31.3.12

Excursões de finalistas do pré-escolar?



Pelo Expresso de hoje (sem link), fico a saber que «Aos 5 anos já se viaja como finalista». Mais concretamente, que não é só quem acaba um curso universitário, ou mesmo secundário, que se mete à estrada para «festejar» o fim de um ciclo de estudos, mas também os que terminam o 1º ciclo (4ª classe, se não se importam…) ou, pasme-se!... o pré-escolar. 

Não tenho qualquer argumento especial contra, mas não consigo imaginar nenhum a favor. 

«Além da diversão, vamos alertar as crianças para os desafios do 2º ciclo», diz alguém responsável por um desses resorts que recebem as excursões. Os terríveis «desafios» que esperam miúdos de 9 ou 10 anos! 

Ora bem, e aqui vai a minha posição politicamente incorrecta da semana: eu, que não me senti nada traumatizada, nem «desafiada», por ter feito exame na 4ª classe, e que até tenho aqui à minha frente um «Exame de Passagem» da Classe Infantil para a Primária, em folha dupla azul de 25 linhas (com Prova Ortográfica, Caligráfica, Aritmética e Desenho…), confesso que não gostaria mesmo nada que assustassem os meus netos, quando tiverem 10 anos, com os desafios que os esperam daí a umas semanas. 

Também devem certamente dizer a essas crianças que precisam de ser «competitivas»… 
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Reinventar Portugal



Editorial Estampa, 2012, 236 p.

Textos de Alexandre Franco de Sá, António Carlos Carvalho, Carlos Fragateiro, Diana Andringa, Fernando H. Lopes da Silva, Joana Lopes, João Carlos Alvim, João Freire, José Adelino Maltez, Maria do Carmo Vieira, Miguel Cardina e Paulo Corte-Real.

O meu modesto contributo num capítulo intitulado: «Um Offshore de Democracia?»
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Diana Andringa sobre identificação de jornalistas

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Esperança, na Birmânia, para as eleições de amanhã



Há dois ou três anos, e mesmo antes, blogues e murais de Facebook estavam cheios de fotografias de Aung San Suu Kyi e pediam a libertação daquela que, em 21 anos, esteve 15 privada de liberdade. Só saiu de prisão domiciliária em Novembro de 2010 e apresenta-se agora, pela «Liga Nacional para a Democracia», às eleições parciais que terão lugar no Domingo para escolha de algumas dezenas de representantes no parlamento e outras instâncias birmanesas.

Aung, «a senhora» como é carinhosamente referida, foi obrigada a suspender a campanha, durante um comício que teve lugar na mítica cidade de Mandalay no Sábado passado, por estar absolutamente exausta, mas a campanha decorreu sem incidentes de maior, parecendo demonstrar que o clima político mudou de facto desde as eleições de Novembro de 2010: o povo quer acreditar que, desta vez, o governo vai respeitar os resultados. O futuro o dirá, mas, mesmo a nível dos comentadores internacionais, cresce a convicção de que «a Realpolitik e o interesse económico por si só, não moldarão mais o grande jogo disputado na Birmânia. Os ideais e a procura da liberdade também desempenharão um papel fundamental».

Vale a pena ler este artigo publicado agora no Der Spiegel: The Triumphal Rise of Aung San Suu Kyi.

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Fiquei fascinada pela Birmânia quando lá estive, em Novembro de 2009. Retomo em parte o que então escrevi sobre esse lindíssimo país.

Dez dias de turismo são menos do que pouco para conhecer seja o que for, mas o suficiente para se perceber que se está perante um país especial. Ao contrário do que acontece em países vizinhos como o Vietname, o Cambodja ou o Laos, a ditadura ali nem sequer é ditada por uma qualquer ideologia, mas reduz-se pura e simplesmente a um poder férreo de militares sobre 56 milhões de pessoas, tendo como único objectivo o seu próprio enriquecimento e o luxo em que vivem as famílias e os respectivos amigos – à custa de uma corrupção generalizada e sem vergonha, enquanto a esmagadora maioria do povo vive num estado de pobreza extrema, visível em todos os detalhes, sem empregos, em cidades mais do que degradadas e desordenadas, onde nem sequer se vêem os enxames de motoretas já célebres no Sudeste asiático porque uma simples bicicleta é quase um luxo. Tudo isto num país riquíssimo em recursos naturais (gás, madeiras de várias espécies, pedras preciosas de primeira qualidade, etc., etc.) que são vendidos para todo o mundo porque é evidente que o boicote dos Estados não atinge as algibeiras dos comerciantes.

