11.5.19

Make America Great Again


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Mon ami Macron




A vaca voadora aterrou no centrismo.

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A selfie do dia



Ainda não apareceu, mas enviou uma selfie.
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Fake News: serviço público




«Esta é uma história com várias vítimas. António Costa, Marques Mendes, Ferro Rodrigues, Francisco Pinto Balsemão, são alguns dos muitos portugueses difamados. A identidade de Miguel Sousa Tavares é usurpada para assinar uma frase que nunca escreveu. Há "piadas" sobre o caso Casa Pia, cartazes forjados, frases falsas atribuídas a políticos, ligações para sites de fake news.

Na verdade, esta é uma história do lado B da campanha eleitoral. Dezoito contas falsas, criadas nas redes sociais nos últimos meses, são a base de um plano de propaganda eleitoral sem regras. No Twitter há uma ligação evidente. Quatro militantes do PSD de Lisboa - o consultor contratado há seis meses para trabalhar nas redes sociais do partido, Rodrigo Gonçalves, o seu pai, Daniel Gonçalves, e dois dos seus apoiantes mais próximos - são as únicas figuras reais a interagir com estes perfis falsos. Ou seja, mais ninguém, além deste grupo, faz "gostos" ou partilha o que estas contas publicam.»

Uma vez mais, serviço público prestado pelo excelente jornalista Paulo Pena.
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O império dos algarismos



«O "império dos algarismos", hoje tão atraente e poderoso, assenta na ideia de que todas as decisões se devem basear num mero cálculo de custos e benefícios baseado em estimativas quantificadas de ganhos e perdas, e manifesta-se de formas muito diversas.

O Governo do Partido Socialista (PS), quando teve de enfrentar as metas europeias do défice e da dívida para fazer vingar os acordos à esquerda e o que neles havia de reposição do rendimento e de direitos laborais e sociais, demonstrou que essa recuperação favorecia o crescimento e tornava menos difícil equilibrar o Orçamento do Estado. A partir do momento em que Portugal passou de "mau aluno" a "bom aluno" e o ministro das Finanças português foi cooptado para presidente do Eurogrupo, instalou-se de novo o império dos algarismos. Uma decisão passou a ser boa ou má conforme os algarismos (os critérios do pacto de estabilidade) o permitiam. Toda a discussão sobre a contagem do tempo de trabalho dos professores decorreu sob o domínio do império orçamental dos algarismos e foi inquinada por isso.

Entretanto, o rompante demissionário de António Costa no fim da semana passada - aproveitando oportunismos e descontrolo da direita - parece revelar que a prioridade é de novo "PS, só, só PS" desimpedido de parceiros que exijam governação à esquerda. O ato de António Costa e pronunciamentos de destacadas figuras do PS vão nesse sentido; e adotam uma estratégia orçamental e eleitoral assentes no cálculo do custo-benefício que tudo explica e justifica, acompanhada pela colocação de uns cidadãos contra outros.

Os algarismos são "O" argumento ou a arma que se aponta ao dissidente, nesta ocasião os professores. Acontece que os algarismos tendem a ser muito traiçoeiros: quando massajados, aconchegam-se aos desejos do massagista; quando torturados, confessam. Mário Centeno chega ao ridículo de afirmar "eu não pago aos professores com os impostos que os professores pagam", como se com o valor desses impostos, que seguramente entram nos cofres do Estado, não pudesse cobrir tanto essas como outras despesas.

Ao contrário do que afirmam o Governo e muitos fazedores de opinião, os professores não estão à espera de ser ressarcidos pelo que perderam durante o período da crise: como todos os outros trabalhadores dos setores público e privado perderam parte dos seus salários, vários subsídios de férias e de Natal, e cerca de 20 mil ficaram sem emprego.

