8.6.15

O último acto da Europa?


grecia europa

Este texto de Joseph E. Stiglitz, muito crítico em relação ao futuro provável da União Europeia e do euro, ganha uma acuidade especial no início desta nova semana, na qual se esperam mais desenvolvimentos, talvez graves, do caso grego.

Os líderes da União Europeia mantêm um jogo de diplomacia arriscada com o governo grego. A Grécia acedeu a mais de metade dos pedidos dos seus credores, mas, apesar disso, a Alemanha e outros continuam a exigir que adira a um programa que já provou ser um fracasso e que poucos economistas acreditaram alguma vez que pudesse, viesse, ou devesse ser implementado.

A mudança na situação fiscal da Grécia, que partiu de um grande défice primário e chegou a um excedente, quase não teve precedentes, mas a exigência de o país alcançar um excedente primário de 4,5% do PIB foi injusto. Infelizmente, na altura em que a troika (Comissão Europeia , Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional) incluiu pela primeira vez este pedido irresponsável no programa financeiro internacional para a Grécia, as autoridades do país não tiveram outra hipótese que não fosse aceitá-lo.

A loucura de prosseguir neste programa é particularmente grave agora, dado o declínio de 25% no PIB, que a Grécia sofreu desde o início da crise. A troika avaliou mal os efeitos macroeconómicos do programa que impôs: de acordo com as previsões publicadas, acreditou que, cortando salários e aceitando outras medidas de austeridade, as exportações gregas aumentariam e a economia regressaria rapidamente ao crescimento; acreditou também que a primeira reestruturação da dívida levaria à sustentabilidade da mesma.

As previsões da troika falharam, repetidamente. E não por pouco mas por muitíssimo. Os eleitores da Grécia tiveram razão quando exigiram uma mudança de rumo e o seu governo tem também razão ao recusar assinar um programa claramente falhado.

Dito isto, espaço para negociar: a Grécia tornou clara a sua vontade de realizar reformas permanentes e congratulou-se com a ajuda da Europa para a implementação de algumas delas. Uma dose de realismo da parte dos credores da Grécia – sobre o que é possível e sobre as consequências macroeconómicas de reformas fiscais e estruturais diferentes – poderia fornecer a base para um acordo que seria bom não só para a Grécia, mas para toda a Europa.

Alguns, especialmente na Alemanha, parecem indiferentes a uma saída da Grécia da zona euro, alegando que o mercado já calculou o preço para tal ruptura, e há quem sugira mesmo que isso seria bom para a união monetária.

Penso que estas opiniões subestimam significativamente os riscos envolvidos, tanto actuais como futuros. Um nível semelhante de complacência foi evidente, nos Estados Unidos, antes do colapso do Lehman Brothers, em Setembro de 2008. A fragilidade dos bancos da América era conhecida há muito tempo - pelo menos desde a falência do Bear Stearns, em Março do mesmo ano. No entanto, dada a falta de transparência (em parte devido a uma fraca regulamentação), nem os mercados, nem os responsáveis políticos avaliaram plenamente as ligações entre instituições financeiras.

Na verdade, o sistema financeiro mundial ainda está a sentir as réplicas do colapso do Lehman. E os bancos continuam a não ser transparentes e estão, portanto, em risco. Ainda não conhecemos a verdadeira extensão das ligações entre instituições financeiras, incluindo as decorrentes de derivados não transparentes e de credit default swaps.

Na Europa, podemos já ver algumas das consequências de uma regulamentação inadequada e o falhanço da concepção da própria zona euro. Sabemos que a estrutura desta incentiva divergência, não convergência: como capital e pessoas com talento deixam as economias atingidas pela crise, os países afectados ficam menos capazes de pagar as suas dívidas. Porque os mercados sabem que há uma espiral viciosa descendente estruturalmente embutida no euro, as consequências para a próxima crise serão profundas. E uma outra crise é inevitável: ela está inscrita na própria natureza do capitalismo.

O conto-do-vigário de Mario Draghi, presidente do BCE, concretizado na sua declaração em 2012 segundo a qual as autoridades monetárias iriam fazer «o que fosse preciso» para preservar o euro, tem funcionado até agora. Mas como se sabe que o euro não é um compromisso vinculativo entre os seus membros, a situação repetir-se-á dificilmente numa próxima vez. Se os rendimentos de títulos aumentassem vertiginosamente, nenhuma espécie de garantia dada pelo BCE e pelos líderes europeus seria suficiente para os fazer baixar de níveis estratosféricos, porque o mundo sabe agora que eles não iriam fazer «o que fosse preciso». Como o exemplo da Grécia mostrou, fariam apenas o que políticas eleitorais míopes exigissem.

Temo que a consequência mais importante de tudo isto seja o enfraquecimento da solidariedade europeia. Estava previsto que o euro a fortalecesse, mas teve o efeito oposto.

Não é do interesse da Europa – ou do mundo – ter um país na periferia da Europa alienado dos seus vizinhos, especialmente agora, quando a instabilidade geopolítica é já tão evidente. O vizinho Médio Oriente está em tumulto; o Ocidente está a tentar conter uma Rússia recentemente mais agressiva; e a China, que é já a maior fonte do mundo em poupança, o maior país em termos de comércio e a maior economia global (em termos de paridade de poder aquisitivo), confronta o Ocidente com novas realidades económicas e estratégicas. Não há tempo para uma desunião europeia.

Os líderes europeus consideravam-se visionários quando criaram o euro. Julgavam estar a olhar para além das exigências de curto prazo, que geralmente preocupam os chefes políticos.

Infelizmente, a sua compreensão da economia ficou aquém das ambições e as políticas actuais não permitem a criação de um quadro institucional que podia ter tornado o euro capaz de funcionar como previsto. Embora se esperasse que a moeda única viesse a trazer uma prosperidade sem precedentes, é difícil afirmar hoje que tenha tido resultados positivos significativos, para a zona euro como um todo, no período que precedeu a crise. E, depois desta, os efeitos adversos têm sido enormes.

O futuro da Europa e do euro depende agora de os líderes políticos da zona euro serem capazes de combinar um mínimo de entendimento económico com um sentido visionário e uma preocupação com a solidariedade europeia. É bem provável que o início da resposta a esta questão existencial possa ter lugar nas próximas semanas.

(Original AQUI)

Originalmente publicado no Observatório da Grécia.
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