«Oficialmente, Gouveia e Melo ainda não se candidatou a Presidente da República, mas depois do texto que publicou aqui no Expresso, na semana passada, já não há dúvida nenhuma de que é candidato a Miss Universo. O almirante deve guardar este discurso para quando, em Novembro, receber a faixa e a coroa das mãos da sua antecessora, a dinamarquesa Victoria Kjær Theilvig, ocorrência que me parece inevitável. O texto começa com esta ideia admirável: “Defendo uma Justiça célere.” Outros candidatos talvez tenham receio de repelir todos os cidadãos que preferem uma justiça morosa, mas Gouveia e Melo tem a coragem dos militares. O terceiro parágrafo abre com outra bomba: “Defendo uma administração pública independente e competente.” Desenganem-se os apreciadores de uma administração pública incompetente. Com Gouveia e Melo não contam. Quarto parágrafo: “Devemos ambicionar uma sociedade próspera, com um elevado nível de vida.” Ora, até que enfim. Quem andou a propor sociedades mais pobres, e com níveis de vida baixos, que se envergonhe. Com a ajuda de Gouveia e Melo descobrimos agora que o ideal é termos prosperidade e um nível de vida elevado. Eu bem andava desconfiado, mas a mim ninguém dá ouvidos. Espero que esta ideia seja mais bem acolhida agora que é defendida por Gouveia e Melo. A seguir, o almirante acrescenta: “Devemos combater a pobreza.” Portanto, em vez de promover e incentivar a pobreza, combatê-la. Ao princípio parece estranho, admito. Mas quando se pensa bem no assunto, verificamos que Gouveia e Melo tem razão. Pois a riqueza é boa, e a pobreza não é tão boa. O almirante vai mesmo mais longe: “Importa transformar uma economia estagnada numa economia dinâmica.” É um debate antigo que finalmente se encerra: Gouveia e Melo garante que o dinamismo é melhor do que a estagnação.
Não quero que o leitor pense que adiro acriticamente ao discurso do almirante. Tenho críticas a fazer. Por exemplo, a certa altura, Gouveia e Melo escreve: “Do operário ao empresário, do estudante ao professor, do médico ao Presidente da República, somos um só povo, habitamos o mesmo território e partilhamos um destino comum. (…) Nunca é demais recordar que nas democracias liberais, o poder do Estado está dividido entre um poder legislativo e um executivo, independentes entre si, com tendencial preponderância para o primeiro. Existe ainda um terceiro poder, o judicial, com o fim de administrar a justiça de forma equitativa e independente, com base nas leis promulgadas. (…) No regime semipresidencial português, o Presidente da República é o garante último da Constituição (…). O Presidente não governa.” Incompreensivelmente, o almirante fica por aqui, quando podia acrescentar alguns pensamentos do mesmo género, tais como: “A chuva molha.” Ou: “O dia tem 24 horas.” Ou ainda: “Cair do 10º andar é perigoso.”
No final, o almirante ainda tem tempo para fazer uma forte autocrítica, quando escreve: “Não basta sonhar ou recorrer a discursos elaborados, repletos de fórmulas gastas e banalidades cínicas. (…) É tempo de ir além do óbvio.” Isto é que é humildade.»
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