23.9.19

Debates: a grande corrida das personalidades



«Já só faltam 15 dias para o primeiro acto eleitoral desde o último acto eleitoral, confirmando a percepção generalizada de que qualquer ritual periódico torna as cronologias maleáveis, fazendo que os intervalos entre estas coisas sejam cada vez mais curtos. Parece que ainda ontem celebrámos a última eleição e já as montras estão novamente cheias de luzes festivas e decorações eleitorais. Quando menos esperarmos, chegou a hora de as famílias se reunirem e trincharem a democracia na forma de um "x" cuidadosamente desenhado à frente da opção menos transtornante.

A maneira como esta escolha é feita é a mesma de sempre: com a ajuda inestimável da televisão. Neste ano, a RTP1 deu-nos generosamente um auxiliar novo. O programa em duas partes Eu, Cidadão prometia "analisar os traços de personalidade dos candidatos a primeiro-ministro", com uma bateria de "questões que escapam ao debate político".

Menção honrosa para a questão "Qual foi a pessoa com mais impacto na sua vida?" (sugerida por dois prémios Nobel da Física e pelo actual campeão mundial de xadrez), que entre o cardápio de banalidades esperadas (os pais: estruturantes; as mães: corajosas; os filhos: mudam a nossa visão do mundo; Álvaro Cunhal: um exemplo que marcou para toda a vida; etc.) devolveu uma resposta genuinamente intrigante. O líder do PAN mencionou a sua avó, com esta justificação inatacável: "Quando eu tinha 3 anos, ela salvou-me de um incêndio num parque de campismo."

Por mais inovações que surjam, o instrumento mais eficaz para descortinar personalidades continua a ser o debate televisivo. Foi essa pelo menos a garantia de Miguel Sousa Tavares, no prólogo ao último "frente a frente": "É costume os analistas políticos e a imprensa escrita desvalorizarem os debates... mas os debates televisivos, mesmo que não esclareçam, são importantes para conhecer os candidatos pessoalmente. Como é que é o comportamento deles pessoalmente. E o factor humano é cada vez mais importante em eleições."

O prólogo consistiu também em directos de viaturas a chegar a sítios. "Rui Rio... chega aqui ao Pavilhão do Conhecimento... vem no carro da frente... e no banco de trás." Emergindo do banco de trás do carro da frente, Rio foi confrontado com um enxame de microfones. "Doutor, sente-se preparado para este debate decisivo?" "Decisivo?", protestou, afagando o crânio de Yorick que trazia debaixo do braço. "Decisivo para mim é um dia quando eu morrer, isso é que é decisivo!" António Costa chegou poucos minutos depois, numa charrete ambientalmente neutra, transportada por oito assessores que usavam os braços livres para abanar caudas de faisão.

Já no estúdio, decorado com runas, triângulos e outros símbolos secretos dos Illuminati, os três moderadores elencaram sistematicamente os temas essenciais ("é um tema essencial, a questão da educação") e os motivos pelos quais esses temas essenciais não seriam de todo aprofundados ("não podemos abordar aqui todos os tópicos").

"Considera estes quatro anos uma oportunidade perdida?", perguntaram a Rio, que respondeu com uma sucessão de perguntas retóricas: "Julgas tu, Horácio, que o grande Alexandre, depois de enterrado, se parecesse com Yorick? O imperial César morto e em pó tornado, pode a fenda vedar ao vento irado?"

Costa explicou de seguida as linhas mestras do seu programa, que consiste em reduzir o défice de consoantes e exterminar todas as vogais. "Um novo prdigma de mblidade", prometeu, "na utlzção dos espçs mtrpoltanos". Rio aproveitou a alusão tangencial ao ambiente para passar ao ataque: "Imaginem o Porto e Viana do Castelo desertos. Sem pessoas! Uma vastidão pestilenta onde só a morte caminha."

"Ntrldade crbónica", ripostou o primeiro-ministro.

"Ninguém vai para a Lua, ninguém vai para Marte!", acrescentou Rio. "Vamos todos morrer juntos, neste planeta, com os nossos globos oculares a derreterem dentro das órbitas e a escorrerem-nos pelas faces queimadas em regatos viscosos."

"Vamos ser rgrosos", exigiu Costa.

De quantas vogais precisa um país? Na resposta a essa pergunta estará provavelmente a diferença entre a mria abslta e uma nova grngnça.»

.

1 comments:

estevesayres disse...

Eu seria hipócrita, se não disse-se que a RTP paga com os nossos impostos e taxas, não esteja a fazer propaganda eleitoral ao seu partido o PS de Costa. Que volte a governar(governar-se a ele, às suas sua familiais, amigos e correligionários), e que ao longo dos anos sempre foi desgovernada por esta gente, que se dizem patriotas e alguns até se dizem de esquerda, como se os patriotas fossem todos de esquerda e não democratas. E a té têm, o descaramento de dizer , que não têm nada haver com o que esta acontecer no nosso País!
Por fim; a Politica pura e dura não existe, o que existe, são interesses de uma classe burguesa (e uma parte da pequena-burguesia) que nos tem traído ao longo dos anos, onde se encontram os protagonistas nestes debates.
Opinião de um democrata e patriota