemplo em Portugal de uma análise “serena” e “normalizada” da Primeira República e do Estado Novo — ambos, “mais do que qualquer outro período, submetidos à tenaz de ferro das crenças religiosas e ideológicas e ao ferrete das tribos”. Segundo António Barreto, quer em ditadura, quer em democracia, antes dos textos de Rui Ramos existiria apenas “o duopólio fanático estabelecido há muito entre as Histórias ditas "da esquerda e da direita".”

Para além de ser difícil, por boas e más razões, caracterizar a produção historiográfica de Rui Ramos como “normalizada”, “serena”, e “sem ajustes de contas”, porquê ignorar o trabalho, entre muitos outros, — e citamos apenas “investigadores seniores” portugueses — de historiadores do Estado Novo como António Costa Pinto, António José Telo, César de Oliveira, Fernando Rosas, José Maria Brandão de Brito, Luís Reis Torgal, Manuel Braga da Cruz, Manuel de Lucena e Maria de Fátima Patriarca? A importância da historiografia (das ciências sociais em geral) é demasiado grande para que se tente transformar uma polémica não num debate científico e ideológico, mas num exercício de afirmação de um “pensamento único” e de ataque violento a quem possa discordar das leituras em causa. 
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Golman Sachs e os vídeos que desaparecem



Divulguei ontem o vídeo «Goldman Sachs – la banque qui dirige le monde», numa versão disponibilizada no Youtube.

Hoje fui alertada para o facto de a mesma ter deixado de estar disponível (essa e outras que existiam no mesmo canal).

Mas está (ainda?) no Dailymotion, dividida em duas partes que aqui ficam. Antes que despareçam, descarreguei-as e guardei-as no meu PC – só se hackers cá vierem é que «morrerão»...



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6.9.12

Nem todos vão à Festa



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As Cidades e as Praças, (42)





Praça da Independência, (Colombo, 2011)

(Para ver toda a série «As Cidades e as Praças», clicar na etiqueta «PRAÇAS».)
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Nova versão


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«Simplificação» do IRS? Óbvio...



Quanto à simplificação do IRS através da redução de deduções e do número de escalões: 

«A derrapagem no nível de receita fiscal que tem vindo a observar-se nos últimos meses e as declarações do primeiro-ministro que ontem veio dizer taxativamente de que a situação do País não permite "qualquer alívio na carga fiscal" veio reforçar a convicção da generalidade dos fiscalistas de que esta redução dos escalões irá traduzir-se numa subida da carga do IRS para muitos contribuintes. (...) 

Esta mudança poderá afetar sobretudo aqueles rendimentos que estão nas zonas marginais e que hoje pagam uma taxa mais baixa, mas que poderão sofrer um agravamento se forem "aglutinados" no escalão seguinte.» 

(Daqui.)

Imprescindível


... reservar um pouco mais de uma hora para ver este vídeo. Nem que seja para sentirmos a raiva a crescer-nos nos dentes. (Atenção especial ao caso grego, a partir do minuto 41.)

ATENÇÃO: o vídeo deixou de estar disponível. Nova versão AQUI


Depuis cinq ans, la banque d'affaires américaine Goldman Sachs incarne tous les excès et dérives de la spéculation financière. Après s'être enrichie pendant la crise des « subprimes » en pariant sur la faillite des ménages américains, elle a été sauvée de la faillite grâce à ses appuis politiques. Quand le krach financier traverse l'Atlantique, Goldman Sachs devient l'un des protagonistes de la crise de l'euro en pariant contre la monnaie unique, après avoir maquillé les comptes de la Grèce. Quand les gouvernements européens tombent les uns après les autres, "la Firme" en profite pour étendre son formidable réseau d'influence sur le Vieux Continent. 