Que preço vai o país pagar quando não tiver professores qualificados para garantir a qualidade da formação das futuras gerações? Em 2019, apenas 0,2% dos docentes têm menos de 30 anos de idade. Doze dos 21 cursos de formação de professores tiveram este ano menos de dez candidatos e os melhores alunos não querem seguir a via do ensino. Nos mais velhos há exaustão e vontade de abandono.

Desde que Cavaco Silva jogou com vários grupos profissionais, nomeadamente os professores, para obter uma maioria absoluta, que se acumulam problemas com este importantíssimo setor profissional e é evidente a necessidade de harmonizar e valorizar a sua carreira. Durante quatro anos o Governo nada fez para encontrar soluções e termina, desgraçadamente, a tratar os professores como grupo privilegiado e gastador.»

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10.5.19

E quanto a Marcelo



«Quando o assessor te telefona a dizer que a mini crise acabou.»

(Rui Rocha no Facebook)
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10.05.1958 – Humberto Delgado: «Obviamente demito-o!»



Durante a conferência de imprensa de lançamento da sua campanha para as eleições presidenciais, no Café Chave d’Ouro em Lisboa, Humberto Delgado proferiu uma frase que viria a ficar célebre: «Obviamente, demito-o!»

Ler AQUI.

P.S. do dia: hoje podíamos ter assistido a um «Obviamente, demito-me!». Mas não, foi só fumaça…
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O algoritmo de Costa


«António Costa simulou a sério a crise que inventou, encostando PSD e CDS ao seu passado histórico e dando um "boost" à campanha europeia de um PS refém de um candidato frágil e de sondagens pouco animadoras, atirando números erráticos para a mesa com centenas de milhares de euros de falibilidade, agitando a bandeira de contas que nem seriam para esta legislatura e dependeriam sempre de negociação. E fê-lo com a certeza de, ainda assim, ser inteiramente compreendido. O algoritmo de Costa sabia bem que não jogava com a luta de classes mas com a inveja. Nenhuma classe profissional toleraria (como desde logo se viu pelas reivindicações de outros sectores da Administração Pública) que os professores começassem a ganhar uma luta que é de todos. Um país com dor de cotovelo também não.»

Miguel Guedes
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O que é que esta “crise” tem a ver com os enfermeiros?



«O que é que a greve dos enfermeiros tem a ver com esta suposta crise política? Nada e tudo. Nada porque, tendo em conta a natureza anómala da greve dos enfermeiros, a esquerda não se dividiu nesse conflito. E a direita mediática que agora bate em Rui Rio em nome das boas contas defendeu na altura algumas reivindicações estapafúrdias. Tudo porque a derrota do sindicato tradicional dos enfermeiros (o SEP) resultou da incompreensão do que estava a aparecer ao seu lado e da radicalização da classe. O mesmo aconteceu com a federação dos transportes e o sindicato de nicho criado para os camionistas de matérias perigosas.

O que aconteceu nos enfermeiros e nos camionistas não aconteceu nos professores. E esteve quase a acontecer. Nasceu um sindicato – o STOP –, que repentinamente ganhou uma enorme popularidade e radicalizou bastante as exigências e a luta. Criou um fundo de greve e pretendia tornar eterna a greve às reuniões para as avaliações dos alunos, no mesmo estilo cirúrgico dos enfermeiros. Uma das suas principais exigências nunca esteve nas primeiras prioridades da FENPROF: a contagem integral do tempo congelado durante 11 anos. Mário Nogueira, ao contrário dos sindicatos tradicionais dos enfermeiros e dos camionistas, conseguiu esvaziar este sindicato ultrarradical (sei bem quem são os seus dirigentes), que se preparava para uma forma de luta suicida para a credibilidade dos professores.

Quando falei dos perigos do sindicalismo inorgânico para defender os sindicatos com uma determinada tradição ética, estranha ao movimento dos enfermeiros promovido pela bastonária e ao sindicato dos camionistas dirigido por um advogado, foram várias as pessoas que me explicarem que eu não estava a querer perceber o que de novo acontecia nos sindicatos. E que os sindicatos tradicionais teriam de saber reagir ao que de novo despontava. Que lá por o PCP apoiar o Governo os sindicatos não tinham de se submeter a mais do que à vontade da classe que representam.

