«As teorias da conspiração não são uma novidade no nosso mundo. Aliás, parecem sempre ter existido. Remetem para tentativas de explicação das causas últimas de eventos políticos ou sociais relevantes já acontecidos ou por acontecer, baseadas na acusação de alguém ou de algum grupo visto como um inimigo poderoso e malévolo. São, normalmente, explicações curtas e simples para grandes e complexos problemas; são, regra geral, apelativas ao apresentarem soluções também elas simples e, sobretudo, definitivas para problemas das pessoas e da sociedade; são, finalmente, propagáveis porque usam e abusam da dimensão emocional e muitas vezes de mentiras e manipulações pelo que, com ou sem intenção, são facilmente disseminadas pelas pessoas junto de outras pessoas.
Então porquê esta preocupação agora? Porque é hoje tão importante compreender as bases deste problema? Diríamos por três motivos fundamentais: (1) porque, com o desenvolvimento das redes sociais digitais e da sua arquitetura, o impacto é hoje muito maior. Posições minoritárias têm agora um eco muito maior, pela lógica de “bolhas” e de facilidade de disseminação da informação e, particularmente, da desinformação (até 6 vezes mais rápida segundo alguns estudos). Isto pode potenciar a utilização das teorias da conspiração para fins menos claros de manipulação das pessoas, seja para se obterem ganhos económicos diretos, através das partilhas das publicações, seja como forma de fragilizar o poder e as instituições em sociedades democráticas; (2) porque vivemos um período sério de crise (veja-se a pandemia covid-19), onde as teorias da conspiração tendem a ser mais eficazes. Preenchem “vazios” e oferecem “controlo”, compensando uma menor confiança nas autoridades, instituições e comunicação social e beneficiando da crescente diluição de mediadores; (3) porque, enfim, podemos. Temos hoje uma vasta evidência científica, particularmente uma ciência psicológica mais desenvolvida, que nos pode ajudar a compreender, prevenir e mitigar o fenómeno e as suas amplas consequências.
Apesar de todas e todos sermos suscetíveis a acreditar e/ou disseminar desinformação, é cientificamente relevante a maior propensão de algumas pessoas para acreditarem em teorias da conspiração. A ciência parece mostrar que as pessoas que acreditam numa determinada teoria da conspiração têm tendência para acreditar noutras, que muitas vezes são até contraditórias entre si. Este facto sublinha a existência de traços (ou pelo menos características) partilhados por estas pessoas, pelo que é fundamental observar as dimensões psicológicas associadas às pessoas mais vulneráveis a estes fenómenos.
Logo à partida parece clara a utilização das teorias da conspiração numa procura por sensações de controlo e de segurança. Segurança de que a pessoa sabe o que se passa, de que detém um conhecimento superior face aos outros e às narrativas oficiais. Consegue, deste modo, responder à incerteza, à imprevisibilidade e ao contraditório, um pouco à semelhança do que acontece quando se usam crenças paranormais ou superstições. Neste sentido, estarão mais vulneráveis pessoas mais alienadas ou revoltadas face à organização social vigente. Igualmente, pessoas com menor capacidade de regulação emocional e que, por isso, utilizam mais automatismos e estão mais expostas a viés deles decorrentes nos seus processos de tomada de decisão.
Além do controlo e segurança, vários estudos têm também demonstrado que as teorias da conspiração são particularmente apelativas junto de pessoas com outras necessidades psicológicas por satisfazer como a auto-estima. Ao explicarem o desconhecido, as teorias da conspiração permitem às pessoas uma sensação de satisfação por conseguirem explicá-lo, fazendo-as sentirem-se especiais e resultando em acréscimos de auto-estima. Não será por isso estranho que o narcisismo, pautado por maior individualismo, centração em si e por uma extrema necessidade da pessoa afirmar a sua superioridade e de se considerar melhor do que a maioria das pessoas, se constitua como uma predisposição para adotar teorias conspirativas que colocam a culpa noutras pessoas ou grupos.
Associando este fator aos comuns traços de impulsividade nestas pessoas e à sensação de angústia, desespero e mau estar psicológico, viver num mundo com “pessoas malévolas” pode ser de algum modo “reconfortante”, pois fornece uma explicação para as suas emoções mais “negativas” como o medo, a raiva ou o ódio. Poderá ainda ser mais reconfortante pela associação a um grupo especial, que consegue perceber coisas que os outros não são capazes de compreender, o que será ainda mais reforçado com a diabolização de outros grupos. Este fenómeno gera maior polarização e tribalismo e ajuda a explicar também porque pessoas socialmente mais vulneráveis poderão ter uma maior tendência de identificação com estes grupos.
Resta assim claro que as teorias da conspiração promovem prejuízos sérios, uma vez que contribuem para a diminuição da confiança e para a dicotomização e polarização das opiniões e consequente incapacidade para encontrar soluções equilibradas (veja-se, por exemplo, o impacto na saúde pública dos movimentos anti-vacinas alimentados por teorias da conspiração).
Mas nem tudo é negativo. Este fenómeno pode concorrer para acelerarmos e intensificarmos seis mudanças urgentes na sociedade: (1) investir em maior transparência nas ações políticas, questionando as inconsistências de algumas decisões e abrindo a discussão de temas que de outro modo poderiam não ser discutidos; (2) promover a educação, a diversidade e acesso ao contraditório e a literacia das pessoas e da sociedade como antidoto e fator de inoculação face às teorias da conspiração. Em paralelo, influenciar mudanças nos algoritmos utilizados nos motores de busca e redes sociais nesse sentido, permitindo que uma busca de um qualquer tema ou o simples navegar em redes sociais permita acesso ao contraditório e diverso e não apenas a posições reforçadoras das ideias ou crenças de quem procurou; (3) desencadear mecanismos de reforço da confiança, de reforço da coesão e da conexão entre pessoas e grupos (incluindo políticos) por oposição ao extremar ideológico dos mesmos; (4) apostar na promoção da saúde psicológica da população, prevenindo as situações que expõem as pessoas a estes fenómenos, através da promoção da capacidade de adaptação, de resiliência (individual e social) e da crença na possibilidade de bem-estar e num mundo tendencialmente justo e seguro; (5) investir na literacia digital e na capacitação das pessoas para uma utilização consciente das tecnologias de informação e comunicação e das redes sociais, assente no desenvolvimento de pensamento crítico sobre a informação disponibilizada e da capacidade de distinção entre factos / evidências e opinião; (6) investir no combate às iniquidades, desigualdades e a todas as formas de exclusão.
Bem sabemos quão longo, complexo e desafiante é este caminho. As desigualdades, as dificuldades económicas e sociais, a vulnerabilidade a abusos e as sensações de injustiça são um combustível ótimo para as pessoas embarcarem neste conforto de se sentirem parte de algo importante e poderoso. Parecem poder acabar com o mal do mundo, punir os culpados e, enfim, sentirem-se compensados de todos os males sofridos. As psicólogas e os psicólogos podem ter um papel importante no trabalho com estas pessoas pelo seu papel na facilitação do desenvolvimento de mecanismos mais funcionais que as possam ajudar a lidar com as suas dificuldades.
A ciência psicológica pode contribuir com evidência para a compreensão do fenómeno e para ajudar quem decide a desenvolver políticas que o possam prevenir e mitigar. Enquanto sociedade, temos a responsabilidade de valorizar a diversidade e de sermos mais inclusivas e inclusivos e promotores de pontes entre as pessoas, diminuindo a sua marginalização e vulnerabilidade às teorias da conspiração e a outros fenómenos que impactam significativamente a sua possibilidade de bem-estar.»
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