UN EMPIRE INVISIBLE 
Plus qu'une banque, Goldman Sachs est un empire invisible riche de 700 milliards d'euros d'actifs, soit deux fois le budget de la France. Un empire de l'argent sur lequel le soleil ne se couche jamais, qui a transformé la planète en un vaste casino, pariant sur tout et n'importe quoi pour engranger toujours plus de profits. Grâce à son réseau d'influence unique au monde et son armée de 30.000 moines banquiers, Goldman Sachs a su profiter de ces cinq années de crise pour accroître sa puissance financière, augmenter son emprise sur les gouvernements et bénéficier de l'impunité des justices américaines et européennes. Ce documentaire de Marc Roche, journaliste spécialisé au Monde, auteur du best-seller La Banque, et de Jérôme Fritel, est une plongée au cœur de ce pouvoir qui ne reconnaît aucune frontière, ni aucune limite et menace directement les démocraties. Les témoignages, à visage découvert, d'anciens salariés de Goldman Sachs, de banquiers concurrents, de régulateurs, de leaders politiques, d'économistes et de journalistes spécialisés dévoilent pour la première fois la toute puissance financière et politique de "la banque qui dirige le monde". 
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5.9.12

Que se lixe a troika, queremos as nossas vidas



Manifestação, 15 de Setembro, 17h, Lisboa 

(Partida da Praça José Fontana, com passagem pela representação permanente da troika, na Avenida da República.) 

Texto da convocatória AQUI.
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Tacticamente certeiro

Cartilha “normalizada” do Estado Novo?


Este texto de Fernando Rosas (Público de hoje, 5/9/2012, sem link) inscreve-se na polémica em curso entre os historiadores Manuel Loff e Rui Ramos (com outros intervenientes pelo meio...). Os artigos de Loff podem ser lidos neste blogue, os outros «andam por aí», não por aqui. 

Não era minha intenção intervir na polémica que neste jornal tem oposto os historiadores Rui Ramos (RR) e Manuel Loff (ML), a propósito dos conteúdos sobre a História do século XX da de que o primeiro é, respectivamente, autor e co-autor. E não o faria, se o inacreditável artigo de Filomena Mónica (FM) publicado nestas colunas (1/8) a tal me não tivesse obrigado. 

Permitam-me que comece por situar a questão, tal como a vejo: é ou não científica e civicamente relevante discutir criticamente os pontos de vista que enformam a versão da História política do século XX subscrita por RR? Eu acho que sim. Porque é um texto bem escrito, porque teve ampla divulgação e, sobretudo, porque é matéria que se prende umbilicalmente com a forma como pretendemos legitimar o presente e fazer o futuro. No meu entender, foi precisamente isso que, à sua maneira e no seu estilo assertivo, mas onde não vislumbro nada de insultuoso ou pessoalmente difamatório para o criticado, julgo que Manuel Loff pretendeu fazer. Na realidade, essa parte da História de Portugal de RR, no seu modo corrente e aparentemente desproblematizador, no seu jeito de discurso do senso comum superficial e para o “grande público”, é um texto empapado de ideologia. Uma ideologia que faz passar a visão da I República como um regime ditatorial, “revolucionário” e de “terror”, por contraponto a um Estado Novo ordeiro e desdramatizado, quase banalizado na sua natureza política e social, transfigurado em ditadura catedrática, em regime conservador moderado e aceitável, apesar de um ou outro abuso. Essa visão — em vários aspectos semelhante ao próprio discurso propagandístico do Estado Novo sobre a I República e sobre si próprio — carece, a meu ver, de qualquer sustentação histórica. E, talvez por isso mesmo, convém salientá-lo, não é subscrita, ao que me parece, por uma significativa parte de historiadores e investigadores que, com diferentes perspectivas, trabalham sobre este período. 

O que julgo intelectualmente inaceitável é que alguns dos candidatos do costume a sacerdotes do “pensamento único” venham ameaçar com a excomunhão do seu mundo civilizado quem não aceitar o que eles parece quererem transformar numa espécie de cartilha ”normalizadora” do salazarismo e da sua representação histórica. Peço licença para dizer que, como historiador e como cidadão, não me intimidam. E por isso vamos ao que interessa. 