As tiradas genéricas são ótimas se delas não retirarmos qualquer consequência. Houve um único sindicalista que conseguiu aplacar um destes novos sindicatos. O STOP esteve bem próximo de se impor e isso teria consequências que lamentaríamos neste momento. Não lamentem Mário Nogueira quando podiam ter André Pestana. Conheço os dois, sei o que escrevo. Se o STOP tivesse conseguido impor-se não faltariam os analistas a explicar o falhanço da FENPROF. Mas esta vitória da moderação mínima das formas de luta teve um preço: a radicalização da agenda reivindicativa.

Não tenho escrito sobre a exigência de contagem de todo o tempo de serviço. Nem sequer sobre o conteúdo do que foi aprovado no Parlamento, até porque, apesar da dramatização para justificar uma falsa crise política, foi, no que é mais relevante, uma mão cheia de coisa nenhuma. O que defendo há muito é que a negociação desta reposição, pelos valores que implica, deveria ser acompanhada de uma negociação sobre a reestruturação de uma carreira que se tem mostrado insustentável. E, sendo impossível devolver todo o tempo que foi retirado aos professores, havia muitas compensações possíveis e que a FENORPF estaria disposta a negociar. Só que, ao contrário do que o Governo tenta dizer, não havia qualquer vontade de chegar a um acordo. Porque Costa vem marcado pela experiência de Maria de Lurdes Rodrigues e acredita, como José Sócrates acreditava (e enganou-se), que um enfrentamento com os professores lhe poderia dar muitos votos à direita.

A contagem integral do tempo congelado não era uma reivindicação central da FENPROF. Passou a sê-lo para travar o crescimento de um movimento semelhante aos que vimos aparecer nos enfermeiros e nos camionistas. E, nisso, Mário Nogueira foi bem sucedido. Caberia ao Governo fazer a sua parte, procurando mais do que uma boa desculpa para um enfrentamento que lhe rendesse votos. Era precisa imaginação, propostas alternativas que trocassem o tempo não recuperado por outras coisas, saídas para o impasse que garantissem uma vitória aos professores. Chama-se a isto fazer política. Não basta ser hábil para proveito próprio. A habilidade não lhe serviu para ajudar a impedir que o sindicalismo descambe em movimentos com quem será impossível negociar.

A recusa do PCP e do BE em atenderem a uma exigência da FENPROF mostra como os sindicatos que tentam resistir ao nascimento de movimentos inorgânicos, radicalizando as exigências, também tendem a isolar-se. Para este impasse não tenho resposta. Sei que é preciso dar-lhes vitórias. Não tudo o que querem, mas abertura para novas conquistas.»

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9.5.19

Memoriais e mais memoriais



Estive em Washington na semana passada e vi dois memoriais interessantes, um deles dedicado aos veteranos da Guerra da Coreia, o outro aos da Guerra do Vietname, ambos visitados por multidões.

O primeiro é constituído por 19 estátuas que representam os soldados americanos sobreviventes, com as sombras projectadas num muro com imagens anónimas dos que morreram.

O segundo é um longo muro em mármore, num belo parque, com cerca de 59.000 nomes, gravados em mármore, dos soldados americanos que terão morrido no Vietname. Não é respeitada a ordem alfabética no muro, mas sim em livros que os visitantes podem consultar, com listagens que indicam a localização exacta do nome que procuram.

Claro que se trata dos EUA e nenhum dos memoriais inclui as vítimas não americanas das guerras em questão. Mas ficam sugestões úteis para tanto que falta fazer em Portugal, em termos de salvaguarda da memória em décadas de fascismo – sem esquecer, obviamente, os mortos que lutaram pela independência nas ex-colónias.