Tudo feito «em nome» do budismo que os políticos dizem professar e protegem de facto, que mais não seja porque a conservação dos pagodes (templos e estupas) parece ser a única realidade digna de atenção – e de dinheiro.

Três apontamentos, e respectivas fotos:

30.3.12

Há quem seja capaz de todas as teses, antíteses e sínteses

Em 2011, 1500 morreram no Mediterrâneo




Na realidade, foram mesmo muitas dezenas: 1500 pessoas, só em 2011, como se vê no preâmbulo do dito relatório (que pode ser lido na íntegra aqui). 


O caso mais flagrante é conhecido mas talvez não seja mau recordá-lo: há cerca de um ano, de um barco proveniente de Tripoli com 72 africanos a bordo e que tentava chegar a Lampedusa, só restaram nove sobreviventes. Após nove meses de investigações, um inquérito concluiu que «vários erros humanos e institucionais se amontoaram, conduzindo a que a embarcação de refugiados (…) fosse deixada à deriva sem nenhuma resposta dada durante 16 dias aos seus pedidos por ajuda». 

O autor do relatório agora divulgado, Tineke Strik, fala de «dia negro para a Europa» e condena, com toda a razão, a existência de «diferentes padrões no julgamento do valor da vida humana». 

Não do outro lado do mundo, em países que condenamos por não respeitarem direitos humanos elementares. Mas na Europa, século XXI, ali quase ao virar da esquina. 

P.S. - Entretanto, a isto se chama, no mínimo, crueldade: Holanda ordena detener y expulsar a uno de los náufragos que ignoró la OTAN .

Esquizofrenia PS

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Hoje, na Antena1.
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Não, não somos espanhóis (3)

Portanto, deve ter sido mais ou menos assim

29.3.12

Quem nunca brincou, em criança, aos polícias e fotojornalistas?



Eu bem quero deixar de falar de polícias e de bastonadas mas «eles» vêm ter comigo. Hoje, pela mão de Ricardo Araújo Pereira: «Cacete ensina jornalismo gratuitamente».

«Quem nunca brincou, em criança, aos polícias e fotojornalistas? Quem não recorda as séries policiais em que os melhores detectives tentam caçar os fotojornalistas mais pérfidos e astutas?»

«Ao que parece, o inquérito já decorre e estará concluído mal se acabe de averiguar tudo o que se passou há 18 anos, na Ponte 25 de Abril.»  

AQUI na íntegra. A não perder! 
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Pôr Miguel Relvas ao alcance de Kavafy, Camões e Rilke cai decerto sob a alçada da lei antiterrorista




A propósito do encerramento de «A Poesia Incompleta», única livraria que existia em Lisboa exclusivamente dedicada à poesia, Manuel António Pina escreve hoje, no JN, um belo texto, carregado de ironia bem ácida. 

O livreiro insolente 

A poesia tem justificada má fama. Chamar poeta a alguém, no Parlamento ou no Estádio da Luz, é maior insulto do que chamar intelectual a Pacheco Pereira, como fez Valentim Loureiro num dia em que se achou mais pachorrento. E temos que convir que, se "ser poeta é" o que Florbela Espanca diz que é e os Trovante andam por aí a "dizê-lo, cantando, a toda a gente", compreende-se que assim aconteça. 

Imagine-se agora que, num determinado "país de poetas", um insolente livreiro decide abrir uma livraria exclusivamente dedicada à poesia. Era bem feito que lhe chamassem poeta, ou ainda menos. Foi o que aconteceu. Ao fim de mais de três anos a juntar e vender ociosidades numa obscura rua do Príncipe Real, em Lisboa, a livraria "Poesia Incompleta" fechou ontem portas. Ainda por cima sem dívidas, o que hoje é coisa ainda mais insultuoso do que "poeta". 