É bem certo que a I República, e já várias vezes o escrevi, não foi, obviamente, uma democracia nem política, nem socialmente, sobretudo no sentido moderno do termo. Com o seu liberalismo oligárquico, com as suas perseguições políticas (sobretudo na sua primeira fase contra as conspirações restauracionistas) e principalmente sociais (contra o movimento operário e sindical), foi um regime de liberdade frequentemente condicionada, à semelhança da maioria dos regimes liberais da Europa do primeiro quartel do século XX. Mas com o ser isso tudo, foi um sistema imensamente mais liberal e aberto do que o Estado Novo da censura prévia, da proibição e perseguição dos partidos, dos sindicatos livres, do direito à greve e da oposição em geral, da omnipresença da polícia política e da violência arbitrária, da opressão quotidiana dos aparelhos de repressão preventiva e de enquadramento totalizante. E tenho para mim que isso não é banalizável ou “normalizável”. Nem histórica, nem civicamente. É por isso que os valores matriciais da I República puderam ser os da resistência à ditadura salazarista e enformaram, como referência, os constituintes democráticos de 1976. 

Infelizmente, RR não compareceu a este debate. Refugiou-se sob o manto de uma pretensa intangibilidade moral, ou seja, de uma vitimização construída a partir, na realidade, da deturpação dramatizante das criticas do seu interlocutor. FM fez bem pior. Sem aparentar perceber nada de nada, veio à liça reclamar contra o facto de ML romper o consenso que ela acha que existia em torno do “terror republicano”, apodá-lo de “marxista leninista” e de “historiador medíocre” — quem falou de insultar? — sem discutir um único dos seus pontos de vista e confessando desconhecer e não querer conhecer a obra de ML! E embalou: a “deturpação de um texto”, diz FM, está na natureza dos comunistas e apela sem rebuço à censura do “seu” jornal contra tal gente. Isto tudo, claro está, porque, como se terá percebido, FM “gosta de controvérsia”... 

Para mim, ao contrário, acho absolutamente necessário que RR e FM continuem a ter pleno direito à palavra. Pelo menos, isso mantém-nos atentos e despertos relativamente aos “demónios capazes de despertar o pior da cultura portuguesa” (António Barreto dixit
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4.9.12

Setiembre 4



Te doy mi palabra 

En el año 1970, Salvador Allende ganó las elecciones y se consagró presidente de Chile.

Y dijo: 
-Voy a nacionalizar el cobre.

Y dijo:
-Yo de aquí no salgo vivo.

Y cumplió su palabra.

Eduardo Galeano, Los hijos de los días

(Daqui)

Já pouco me espanto, mas esta engasgou-me



Fixem a cara e o nome ─ Duarte Marques, líder da JSD ─ porque não sairá tão depressa das nossas vidas, E, se sair, regressará mais ano menos ano. 

Defende que «deveria fazer parte da formação política dos "jotas" passar por um "estágio de três ou seis meses" num gabinete executivo: "A política decide-se aí, seja no Governo ou numa autarquia"».

Mas, sobretudo, concretiza: «Ele é muito bom, mas se o António Borges tivesse passado uns anos na "Jota" há muito erro que não cometeria ...»

Qual INSEAD, qual Goldman Sachs, qual FMI! Tivesse António Borges pedido conselhos a Duarte Marques numa escolinha da jota e a Judite de Sousa não lhe teria arrancado umas bocas sobre a RTP!

Uma pessoa lê estas coisas, começa por rir, depois fica a cismar e só não chora a seguir porque não é crocodilo. 

(Fonte)

Denegação por anáfora merencória



Texto de Mário de Carvalho, divulgado hoje no Facebook. 