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08 / 09.05.1945: O Dia da Vitória




Foi há 74 anos. Os Aliados tinham decidido que a vitória seria celebrada no dia 9 de Maio de 1945, mas os jornalistas anunciaram a rendição alemã mais cedo do que previsto e precipitaram o iníco aas celebrações para o dia 8 (tendo a União Soviética mantido as mesmas para a data previamente combinada).





Como é sabido, também se festejou em Portugal. Multidões saíram à rua com bandeiras dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e do Benfica. Estas últimas substituíam as da União Soviética – um dos vencedores da guerra na Europa –, obviamente proibidas... Em Almada, depois dos patrões ingleses de algumas fábricas de Cacilhas darem 1/2 dia feriado, também houve desfile com as bandeiras dos vencedores e um pau sem nada.
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Marisa e a Europa



Um curto resumo.
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A pobreza não dá votos



«1. Há cem mil professores que estão a ser usados como arma de arremesso político.

Não têm assim tanto peso eleitoral, mas têm uma profissão de grande relevância, demonstram uma enorme capacidade de mobilização e são capazes de ocupar, como poucos, o espaço público e mediático. São como mel para moscas e há, por isso, em permanência, vários atores políticos a salivar com o seu quinhão. A começar pelo principal líder sindical, Mário Nogueira, que quer tudo e não aceita nada, como se estivesse imbuído de um desígnio divino. E que, em três dias, passa da vitória total à derrota final. Passando pelo PS, que não queria dar tudo, mas aceitava dar alguma coisa, e acabou a martelar os números, para aprofundar o drama e argumentar que estava em causa o futuro do défice e da pátria. Continuando por PSD e CDS, tão desejosos de criar problemas aos socialistas que são capazes de dar tiros nos próprios pés e exibir a ferida com orgulho... até lhes começar a doer. Terminando no PCP e no BE, que fogem agora como o diabo da cruz de "coligações negativas", ainda marcados pelo trauma psicoeleitoral do chumbo ao PEC IV de Sócrates.

2. São mais de 600 mil pessoas. Não são usadas como arma de arremesso político, porque, apesar do peso eleitoral seis vezes maior que o dos professores, não têm profissões relevantes, não se mobilizam para a luta e têm escassa atenção pública e mediática. São os portugueses que vivem em privação material severa. Em todos e cada um dos dias da sua vida. É verdade que é o número mais baixo dos últimos 15 anos. Mas ainda são 615 mil. Que não são apenas pobres, mas os mais pobres dos pobres. Não é uma boa razão para ultrapassar os limites do défice a que Mário Centeno se agarra com unhas e dentes? Não dá para organizar uma coligação negativa e aprovar um decreto que avance com um programa decente de combate à pobreza, mesmo que com salvaguardas ao crescimento económico e atirando o impacto orçamental para 2020? Não? Bem me parecia...»

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8.5.19

O humor é que nos safa



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Fake News, Mr. Centeno and Mr. Costa?




«O valor que compara com os 804 milhões de euros estimados pelo Ministério das Finanças e a explicação para este diferencial é simples: as contas do Governo foram apresentadas em valores brutos, enquanto as da UTAO dizem respeito a valores líquidos (considerando a Segurança Social e o IRS). (…)

A questão é que parte desse aumento da despesa vai reverter a favor dos cofres públicos. Isto porque salários mais elevados significam mais receitas com IRS e com contribuições para a Segurança Social e a Caixa Geral de Aposentações, bem como um acréscimo das receitas da ADSE (o subsistema de saúde da função pública).