Alguém deveria ter explicado ao jovem empreendedor Mário "Changuito" Guerra que a única forma de manter durante três anos uma livraria exclusivamente dedicada à poesia e chegar ao fim com uma pequena fortuna é começando com uma grande fortuna. Não foi, obviamente, o caso. 

Anunciou o livreiro que irá doar (ou doer, não sei) os milhares de volumes que lhe sobram nas prateleiras ao omniministro Relvas. Só que, tal como "assustar um notário com um lírio branco", pôr Miguel Relvas ao alcance de Kavafy, Camões e Rilke cai decerto sob a alçada da lei antiterrorista.
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Não, não somos espanhóis (2)

Não, não somos espanhóis (1)

«O pior cego é o que quer ver»



Morreu Millôr Fernandes. Um pouco por toda a parte, lembra-se a biografia, citam-se frases que o celebrizaram. Faço o mesmo: a do título deste post foi roubada a Ferreira Fernandes (DN de hoje). 

Outra: «Esta é a verdade, a vida começa quando a gente compreende que ela não vai durar muito.» 
Para ele até durou. Mas só até ontem.


Limites 

De todas as ruas que escurecem ao pôr-do-sol,
deve haver uma (qual, eu não sei dizer)
em que já passei pela última vez
sem perceber, refém daquele Alguém

que, com antecedência, fixa leis onipotentes,
ajusta uma balança secreta e inflexível
para todas as sombras, formas e sonhos
tecidos na textura desta vida.

Se há um limite para todas as coisas e uma medida
e uma última vez, e nada mais, e esquecimento,
quem nos dirá a quem nesta casa
nós, sem saber, já dissemos adeus?

Pela janela que amanhece a noite se retira
e entre os livros empilhados que lançam
sombras irregulares na mesa baça,
deve haver um que eu jamais lerei.

Há uma porta que você fechou pra sempre
e algum espelho o esperará em vão;
para você as encruzilhadas parecem muito amplas,
mas há um Janus, vigiando você, nos quatro cantos.

Há uma entre todas tuas memórias
que agora está perdida além da evocação.
Você não será visto descendo àquela fonte,
seja à luz do sol claro, nem sob a lua amarela.

Você nunca recapturará o que o Persa
disse em seu idioma tecido com pássaros e rosas,
quando, ao pôr-do-sol, antes que a luz disperse,
você quer pôr em palavras tanto inesquecível.

E o Rhone fluindo sem parar, e o lago,
todo esse vasto ontem sobre o qual me curvo hoje?
Estará tudo tão perdido como Cartago,
queimada pelos romanos com fogo e sal.

Ao amanhecer parece ouvir o turbulento
murmúrio de multidões crescendo e dissolvendo;
tudo por que fui amado, esquecido,
espaço, tempo, e Borges, estão me deixando agora.
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28.3.12

E o Luís Piçarra às voltas no túmulo



Benfica's Anthem
I’m from Benfica
It fills me with pride
I have in me the spirit
That allows common greatness
I’m from a brave club
That in the hardest of the battles
A rival has never met
In this Portugal of ours
Being from Benfica
Is having in your soul
The mighty flame
That conquers
It lifts you to the immense light
From the sun, that high in the sky
Smiling gently kisses
Full of pride
The very bright shirts
Vibrating through the fields
Like jumping poppies



A partir daqui.
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Entretanto em França, com Mélenchon



Outro grande comício do «Front de Gauche» com Jean-Luc Mélenchon, ontem, em Lille. Lá como cá, o número de participantes calculado varia (de 10 a 20.000, pelo que li), mas eram sem dúvida muitíssimos. 



Ainda não encontrei o discurso na íntegra, fica um ou outro excerto: 

«O rio saiu do seu leito! E, aconteça o que acontecer, não voltará a ele tão cedo!», «somos os construtores de uma grande força, disciplinada, (…) é uma honra estar nas nossas fileiras desde que se saiba onde se está». «Somos uma força independente, autónoma, que só conta consigo». «We are very dangerous!», ironiza referindo-se a François Hollande que, em entrevista ao Guardian, terá dito: «I am not dangerous.» 