Eu nunca fui obrigado a fazer a saudação fascista aos «meus superiores». Eu nunca andei fardado com um uniforme verde e amarelo de S de Salazar à cintura. Eu nunca marchei, em ordem unida, aos sábados, com outros miúdos, no meio de cânticos e brados militares. Eu nunca vi os colegas mais velhos serem levados para a «mílícia», para fazerem manejo de arma com a Mauser. Eu nunca fui arregimentado, dias e dias, para gigantescos festivais de ginástica no Estádio do Jamor. Eu nunca assisti ao histerismo generalizado em torno do «Senhor Presidente do Conselho», nem ao servilismo sabujo para com o «venerando Chefe do Estado». Eu nunca fui sujeito ao culto do «Chefe», «chefe de turma», «chefe de quina», «chefe dos contínuos», «chefe da esquadra», «chefe do Estado». Eu nunca fui obrigado a ouvir discursos sobre «Deus, Pátria e Família». Eu nunca ouvi gritar: «quem manda? Salazar, Salazar, Salazar». Eu nunca tive manuais escolares que ironizassem com «os pretos» e com «as raças inferiores». Eu nunca me apercebi do «dia da Raça». Eu nunca ouvi louvar a acção dos «Viriatos» na Guerra de Espanha. Eu nunca fui obrigado a ler textos escolares que convidassem à resignação, à pobreza e ao conformismo; Eu nunca fui pressionado para me converter ao catolicismo e me «baptizar». Eu nunca fui em grupos levar géneros a pobres, politicamente seleccionados, porque era mesmo assim. Eu nunca assisti á miséria fétida dos hospitais dos indigentes. Eu nunca vi os meus pais inquietados e em susto. Eu nunca tive que esconder livros e papéis em casa de vizinhos ou amigos. Eu nunca assisti à apreensão dos livros do meu pai. Eu nunca soube de uma cadeia escura chamada o Aljube em que os presos eram sepultados vivos em «curros». Eu nunca convivi com alguém que tivesse penado no Tarrafal. Eu nunca soube de gente pobre espancada, vilipendiada e perseguida e nunca vi gente simples do campo a ser humilhada e insultada. Eu nunca vi o meu pai preso e nunca fui impedido de o visitar durante dias a fio enquanto ele estava «no sono». Eu nunca fui interpelado e ameaçado por guardas quando olhava, de fora, para as grades da cadeia. Eu nunca fui capturado no castelo de S. Jorge por um legionário, por estar a falar inglês sem ser «intréprete oficial». Eu nunca fui conduzido à força a uma cave, no mesmo castelo, em que havia fardas verdes e cães pastores alemães. Eu nunca vi homens e mulheres a sofrer na cadeia da vila por não quererem trabalhar de sol a sol. Eu nunca soube de alentejanos presos, às ranchadas, por se encontrarem a cantar na rua. Eu nunca assisti a umas eleições falsificadas, nunca vi uma manifestação espontânea ser reprimida por cavalaria à sabrada; eu nunca senti os tiros a chicotearem pelas paredes de Lisboa, em Alfama, durante o Primeiro de Maio. Eu nunca assisti a um comício interrompido, um colóquio desconvocado, uma sessão de cinema proibida. Eu nunca presenciei a invasão dum cineclube de jovens com roubo de ficheiros, gente ameaçada, cartazes arrancados. Eu nunca soube do assalto à Sociedade Portuguesa de Escritores, da prisão dos seus dirigentes. Eu nunca soube da lei do silêncio e da damnatio memoriae que impendia sobre os mais prestigiados intelectuais do meu país. Eu nunca fui confrontado quotidianamente com propaganda do estado corporativo e nunca tive de sofrer as campanhas de mentalização de locutores, escribas e comentadores da Rádio e da Televisão. Eu nunca me dei conta de que houvesse censura à imprensa e livros proibidos. Eu nunca ouvi dizer que tinha havido gente assassinada nas ruas, nos caminhos e nas cadeias. Eu nunca baixei a voz num café, para falar com o companheiro do lado. Eu nunca tive de me preocupar com aquele homem encostado ali à esquina. Eu nunca sofri nenhuma carga policial por reclamar «autonomia» universitária. Eu nunca vi amigos e colegas de cabeça aberta pelas coronhas policiais. Eu nunca fui levado pela polícia, num autocarro, para o Governo Civil de Lisboa por indicação de um reitor celerado. Eu nunca vi o meu pai ser julgado por um tribunal de três juízes carrascos por fazer parte do «organismo das cooperativas», do PCP, com alguns comerciantes da Baixa, contabilistas, vendedores e outros tenebrosos subversivos. Eu nunca fui sistematicamente seguido por brigadas que utilizavam um certo Volkswagen verde. Eu nunca tive o meu telefone vigiado. Eu nunca fui impedido de ler o que me apetecia, falar quando me ocorria, ver os filmes e as peças de teatro que queria. Eu nunca fui proibido de viajar para o estrangeiro. Eu nunca fui expressamente bloqueado em concursos de acesso à função pública. Eu nunca vi a minha vida devassada, nem a minha correspondência apreendida. Eu nunca fui precedido pela informação de que não «oferecia garantias de colaborar na realização dos fins superiores do Estado». Eu nunca fui objecto de comunicações «a bem da nação». Eu nunca fui preso. Eu nunca tive o serviço militar ilegalmente interrompido por uma polícia civil. Eu nunca fui julgado e condenado a dois anos de cadeia por actividades que seriam perfeitamente quotidianas e normais noutro país qualquer; Eu nunca estive onze dias e onze noites, alternados, impedido de dormir, e a ser quotidianamente insultado e ameaçado. Eu nunca tive alucinações, nunca tombei de cansaço. Eu nunca conheci as prisões de Caxias e de Peniche. Eu nunca me dei conta, aí, de alguém que tivesse sido perseguido, espancado e privado do sono. Eu nunca estive destinado à Companhia Disciplinar de Penamacor. Eu nunca tive de fugir clandestinamente do país. Eu nunca vivi num regime de partido único. Eu nunca tive a infelicidade de conhecer o fascismo. 
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Preconceitos mais duros do que diamante