É por isso que, em termos líquidos, a UTAO chega a valores muito inferiores aos apresentados pelo Governo.»
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Questionário



Ricardo Paes Mamede no Facebook:

Estudo sobre o perfil político das reacções ao discurso de António Costa da passada 6ª feira:
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QUESTIONÁRIO
Diga qual dos três sentimentos foi para si dominante quando ouviu o discurso do Primeiro-Ministro:
A. Entusiasmo

B. Embaraço 
C. Irritação

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# Caso tenha respondido A, o que mais o/a ENTUSIASMOU no discurso de António Costa:
A.1. Ter dado a entender que os professores em particular, e os funcionários públicos em geral, têm privilégios a mais.
A.2. Ter usado com convicção argumentos típicos da direita para pôr o PSD e o CDS em dificuldade.
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# Caso tenha respondido B, o que mais o/a EMBARAÇOU no discurso de António Costa:
B.1. Ter contribuído para denegrir a imagem dos professores e da função pública, e fomentado a divisão entre trabalhadores dos sectores público e privado.
B.2. Ter usado com convicção argumentos típicos da direita para pôr o PSD e o CDS em dificuldade.
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# Caso tenha respondido C, o que mais o/a IRRITOU no discurso de António Costa:
C.1. Ter contribuído para denegrir a imagem dos professores e da função pública, fomentado a divisão entre trabalhadores dos sectores público e privado, e usado argumentos de direita para justificar a sua posição.
C.2. Ter sido incoerente e inexacto nos argumentos que utilizou.
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HIPÓTESES A TESTAR SOBRE O PERFIL POLÍTICO DAS DIFERENTES REACÇÕES
H1: A maioria das pessoas que responde A.1 apoia, ou admitir vir a apoiar, a Iniciativa Liberal.
H2: A maioria das pessoas que responde A.2 apoia incondicionalmente o PS e nunca simpatizou muito com a actual solução governativa.
H3: A maioria das pessoas que responde B.1 apoia o PS e reconhece as vantagens da actual solução governativa.
H4: A maioria das pessoas que responde B.2 apoia o PSD ou o CDS.
H5: A maioria das pessoas que responde C.1 é professor, ou funcionário público, ou trabalhador com consciência de classe e/ou apoia os partidos à esquerda do PS.
H6: A maioria das pessoas que responde C.2 é académico, levemente ingénuo, e acredita que o debate político deve ser feito com honestidade e rigor.
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Os resultados obtidos no pré-teste, sendo muito preliminares, parecem validar as hipóteses de trabalho.
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O diabo afinal chegou (e foi-se embora)



«Sempre tive alguma curiosidade em saber como era este diabo tão anunciado. A direita temia-o e desejava-o, esperando que tivesse as faces canhas de um comissário europeu que arrasasse o aumento do salário mínimo ou outras tropelias que, já se sabe, arruínam a nossa pátria, e que, num gesto pesado, reconduzisse a economia aos bons princípios da austeridade. Mas foi afinal pela mão do primeiro-ministro que o demo se instalou entre nós, na vertigem de um apocalipse orçamental e com o cheiro a pólvora de uma tremenda ameaça de eleições antecipadas.

A operação foi tão bem feita que houve mesmo uma fanfarra de cívicos que se levantou a bater palmas. Um “politicão”, disse um. “Cheiinho de razão”, assevera outro. Um “génio”, desbarreta-se outro. Na direita ilustrada, a corrida foi para saber quem mais elogiava António Costa. Veio logo depois a fila dos “desiludidos” e dos “angustiados” com o PSD e CDS. Chegaram entretanto os técnicos, a confirmar, como na missa do sétimo dia, que o país estava em risco de desabar se aos professores fosse contado o tempo do seu trabalho nos termos da lei (que ninguém propôs mudar): um jornalista escreveu que a medida “dá cabo das contas do país”, um académico asseverou, desenvolto, que o custo seria “uma fração de 1%” do PIB (vá-se lá saber o que isto quer dizer) e o Governo foi atirando números tão díspares como 37 milhões, ou 240 milhões, ou 850 milhões, ou 1200 milhões, que importa, são muitos milhões, é pró menino e prá menina. A este espetáculo do impressionómetro foi chamado “contas certas”.

