17.10.17

Venha um superministério para combater o fogo



«Em guerra não se limpam as espingardas e em tempo de combate ao fogo o que é preciso é apagá-lo. As jogadas para aproveitar a catástrofe são por isso prova de ruindade, como antes o fora a invenção dos “suicidados” de Pedrógrão Grande. A ministra tem de concluir as operações contra os fogos em mais esta semana trágica e não tem sentido mudar de responsável no meio do rescaldo. Mas mal vai o governo se pensa que a questão se resolve na costumeira contraposição a uma direita à procura de pretexto, à ex-ministra da agricultura que encerrou os serviços florestais ou ao vindouro chefe do (PPD-)PSD. Se o governo fosse por esse caminho, melhor faria em compreender que estes incêndios são a prova de que tudo o que estava mal continuou pior em pelo menos duas áreas cruciais.

Primeiro, a resposta ao fogo. O combate ao incêndio em Pedrógrão Grande foi frágil demais nas suas primeiras horas: a conclusão é do relatório da Comissão Técnica Independente e é bastante óbvia. Nem existe uma estrutura de pessoal especializado e com carreira profissional na protecção civil, nem existem os recursos para responder a muitos fogos graves em simultâneo. Houve certamente “fenómenos extremos de vorticidade e de projeção de material incandescente” (p.10 do relatório), a lei que impõe a defesa das povoações com uma faixa de segurança sem floresta não é cumprida (idem), tudo certo, mas houve também descoordenação e incapacidade de chegar às pessoas para as orientar e proteger (idem). Ora, se agora se pode dizer que 30 graus em meados de outubro é também inabitual, o facto é o facto e a redução do dispositivo de combate a incêndios no final de setembro foi imprevidente e tornou mais difícil responder a tantas centenas de ignições. Mais valia ter havido prudência (e Portugal tem seis vezes mais ignições que Espanha e 19 vezes do que a Grécia, diz-nos o relatório).

Segundo, falta fôlego à reforma da floresta. Será sempre demorado, como é evidente e o primeiro-ministro tem sublinhado. Mas o problema não é só se é demorado, é se começa algum dia. Somando as reservas dos reaccionários defensores de uma micro propriedade florestal que não tem viabilidade e que será sempre pasto de chamas, com os interesses do lobby eucaliptocrata que mobiliza o poder do capital e das instituições, Portugal arrisca-se a continuar a ser uma pilha incendiária. Diz por isso o relatório que haver “manchas contínuas de misturas das duas espécies, pinheiro e eucalipto, infelizmente comuns em situações de gestão deficiente, é a receita, mais cedo ou mais tarde, para o desastre” (p.163). O desastre tem sido mais cedo do que mais tarde. Com uma área de eucalipto que só é, em termos absolutos, superada por quatro países continente (Brasil, China, Austrália, Índia), Portugal será sempre a pira da Europa.

Se Portugal quer responder a estes perigos que são certezas, precisamos de deseucaliptar, de alterar a regra da irresponsabilidade na propriedade da floresta, de criar meios dimensionados para ao combate ao fogo e de criar uma coordenação eficaz. Sugiro por isso a criação de um superministério da agricultura, das florestas e do combate aos incêndios, que inclua a protecção civil no que diz respeito aos meios para evitar e apagar os fogos, e que se responsabilize por uma reforma da floresta que tenha a ambição de nacionalizar a terra abandonada que constitua perigo para os vizinhos, de defender os pequenos proprietários, as aldeias e comunidades locais, e de promover uma floresta com espécies que sejam económica e ambientalmente sustentáveis.

O governo, que reúne este fim de semana, terá tempo para considerar se quer continuar este susto ou se quer ter a grandeza de mudar a página dos fogos em Portugal. Não vai ser fácil, mas não vejo tarefa mais importante nestes dias de funerais.»

1 comments:

septuagenário disse...

"Deseucaliptar", Louça tirou-me a palavra da boca.

Como disse algures, repito agora, substituir por"ROSAS, PÃO E VINHO"