«Os preconceitos são mais duros do que o diamante. Se forem de natureza ideológica, então, são praticamente invencíveis. Os resultados da execução orçamental estão a ser conhecidos em detalhe na presença dos examinadores da troika. E é difícil serem mais desanimadores. (...) 

Portugal está no caminho da Grécia, mas sem anarquistas na rua, e com um Governo fiel e obediente ao programa do directório europeu e do FMI. Um governo que resolveu abdicar de ter ideias ou vontade próprias, numa deliberada estratégia de quem assume não só a fraqueza, mas também a culpa: "fingir de morto." A Europa é hoje uma grande e dolorosa experiência de engenharia social, um gigantesco laboratório do ultraliberalismo económico com o seu cortejo de desprezo pelo sofrimento humano. Portugal é a prova veemente de que os examinadores da troika estão enganados.» 

Viriato Soromenho-Marques

3.9.12

Eduardo Galeano: 72 anos



Nasceu em 3 de Setembro de 1940 e saiu ontem de um hospital de Montevideu, onde esteve internado durante alguns dias. Nada de grave, aparentemente.

No seu mais recente livro ─ Os filhos dos dias ─ escreveu esta página sobre a data do seu nascimento:


Neste blogue, têm sido publicados muitos vídeos e textos de EG. Ei-los...

 (Fotos daqui.) 
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As Cidades e as Praças (41)





Praça Stortorget (Estocolmo, 1970,...)