Feitas as contas que importam, esse impressionómetro regista três vitórias esmagadoras para Costa.

Primeira, ficou reforçada a ideia de que quem trabalha não pode reivindicar salário (“dá cabo das contas do país”).

Segunda, gerou-se a ideia de que os salários não devem ser determinados por lei ou por contrato, mas pela conveniência do Terreiro do Paço e, como sugere a direita em arremedo de solução, devia haver uma parte variável do salário que fosse negociada em Bruxelas. Somos todos peças na máquina cósmica do Ministério das Finanças. Antes a doutrina era contratualista, antes todos se regiam pelo “Estado de Direito”, agora esqueça tudo, o que passou a contar é o capricho do ministro. O salário será o que ele mandar.

Terceira vitória de Costa, esta a mais importante, criou-se um movimento de ódio social contra os professores, alimentado pelo discurso da igualdade na desgraça. Isto vai ter consequências duradouras e é um mundo novo que as direitas nunca conseguiram impor. O Governo convenceu a maioria da população de que a sua vida pode ficar melhor se os professores perderem o direito a salário legal.

Estes três triunfos ideológicos são notáveis, sendo que todos eles colocam o Governo no trono da cultura da direita. Mas que ninguém se engane, era mesmo o que pretendia e foi o que conseguiu.

Por isso mesmo, a direita ficou em transe porque descortinou que ajudou o primeiro-ministro a tornar-se o melhor defensor da sua posição histórica, a noção de que se deve limitar os salários como modo de ajustamento orçamental. Afinal, o diabo veste rosa. Chegou, viu e venceu: assistir às inflexões do PSD e CDS, oferecendo com uma mão e prometendo nada pagar com a outra, ou à exasperação de quem pede que este fingimento seja aprovado, mesmo sabendo que não paga nada aos professores, é a prova de que o Governo ganhou a parada (para não falar do Presidente, que sem que fosse visto a mover um dedo, evitou eleições, encerrou a crise e seguiu viagem).

O problema é que, vencedor na sexta-feira, o diabo se foi embora logo no domingo. E talvez seja esse o maior risco para o Governo: foi tudo muito fingido, tudo mal explicado, os números eram fantasiosos, a representação foi gongórica. Uma crise colossal para eleições em fim de julho em vez de início de outubro? Ler os jornais internacionais sobre esta fabricação é um exercício penoso: não percebem nada e, no melhor dos casos, oferecem como explicação uma noveleta latina de faca e alguidar.

Dentro de portas também não serão poucas as pessoas, ou por pouca paixão partidária, ou por sentido das proporções, a perguntar se este diabo que vale 0,001 do PIB não era afinal um pouco exagerado e se a política vale todos estes enfatuamentos. Afinal, o diabo é um farsolas. E nunca nos evita o problema de sempre: se com a sua visita enxofrada começou a campanha para as eleições legislativas, voltamos à velha questão que se vai colocar a cada pessoa que pegue num boletim de voto: quer mesmo um governo PS com maioria absoluta? Ora, nesse campeonato é melhor não dar por certos os resultados. Confiança a mais é prosápia. Talvez o Governo se arrisque mesmo a ser vítima do seu próprio entusiasmo com o sucesso, que o leve a pensar que basta amedrontar o país para ter os votos e que tudo se resume a uma parada triunfal. Este diabo bem pode vir a ser o fantasma que persegue os vencedores de hoje.»

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7.5.19

E quanto a Primavera…




Lutando contra a geada com velas / baldes de parafina, em vinhas de Saint-Emilion & Jura de Bordeaux, França, 06.05.2019.

(Via Severe Weather Europe no Facebook)
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O PS não tinha lá mais ninguém para cabeça de lista?



