«Talvez pessoalmente assustado com as alterações políticas, culturais, artísticas, sociais e tecnológicas que a partir da Revolução Industrial se sucediam a grande velocidade, com sucessivas marés de vanguardas revolucionárias, vanguardas financeiras, vanguardas industriais, vanguardas tecnológicas, vanguardas científicas e vanguardas artísticas a revolucionar vários aspetos da vida e a criar novos focos de conflito, o historiador francês Daniel Halévy crismou a expressão “aceleração da história” para defender que todas estas mudanças parecem fazer comprimir o tempo histórico, encurtando muito o intervalo entre acontecimentos importantes e relevantes.
Halévy foi um inicial apoiante do governo de Vichy na França ocupada pelos nazis, admirava o conservadorismo e nacionalismo de Maurras e escreveu em 1948 Essai sur l’accélération de l’histoire, onde explicava essa sua análise.
O medo reacionário da mudança que, no fundo, Halévy espelhava com a tese de o ser humano ser incapaz de acompanhar, absorver e acomodar tal velocidade de transformação, foi indiretamente recuperado por pensadores posteriores, muitos deles rotulados de progressistas, sobretudo quando começaram a espantar-se com os efeitos da internet e da globalização, que ainda aumentaram mais a velocidade de tudo o que se passa à nossa volta.
Por exemplo, o alemão Hartmut Rosa fala de “alienação temporal” de cada um de nós por causa da aceleração do tempo; outro alemão, Ulrich Beck, defende que vivemos numa “sociedade de risco”, com crises políticas, sociais, climáticas, tecnológicas e financeiras que nenhum governo consegue controlar; o francês Paul Virilio inventou a “dromologia” (“dromas” quer dizer corrida em grego) que advoga ser uma ciência para o estudo dos efeitos da velocidade das novas tecnologias; o polaco Zygmunt Bauman acha que esta velocidade de transformações torna tudo efémero, instável, incerto e volúvel, seja para as sociedades, seja para os indivíduos, e chamou-lhe “modernidade líquida”; a norte-americana Shoshana Zuboff denuncia a extraordinária velocidade de acumulação de riqueza das grandes empresas da sociedade digital e escreveu A Era do Capitalismo de Vigilância onde aponta empresas como a Google e Facebook como “ladras” dos dados pessoais, empresarias, científicos e artísticos de todos nós, para gerarem gigantescos lucros e transformarem a sociedade, controlando consumos, ações e pensamentos dos indivíduos (“ai” a inteligência artificial!).
Em 100 anos a lista de pensadores pessimistas sobre os efeitos desta aceleração da história cada vez maior e mais ampla cresce igualmente a grande velocidade mas, apesar de todos os avisos, de todos os diagnósticos e de todas advertências, nada desacelera, nada pausa, nada corrige a rota.
Talvez estes pessimistas estejam totalmente errados mas, se olhar para as notícias das últimas semanas, entre as reações às taxas alfandegárias de Trump e o kit com canivete suíço da Comissária Europeia Hadja Lahbib; entre mais matanças de palestinianos e o descarado saque das riquezas da Ucrânia; entre a corrida aos armamentos e a ameaça da guerra nuclear; entre a degradação da democracia e o prenúncio norte-americano de ocupação da Gronelândia; entre líderes da União Europeia claramente estupidificados e líderes portugueses significativamente alienados... parece-me que, pelo menos, esta conclusão é válida: neste mundo acelerado pelo maravilhoso comboio do capitalismo digital, a velocidade estonteante de más decisões políticas está, com grande rapidez, a levar-nos ao descarrilamento global.»
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