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Comissão de Trabalhadores da RTP (Comunicado, 2/9/2012)



DECÁLOGO DE UMA ADMINISTRAÇÃO ACEITÁVEL PARA OS TRABALHADORES 

Se quiser encontrar um caminho construtivo para a empresa, que viabilize a prestação de um verdadeiro serviço público de rádio e televisão, então convirá ter presentes os mandamentos que impõe um elementar bom senso:

1) O novo CA deve ser nomeado pelo parlamento. Esta proposta não é uma artimanha para invalidar as maiorias que saiam das eleições: o partido mais votado do Governo continua a ser o mais representado no parlamento. Mas é diferente esse partido, ou algumas das suas eminências pardas, fazerem o que querem na penumbra dos gabinetes, ou saberem que devem apresentar ideias capazes de resistir a um debate aberto e transparente;

2) O novo CA, sem dever, naturalmente, dar garantias hipócritas de apartidarismo, deve ter um perfil de compromisso autêntico com o imperativo constitucional do serviço público e deve pôr esse compromisso acima das suas inclinações partidárias, religiosas ou outras;

3) O novo CA deve ser constituído por pessoas com uma trajetória de serviço público, de preferência com tarimba feita na área da rádio e/ou da televisão – a antítese dos comissários políticos armados de lápis azul ou das comissões liquidatárias obcecadas com critérios economicistas;

4) O novo CA deve caracterizar-se por uma capacidade de diálogo com provas dadas, que lhe permita criar consensos com as duas componentes fundamentais do serviço público: os trabalhadores que devem prestá-lo e o público que dele deve beneficiar;

5) O novo CA deve vir decidido a fixar para a RTP os mais altos e mais exigentes padrões de serviço público, aspirando a fazê-la medir-se com as estações públicas europeias e pelas “guide lines” da UER, e não como até aqui com as estações comerciais portuguesas, numa sôfrega disputa de audiências, sem escrúpulos de qualidade nem visão de futuro. É hoje possível tirar partido da assunção da dívida pelo Governo que, ao libertar a RTP da pressão pela disputa de receitas publicitárias, involuntariamente criou melhores condições para reintroduzir nas grelhas um critério de serviço público;

6) O novo CA deve restabelecer o diálogo interno na RTP, ouvindo os organismos representativos dos trabalhadores, em tempo útil, antes de fechadas as decisões e antes de se consumarem factos irreversíveis;

7) O novo CA deve ter claro que a unidade demonstrada pelos trabalhadores não vai tolerar que se pise uma fundamental linha vermelha: a de efetuar um único despedimento ou uma única rescisão imposta com métodos de assédio moral;

8) O novo CA deve restabelecer o respeito pela legalidade e pela Constituição, não só no que diz respeito à prestação de serviço público, mas também no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, anulando os cortes salariais que o próprio Tribunal Constitucional considerou violadores da lei fundamental;

9) O novo CA deve estar disposto a gastar no que faz falta e a poupar no que é supérfluo: nenhuma rádio nem nenhuma televisão podem funcionar sem salários justos e sem equipamentos regularmente atualizados; mas todas podem funcionar sem frotas faraónicas de carros de função, sem vencimentos excetuados para as administrações e sem mordomias para as direções;

10) O novo CA deve estar disposto a cortar a direito numa estrutura engordada ao longo dos anos: tal como antes se decretou a redução do número de vogais do CA, chegou a altura de reduzir o número de direções – esta casa viverá bem com metade dos seus cargos de estrutura;

As administrações passam, os trabalhadores ficam. Mostrámos na passada quarta-feira que temos capacidade para lutar. A comissão criada no plenário avançará com medidas de força, se for necessário. Mas nem por isso deixamos de indicar as condições precisas que, do nosso ponto de vista, permitiriam o estabelecimento de um clima de diálogo dentro da empresa. Se essas condições forem tomadas em conta, não é inevitável que o próximo CA tenha o mesmo fim inglório que teve o de Guilherme Costa. Se forem respeitadas as obrigações do serviço público e os direitos dos trabalhadores, poderemos entrar num processo verdadeiramente construtivo.