E mais tarde no debate, P. Marques insistiu no mesmo erro detalhadamente.
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07.05.1925 - Luiz Pacheco



Faria hoje 94 anos e, se ainda por cá andasse, o Luiz Pacheco seria certamente tão irreverente como sempre foi. Alguma dúvida?

Para compreender melhor a sua pessoa e a sua obra, a leitura de Puta que os pariu! – A biografia de Luiz Pacheco, de João Pedro George, é absolutamente obrigatória.



Texto de uma intervenção pública de Luiz Pacheco:

O QUE É O NEO-ABJECCIONISMO

Chamo-me Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco, ou só Luiz Pacheco, se preferem. Tenho trinta e sete anos, casado, lisboeta, português. Estou na cama de uma camarata, a seis paus a dormida. É asseado, mas não recebo visitas. Também não me apetece fazer visitas. A Ninguém. Estou bastante só. Perdi muito. Perdi quase tudo.

Perdi mãe e perdi pai, que estão no cemitério de Bucelas. Perdi três filhos – a Maria Luísa, o João Miguel, o Fernando António –, que estão vivos, mas me desprezam (e eu dou-lhes razão). Perdi amigos. Perdi o Lisboa; a mulher, a Amada, nunca mais a vi. Perdi os meus livros todos! Perdi muito tempo, já. Se querem saber mais, perdi o gosto da virilidade; se querem saber tudo, perdi a honra. Roubei. Sou o que se chama, na mais profunda baixeza da palavra, um desgraçado. Sou, e sei que sou.

Mas, alto lá! sou um tipo livre, intensamente livre, livre até ser libertino (que é uma forma real e corporal de liberdade), livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português.

Até aos trinta e sete anos, até há bem pouco tempo ainda, portanto, julguei que podia, era possível, ser livre e salvar-me sozinho, no meio de gente que perdeu a força de ser (livre e sozinha), e já não quer (ou mui pouca quer) salvar-se de maneira nenhuma. Julgava isto, creiam, e joguei-me todo e joguei tudo nisto. Enganava-me. Estou arrependido. Fui duro, fui cruel, fui audaz, fui desumano. Fui pior, porque fui (muitas vezes) injusto e nem sei bem ao certo quando o fui. Fui, o que vulgarmente se chama, um tipo bera, um sacana. Não peço que me perdoem. Não quero que me perdoem nada. Aconteceu assim.

Eu para mim já não quero nada, não desejo nada. Tenho tido quase tudo que tenho querido, lutei por isso (talvez o merecesse). Agora, já não quero nada, nada. Já tudo, tanto me faz; tanto faz.

Agora, oiçam: tenho dois filhos pequenos, o Luis José, que é o meu nome, e a Adelina Maria, que era o nome de minha Mãe. O mais velho tem 4, a pequenita dois, feitos em Fevereiro, a 8. Durmo com uma rapariga de 15 anos, grávida de sete meses, e sei que ela passa fome. É natural que alguns de vocês tenham filhos. Que haja, talvez, talvez por certo, mães e pais nesta sala. Não sei se já ouviram os vossos filhos dizerem, a sério, que estão com fome. É natural que não. Mas eu digo-lhes: é essa uma música horrível, uma música que nos entra pelos ouvidos e me endoidece. Crianças que pedem pão (pão sem literatura, ó senhores!) pão, pãozinho, pão seco ou duro, mas pão, senhores do surrealismo, e do abjeccionismo, e do neo-realismo e mesmo do abstraccionismo! Este mês de Março que vai acabar ou já acabou, pela primeira vez, eu ouvi os meus filhos com fome. E pela primeira vez, não tive que lhes dar. Perdi a cabeça, para lhes dar pão (ainda esta semana). Já não tenho que vender, empenhei dois cobertores, e um nem era meu. Tenho uma máquina de escrever, que é a minha charrua, e não a posso empenhar porque não a paguei; e tenho uma samarra, que no prego não aceitam porque agora vai haver calor e a traça também vai ao prego… Já não tenho mais nada. Tenho pedido trabalho a amigos e a inimigos. Humilhei-me, fiz sorrisos. Senti na face, expelido com boas palavras e sorrisos, o bafo da esperança, da venenosa esperança; promessas; risinhos pelas costas. Pedi trabalho aos meus amigos: Luís Amaro, da Portugália Editora; Rogério Fernandes, de Livros do Brasil; Artur Ramos; Eduardo Salgueiro, da Inquérito; dr. Magalhães, da Ulisseia; e Bruno da Ponte, da Minotauro, aqui presente, decerto. Alguns têm-me ajudado; mas tão devagarinho! tão poucochinho!

