4.6.10

Entretanto, na China – 4 de Junho e não só


Pouco se escreverá hoje sobre Tiananmen porque nos habituámos a assinalar apenas «aniversários redondos». Mas exactamente há 21 anos, em 4 de Junho de 1989, os tanques entraram na enorme praça de Pequim para esmagar violentamente os protestos estudantis. O resto da história é bem conhecido.

Se mais de duas décadas parece muito tempo, segundo a Amnistia Internacional, a simples evocação desta data ainda dá hoje direito a prisão. E nos meios de comunicação, Tiananmen é palavra tabu. Qualquer pesquisa na internet relacionada com a data de hoje faz cair a ligação, seja qual for a palavra-chave utilizada: 6.4, 4.6, 4689 ou mesmo 63+1.

Mas a China tem sido notícia, nos últimos dias, por outras razões, também trágicas: os suicídios de empregados da fábrica Foxconn (onze desde o início do ano), de onde saem prontos a ser usados belos e eficacíssimos iPhone’s.

Foi anunciado ontem um aumento de 30% nos salários, que passarão assim de 107 a 140 euros mensais, o que é certamente uma excelente notícia mas que não resolverá tudo, e estou certa que nem o essencial do que está em causa, quando se lê, por exemplo, que «o engenheiro de 27 anos que faleceu em sua casa na semana passada estava a trabalhar no turno nocturno há mais de um mês e havia dias em que chegava a fazer 24 horas seguidas».

E também porque tudo isto se passa na «aldeia» de Shenzhen, com 8.000 milhões de habitantes, que cresceu 2.700% (não há aqui zeros a mais) nos últimos vinte e cinco anos. Será que dá sequer para imaginar as perturbações de ordem social, e mesmo psicológica, que um fenómeno destes inevitavelmente provoca? «Um país, dois sistemas»? Qual é o segundo?

Entretanto, o patrão da Apple, Steve Jobs, vai declarando que «A Foxconn não é nenhuma “pocilga”. Há lá restaurantes, cinemas, hospitais e piscinas. Para uma fábrica, não é nada mau.» Aparentemente, não é tudo – quando estamos a falar de 400.000 empregados que trabalham em média 12h por dia, em seis dias por semana.

(Fonte, entre outras)
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P.S. - A propósito do aniversário de Tiananmen, ler: Memorias de la represión
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5 comments:

Miguel disse...

É a postura do Steve Jobs, que cita no último parágrafo, que me arrepia. Até onde vai o cinismo... É que dizer que se respeita um trabalhador porque não se infringe nenhuma lei laboral não me convence.
A minha conclusão é: O conforto do ocidente, depende do sofrimento de muitos asiáticos.

Joana Lopes disse...

É a imagem de marketing que SJ quer salvaguardar.

Anónimo disse...

O nível de vida dos chineses irá melhorando o que terá como consequ~encia, em parte, a descida do nível de vida dos europeus, que bebeficiam deste estado de coisas.

Joana Lopes disse...

Estou em parte de acordo com o que diz o Anónimo, excepto que me parece que isso não vai acontecer «calmamente», com parece apontar a actual crise na Europa mostra-o bem e convulsões acontecerão na China.

Helena Araújo disse...

Passamos a vida a comprar coisas baratas, todos contentes por causa do bom negócio que fizemos. Como podemos, em consciência, criticar o Steve Jobs e o sistema?
O sistema somos nós.

E eles ainda poderão vir dizer que sem aquela fábrica morreria ainda mais gente, mas de fome, ou nas minas sem segurança, ou...