O Secretariado da Comissão de Trabalhadores da RTP
comissao.trabalhadores@rtp.pt
Lisboa, 2 de setembro 2012

(Via Diana Andringa no Facebook)
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Cândida Almeida e a vida de Sócrates em Paris



A procuradora-geral adjunta falou ontem na escola do PSD e muito se escreveu sobre a hipótese de vir a substituir Pinto Monteiro. Não se trata de notícias da Imprensa Falsa, embora pareçam, mas ainda quero crer que não serão ultrapassados todos os limites e que isso não acontecerá.

Muito foi citada, também, por ter dito que Portugal não é um país de corruptos. Chamo a atenção para um «detalhe» que ainda não vi sublinhado.

Durante a conversa, uma jovem pergunta-lhe (minuto 0:37): «Como é que o antigo primeiro-ministro, eng. José Sócrates, estuda e vive em Paris, como se nada se passasse, fazendo uma vida de grande luxo, com o dinheiro dos salários que ganhou em Portugal, e sem que nunca tenha sido detido?» («Detido», não fez o caso por menos...)

Até eu, que não sou magistrada de coisíssima nenhuma e cuja simpatia por Sócrates é zero, teria respondido que ninguém sabe, nem tem de saber, se ele vive em Paris com o dinheiro dos seus salários, com uma mesada da família ou se lhe saiu o Euromilhões. Mas veja-se e oiça-se o conteúdo e a forma da resposta de CA. Posso estar enganada, mas só eu que acho que apenas faltou dizer: «Sim, isso é suspeito, ele é suspeito, mas não posso fazer nada»?

Vão obrigar-nos a ter saudades de Pinto Monteiro? Não, por favor, para pior já basta assim.


...

2.9.12

Os convencidos da vida



«Os Convencidos da Vida Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. 

Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?»

Alexandre O'Neill, Uma Coisa em Forma de Assim 
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Neruda, há 73 anos



Na noite de 2 de Setembro de 1939, o Winnipeg chegou a Valparaíso, no Chile, com 2.365 espanhóis, exilados da Guerra Civil Espanhola e que se encontravam refugiados em campos, em França.

Quando desembarcaram, no dia seguinte, nem queriam acreditar no que viam, nem percebiam bem onde estavam: o Chile era um terra longínqua e estavam a ser recebidos como heróis...

Se Pablo Neruda não foi o único promotor desta iniciativa, foi certamente o principal. No dia 4 de Agosto, quando o barco saíra do porto francês de Trompeloup, tinha escrito o que viria a relatar mais tarde nas suas Memórias: «Que la crítica borre toda mi poesía, si le parece. Pero este poema, que hoy recuerdo, no podrá borrarlo nadie.» Em Memorial de Isla Negra, incluiu o seguinte poema:


Yo los puse en mi barco.
Era de día y Francia
 su vestido de lujo
de cada día tuvo aquella vez,
fue
la misma claridad de vino y aire
su ropaje de diosa forestal.
Mi navío esperaba
con su remoto nombre “Winnipeg”
Pero mis españoles no venían
de Versalles,
del baile plateado,
de las viejas alfombras de amaranto,
de las copas que trinan
con el vino,
no, de allí no venían,
no, de allí no venían.
De más lejos,
de campos de prisiones,
de las arenas negras
del Sahara,
de ásperos escondrijos
donde yacieron
hambrientos y desnudos,
allí a mi barco claro,
al navío en el mar, a la esperanza
acudieron llamados uno a uno
por mí, desde sus cárceles,
desde las fortalezas
de Francia tambaleante
por mi boca llamados
acudieron,
Saavedra, dije, y vino el albañil,
Zúñiga, dije, y allí estaba,
Roces, llamé, y llegó con severa sonrisa,
grité, Alberti! y con manos de cuarzo
acudió la poesía.

Labriegos, carpinteros,
pescadores,
torneros, maquinistas,
alfareros, curtidores:
se iba poblando el barco
que partía a mi patria. Yo sentía en los dedos
las semillas
de España
que rescaté yo mismo y esparcí
sobre el mar, dirigidas
a la paz
de las praderas.
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(Mais descrições aqui e aqui.) .
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