«A nossa ambição não é obter lugares, a nossa ambição é a revolução cidadã», «esta vaga vamos encontrá-la nas urnas e depois das urnas». 

E o que todos os órgãos de comunicação social realçam: 



Fonte, entre outras.

P.S. 1 - Para os defensores do voto útil em François Hollande na primeira volta: La poussée de Mélenchon «plutôt positive» pour Cambadélis.

P.S. 2 - O discurso na íntegra:

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No Chiado, a ordem dos facto(re)s não foi arbitrária (2) – Novas imagens




Complemento a este meu post.
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27.3.12

Um triste regresso ao passado



Dos velhos candeeiros de petróleo, alguns eram lindíssimos, outros simplesmente funcionais. Passei com eles algumas das melhores férias da minha vida, não no Portugal profundo nem em tendas de campismo, mas em casas mais ou menos confortáveis situadas em locais tão próximos de Lisboa como Alpertuche (Arrábida) ou Mata (Caparica). E não há cem anos, nem mesmo há cinquenta, mas pouco antes do 25 de Abril. Quem diz candeeiros diz frigoríficos – tudo se organizava em função da falta de electricidade. 

Aos serões dessas férias ficará para sempre associado um cheiro inconfundível e conversas sem fim, noite fora, porque nem música havia (o maior dos luxos chegou quando alguém trouxe da América um gira-discos a pilhas…) e ler não era fácil. Mas eram férias e nós éramos jovens e, sobretudo, sabíamos que daí a alguns dias regressaríamos a casas com interruptores. 

Vem isto a propósito de uma notícia, lida hoje, sobre o actual sucesso na venda desses objectos que eu julgava relegados para antiquários ou para prateleiras de móveis antigos. Motivo? A assustadora subida no preço da electricidade (que em breve vai ser maior ainda…) e a incapacidade de muitos a suportarem: «Em pleno século XXI, com o agravamento da crise económica, o candeeiro a petróleo regressa em força a muitos lares portugueses, principalmente nas zonas suburbanas do país.» 

No centro de Oeiras, o tal concelho de todos os sucessos, o sr. Carlos Silva vende tudo o que encomenda. «Algumas pessoas têm vergonha quando vêm comprar candeeiros a petróleo para iluminação e dizem que é para decoração, mas na semana seguinte cá estão de novo a comprar mais um litro de petróleo.» 

 Assim estamos. O que teríamos pensado se há dez, cinco, ou mesmo dois anos, nos tivessem mostrado este filme numa espécie de «regresso ao futuro»? Não dá para imaginar. 
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As fotos eram a preto e branco e hoje são a cores (3)


(Clicar para ler)

Na sua coluna semanal no Público, que desta vez incidiu sobre O Dia do Estudante de 1962, António Correia de Campos inseriu este comentário sobre a actuação das forças policiais no passado dia 22 de Março, estabelecendo o paralelo entre a actuação das mesmas agora e há cinquenta anos. 

Há quem considere esta comparação, que outros já fizeram, inadequada pelo simples facto de vivermos hoje em democracia. Como se esta estivesse adquirida para todo o sempre pelo simples facto de termos eleições livres e não estivesse em perigo quando aqueles que têm por missão defendê-la abusam desmedidamente da força que lhes é confiada. 


Foi o que fizeram na passada 5ª-feira. E é por isso que não tenho medo de uma acção armada de Otelo, que não acontecerá. Mas tenho medo deste governo e da polícia do meu país. 
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Nuestros hermanos, no mesmo barco

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Os sonhos molhados de Miguel Macedo


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26.3.12

No Chiado, a ordem dos facto(re)s não foi arbitrária



1 - No Sábado, o Expresso online divulgou uma notícia intitulada «As imagens que antecederam a carga policial», que incluía o seguinte vídeo (utilizado aliás como pano de fundo, pelo menos pela SIC, para as declarações que o ministro da Administração Interna fez no mesmo sentido: a carga policial na manifestação de quinta-feira teria sido provocada por agressões físicas à polícia):


2 - Para além de muitos testemunhos de quem presenciou os acontecimentos (ler, por exemplo, Mentir com quantos dentes se tem na boca), um outro vídeo, primeiro difundido no Facebook e entretanto também em vários blogues, vem contrariar o Expresso e as afirmações do ministro: vê-se a «ordem de marcha» dada pelas chefias à polícia, contra manifestantes que apenas gritavam. O primeiro vídeo, truncadíssimo, mostra reacções que se sucederam (e não que antecederam) à carga policial. 



