26.7.16

O grande jogo na pátria dos sultões



«A tentativa de golpe de Estado na Turquia destapou diferentes interesses que concorrem entre si. E que têm que ver com o futuro da Turquia e também do Médio Oriente.

Ponte entre o Ocidente e o Oriente, a Turquia vive a ressaca da tentativa falhada de golpe militar. Que embateu frontalmente contra a resistência popular nas ruas. Mas agora as questões são outras: até onde irá a purga massiva de "gulenistas" que está a ser seguida nos sectores militar, da educação e da justiça? Até onde irá o braço-de-ferro entre os Estados Unidos e a Turquia por causa do pedido de extradição do clérigo Fetullah Gulen? E como irá funcionar a base aérea de Incirlik, fundamental para a força aérea americana actuar na Síria contra o Daesh? Todas as questões acabam por estar interligadas e a resolução de qualquer delas terá fortes implicações nas outras. Isto num momento delicado no Médio Oriente. A detenção do comandante da base de Incirlik, o general Bekir Ercan Van e dos seus mais directos subordinados, demonstra a área sensível onde tudo se move. Erdogan também já disse que seria um "grave erro" dos EUA se não extraditassem Gulen. Para já ninguém diz que há uma ligação directa entre a utilização de Incirlik e a extradição de Gulen, mas tudo indica o contrário. Só que muito dificilmente os EUA extraditarão Gulen, algo que a não acontecer acabará por ferir o orgulho de Erdogan. Afinal Gulen (e a sua teia de interesses e actividades) tem sido um valor seguro da "inteligência" americana nas últimas décadas. Há quem refira que Israel também tem interesses neste complexo caso: desconfia das relações de Erdogan com o Hamas e deseja a criação de um estado curdo.

Por outro lado, é também curiosa a posição da Arábia Saudita em tudo isto: Riade abriu recentemente um consulado em Erbil (Curdistão) e um artigo no diário saudita "Asharq Al-Awsat" (propriedade do príncipe Faisal, filho do rei Salman) referia que Erdogan poderia ser removido do poder se continuasse a pressionar pela extradição de Gulen (que terá também fortes ligações à família real saudita). Riade também está nervosa por Erdogan estar a aproximar-se do Irão (e ter voltado a encontrar ligações com a Rússia). Alguns analistas consideram que a "destruição do círculo Gulen" poderá ser usado pelos poderes ocidentais para isolarem Erdogan. Só que o Ocidente não pode isolar a Turquia, já que a NATO depende muito dela na zona Sul. Ou seja, há um grande jogo de xadrez político e militar a ser travado entre diferentes actores. E onde nem todos os interesses são muitos claros. Seja como for, a Turquia é, neste momento, um país crucial para toda a política futura no Médio Oriente (e mesmo na Europa). E Erdogan sabe isso.»

Fernando Sobral

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