O Vaticano II teve início exactamente há 50 anos e durou cerca de três. Hoje, a imprensa mundial assinala o facto com relatos, testemunhos e apreciações.
Por vários motivos e em diversas instâncias, já escrevi sobre esta importantíssima fase da Igreja católica, que vivi intensamente, e participei num debate sobre o tema há cerca de um ano. Retomo muito resumidamente algo do que penso.
A grande esperança que o Concílio trouxe ao mundo católico foi que se estivesse a viver o início de uma nova era em que a primazia do «povo de Deus» vencesse a rigidez de uma estrutura hierárquica, rígida e esclerosada, onde tudo chegava do topo à base em perfeita harmonia, por uma correia de transmissão sem falhas nem desobediências. Ou, por outras palavras em que melhor nos entendemos, para a que a Igreja se tornasse uma instituição verdadeiramente «democrática».
Com a ajuda das características pessoais do «bom papa» João XXIII, e com as pressões de teólogos altamente qualificados, quase tudo foi posto em causa e, a páginas tantas, era de crer que não ficaria pedra sobre pedra: desde contestação de dogmas nunca vista, a modos de actuação com séculos de existência. Esses teólogos (entre os quais Ratzinger, o actual papa…) agruparam-se numa revista internacional de teologia – a Concilium – cuja versão portuguesa foi editada pela Moraes e que teve um papel decisivo, primeiro para a dita esperança e bem depressa para a grande desilusão de muitos que rapidamente bateram com a porta (entre os quais eu própria).
Em 1966, João Bénard da Costa escreveu um texto que, durante muito tempo, foi uma referência do que acabo de dizer, reflectindo ainda a fase da esperança mas já com uma grande carga de dúvidas: «A Igreja e o fim dos constantinismos». Foi publicado em O Tempo e o Modo (nº 37, Abril de 1966), embora tenha sido preparado precisamente para uma das sessões ligadas à revista Concilium e está online para os mais curiosos. Nele é citado Hans Küng, precisamente a propósito dessa era pós-conciliar: «Será a realização de uma grande esperança ou será uma grande decepção. A realização duma pequena esperança – dada a gravidade da situação mundial e as necessidades da cristandade – seria uma decepção». E foi.
Para mim, é desde então absolutamente claro o que em tempos resumi simplisticamente neste termos: «Com a distância que o tempo cria, parece hoje evidente que o Concílio não desiludiu por acaso ou por engano. O que se passou foi que a Igreja, ao mais alto nível, recuou, num sábio exercício de sobrevivência. A pesada pirâmide sobreviveu a um terramoto – abanou, mas não ruiu. A grande diferença em relação ao que se passou muito mais tarde numa outra pirâmide, a da União Soviética, foi que a Igreja resistiu quando percebeu que estava ameaçada. Durante o Concílio, também ela arriscou uma glasnost, uma abertura à sua maneira. Iniciou então um tímido aggiornamento, mas travou-o a tempo de não deixar que ele se transformasse em perestroika. Por isso se deu a debandada de muitos, com maiores ou menores angústias existenciais. A estrutura não cedeu – cederam eles.»
Ratzinger, o actual Bento XVI, foi um dos que mais rapidamente percebeu tudo isto e que tomou em mão, com outros, as rédeas do recuo. Talvez para evitar uma implosão. E assim chegou a papa.
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