4 - Hoje também, Cavaco Silva mostra-se precupado e diz esperar que «que o inquérito ordenado pelas autoridades esclareça tudo o que aconteceu». Pode esperar sentado – e nós também – já que o próprio porta-voz da polícia veio dizer que serão necessários pelo menos seis meses (ou talvez dezoito…) para serem conhecidos resultados. Ou seja: espera-se que já ninguém se lembre exactamente do que aconteceu em 22 de Março de 2012?


Ler para crer! E, já agora, nada mais certeiro como resposta possível do que esta, deixada pela jornalista Rita Marrafa de Carvalho no seu mural do Facebook: 
«Só vou dizer isto uma vez, Sr. Ministro... Já me chamaram Chula, FDP, otária, sanguessuga and so on, and so on. Sempre que o fizeram, eu estava com um microfone da RTP a desempenhar o meu trabalho. Nessas circunstâncias, por mais vontade que tivesse, nunca reagi violenta ou agressivamente. Quer em palavras, quer em actos. Por isso, Sr. Ministro... se os senhores agentes foram "provocados", penso que foram treinados para... não reagir. O objectivo é manter a ordem e não vingar a honra da mãe.» 

Ponto de situação: julgo que ficamos cientes do que nos espera em situações próximas futuras e sabemos com o que podemos contar da parte da polícia e do seu ministro. 
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Também um livro



100 Dias Que Abalaram O Regime - A Crise Académica de 1962, Tinta da China, 2012, 152 p. 

Coordenação de Artur Pinto, textos de: Alexandre Alves Costa, António Sampaio da Nóvoa, Carlos Campos Morais, Eurico Figueiredo, Fernando Rosas, João Marecos, Jorge Sampaio, José Augusto Rocha, José Maria Brandão de Brito, José Marques Felismino, José Medeiros Ferreira, Manuela Bernardino, Maria Benedicta Monteiro, Ruben de Carvalho e Teresa Tito de Morais. 
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As fotos eram a preto e branco e hoje são a cores (2)



«Puxo» para post autónomo um comentário de Diana Andringa àquele que publiquei esta manhã:

«Mais cette fois c'était leur chair, c'était leur sang, les bourgeois de la ville ont renié publiquement 40 années de gouvernement...»

Seria bom que os dirigentes e os membros do serviço de ordem da CGTP ouvissem a Collette Magny e percebessem que esses jovens indignados e espancados são também a nossa carne e o nosso sangue – e os defendessem em vez de os isolar. Como defenderam, nas crises académicas da década de 60, professores inesquecíveis como Lindley Cintra e muitos, muitos dos bourgeois de la ville

Foi bom ver os de 62 lembrar essa solidariedade entre gerações. O pior que nos poderia acontecer era evoluir como as personagens da canção de Brel... (Precisamente Les bourgeois.)


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As fotos eram a preto e branco e hoje são coloridas



Não foram apenas mais de 400 pessoas que exprimiram a sua indignação perante as recentes cargas policiais, em almoço festivo que comemorava o 50º aniversário de um Dia do Estudante em que também houve bastonadas. Outras vozes se vão juntando à comparação entre duas situações separadas por cinco décadas, como a de Manuel António Pina, hoje, no JN.  

50 anos depois

Colette Magny cantou-os chamando-lhes "les gens de la moyenne": "Os estudantes manifestaram-se,/ foram seviciados pela Polícia/ (..) em Lisboa, Portugal". Foi a 24 de Março de 1962, em plena ditadura, quando a Polícia de Choque atacou com grande violência estudantes que se manifestavam em Lisboa, dando origem à primeira das "crises académicas" (a segunda seria sete anos depois, em Coimbra) que abalaram os alicerces do regime salazarista.

