30.3.25

Bloco central?

 


«Um futuro entendimento pós-eleitoral ao centro, desejado por muitos, apresenta uma dificuldade: os líderes atuais das duas maiores forças políticas são incompatíveis. Talvez mudar as lideranças resolva o problema — elege-se um social democrata mais aberto e um socialista mais cinzento et voilà, obtém-se uma maioria zen que governará no virtuoso caminho do meio. Entende-se bem o desejo de estabilidade, sendo, como são, tão cansativos os soluços da democracia. Mas há ainda pior do que esse cansaço: os tempos, em geral, não se apresentam estáveis e só um grande delírio de excecionalidade permite supor o contrário. Os portugueses, muito precisamente, terão de reconhecer a trepidação, não podendo persistir na ideia salazarenta de que a sua geografia de arrabaldes os salva das convulsões do mundo. Somos europeus e estamos na luta.

Os resultados de décadas de políticas neoliberais, onde impera a liberdade para acumular capital, sem olhar a meios ou a impactos, estão finalmente à vista. A direita vê-se tomada pelo seu extremo, sem ideias de como pode fechar as brechas e a porosidade do seu corpo ideológico, por onde o populismo entra e se instala. Em vez de olhar com atenção para o seu papel no que está a acontecer no mundo, a direita escolhe antes cultivar a arte de sacudir o capote, num jogo pueril de atribuição de culpas a outros, com forte preferência pelos socialistas e pela esquerda, entendida como um todo, numa inimizade pavloviana, sem substância.

Uma das críticas mais comuns que os conservadores fazem à esquerda é a de esta nunca ter feito um mea culpa dos seus erros passados, nomeadamente os cometidos pelos seus extremos — e não deixam de ter razão. E, portanto, não deve a direita incorrer na mesma falha ética. Nesse caso, pode ir começando a tirar notas sobre como pedir desculpa pelo futuro que nos bate à porta: veja-se, só para começar, o assalto plutocrata à democracia americana e o presumível destino de Gaza, ambos resultantes de políticas dos seus extremos.

A nível nacional, a solução do bloco central, ainda que apetecível, talvez não passe de um modo preguiçoso e barrigudo de empurrar as questões que nos dividem e que precisam de clarificação, antes de negociadas e/ou diluídas. Não é verdade que sejam apenas migalhas aquilo que divide conservadores e progressistas. A título de exemplo, a direita, toda ela, passou décadas a negar a evidência científica das alterações climáticas, bloqueando por sistema as forças que, atempadamente, queriam trazer o assunto para a mesa, enquanto protegia a indústria fóssil de quaisquer restrições. (Nos EUA, apenas 12% dos republicanos consideram que lidar com as alterações climáticas deve ser uma prioridade). Como este exemplo, tantos outros.

Na verdade, pode ser inconciliável o que hoje nos divide. Quantas questões terá o bloco central de enterrar para coexistir? Como será a política ambiental desta maioria? E como se concilia uma procura compassiva do outro, com uma posição desapiedada, assente na convicção de que somos como lobos à espreita?

Entretanto, em grandes outdoors, a extrema-direita pede que lhe demos uma oportunidade, ao fim de 50 anos de democracia. É um pedido estranho, porque parece ignorar que estivemos 48 anos a lutar por nos livrarmos dela. Já foi, já era, e o tempo, graças a Chronos e ao empenho de todos, avançou. Esta luta, pelo movimento constante e progressista dos ponteiros, dá-se hoje em nome da própria sobrevivência da espécie. Isso ou a irrelevância do homo stupidus, reduzido a uma aventura efémera. Há que rever programas – e fazer escolhas.»


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