Escreveu Marx que a História acontece como tragédia e se repete como farsa. 50 anos passados sobre esse episódio (e 38 anos sobre o 25 de Abril...), a Polícia de Choque mudou de nome para Corpo de Intervenção mas não parece ter mudado de métodos: violência e recurso a agentes provocadores para a justificar. E a ditadura é hoje uma farsa formalmente democrática - um "caos com urnas eleitorais", diria Borges - em que é suposto existirem direito à greve e à manifestação.

Quem viu na TV a imagem de um homem ensanguentado gritando "Liberdade! Liberdade!" em direcção à tropa do dr. Miguel Macedo que, como em 24 de Novembro último, espancou selvaticamente jovens que, em vez de acatarem o conselho do primeiro-ministro e emigrarem, se manifestaram na quinta-feira em Lisboa, não pode deixar de descobrir afinidades (até nas agressões a jornalistas e nos comunicados oficiais falando de "ordem e segurança" e culpando as vítimas) com o que aconteceu há 50 anos. E de inquietar-se.



«Les étudiants ont manifesté,
Par la police, ont subi des sévices.
Ils étaient à Lisbonne, au Portugal.
Mais, cette fois, c’était leur chair, c’etait leur sang.
Les bourgeois de la ville ont renié publiquement
40 années de gouvernement»
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25.3.12

O copiógrafo



A memória também é feita de objectos. Na exposição ontem inaugurada na Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa, no quadro das comemorações do Dia do Estudante em 1962, está esta máquina – um copiógrafo a stencil – que foi um instrumento precioso ao serviço da liberdade de informação durante a Crise Académica. 

As Associações de Estudantes tinham montado uma estrutura que assegurava a publicação praticamente diária de comunicados, tarjetas e panfletos e que organizava a respectiva distribuição. Esta garantia que os materiais chegassem a todas as faculdades praticamente à mesma hora. 

Imprimir durante a noite, quase sempre em locais diferentes, exigia um árduo trabalho, pois muitos copiógrafos eram manuais – noites inteiras a dar à manivela! A «produção» era depois reunida pelas equipas de distribuição, através de um código que identificava o local de recolha: fazia-se uma chamada a partir de uma cabine telefónica para um determinado número e recebia-se uma resposta em que era dito que se ligasse para um outro número, fictício. Eram os dois últimos algarismos deste, que identificavam o tal local de recolha. 

A PIDE nunca conseguiu descobrir este esquema de funcionamento, que durou meses. 

(Adaptação de um texto publicado num jornal editado para assinalar o 50º aniversário.) 
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Diana Andringa sobre sugestões da polícia aos jornalistas



Em declarações ontem feitas à TSF, Diana Andringa classificou como um «sinal inquietante» o facto de a direcção da PSP pretender definir «de que lado os jornalistas devem cobrir os acontecimentos»: «quando se diz que os jornalistas se coloquem do lado da polícia, quer com isto dizer-se que não se quer os jornalistas possam filmar a violência policial e só possam filmar a violência que possa vir eventualmente dos manifestantes». 

Além disso, a carga policial durante a greve geral foi «desproporcionada em relação a todos e mal seria que os jornalistas quisessem mais atenção quanto batem em nós do que em qualquer cidadão». O que se passa é que «uma agressão a um jornalista significa também uma agressão à liberdade de imprensa. Não é que sejamos cidadãos mais importantes, é a liberdade de informação que está a ser ameaçada».  

(Fonte)
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«O que me aconteceu»



José Sena Goulão, um dos dois jornalistas vítimas de carga policial na passada 5ª feira, conta detalhadamente a sua versão dos acontecimentos. 

«A cara do polícia que me bateu era de raiva, até a língua estava a morder. Repeti não sei quantas vezes que era jornalista, em pânico, e nem assim ele parou, ainda deu com mais força. Nunca pensei que aquilo pudesse acontecer no meu país.» 

Vale a pena ler na íntegra.
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Um Congresso, uma imagem



(Via Alda Magalhães Telles no Facebook)
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