Sim, porque eu não faço (já agora, na minha idade!) todos os trabalhos que vocês querem! Só faço, já agora, coisas que sei e gosto: escrever umas larachas; traduzir o melhor que posso; mexer em livros, a vendê-los ou a fazê-los.

Nem quero vê-los a vocês, todos os dias! Ah! Não! Era o que me faltava! Vocês têm uma caras! Meu Deus, que caras que nós temos! Conhecem a minha? Vão vê-la ali ao canto, na folha rasgada do meu passaporte (sim, porque viagens ao estrangeiro (uma…) também já por cá passaram…) Viram? É horrível!… A mim, mete-me medo! Mas é uma cara de gente. E isso não é fácil.

Dizia eu: eu quero trabalhar na minha máquina, sozinho, ou rodeado da minha Tribo: os miúdos, uma mulher-criança, grávida. E, às tardes, ir passear pela Avenida Luísa Todi ou na ribeira do Sado. Acho que nem era pedir muito. E para mim, é tudo.

Já pedi trabalho a tanta gente, que já não me custa (envergonha) pedir esmola. Confesso-lhes: até já o fiz, estendi a mão à caridade pública, recebi tostões de mãos desconhecidas, de gente talvez pobre. E tenho pedido emprestado, com a convicção feita que não o poderei pagar. É assim.

Eu para o Luiz Pacheco, repito, não quero nada, não desejo nada, não preciso de nada; mas para os bambinos! E para o bebé que vai nascer! Roupas; leite; pão; um brinquedo velho… Dêem-me trabalho! Ou: dêem-me mais trabalho.

E para findar esta Comunicação, remato já depressa:

Peço uma esmola.
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O fim-de-semana político para além da táctica



«Para quem vê a política como um campeonato de futebol, o fim-de-semana foi espectacular. Numa partida decisiva a jogar em casa, a equipa que lidera o campeonato entrou a marcar. Demasiado confiante, baixou a guarda e o adversário acreditou. O jogo foi para intervalo já empatado e recomeçou com uma pressão crescente sobre o primeiro classificado. Quando a viragem do resultado parecia iminente, o treinador chamou os jogadores e mudou de táctica. Numa decisão de risco, mandou-os avançar no campo. Ao primeiro erro do adversário, a poucos minutos do fim, a equipa da casa marcou, para gáudio dos apoiantes. A vitória no campeonato parece agora mais próxima e ninguém poupa elogios à genialidade do treinador.

Claro que a política é mais complexa do que o futebol. Faria mais sentido compará-la ao weiqi, o jogo chinês em que cada jogador vai colocando peças num tabuleiro com o objectivo de rodear e evitar ser rodeado pelo adversário. Aqui a posição é tudo. É um jogo de estratégia, em que os movimentos de um jogador afectam o posicionamento mais acertado do outro.

O que António Costa fez na sexta-feira passada não foi apenas uma alteração táctica. O líder socialista aproveitou uma movimentação do adversário para consolidar uma mudança estratégica em que estava a trabalhar há algum tempo.

Em 2015 Costa precisou do PCP e do BE para formar governo. Sabia que, para isso, era necessário posicionar o seu partido e o seu governo mais à esquerda. Ajustou a retórica ("não tenhamos dúvidas: se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar como a direita governou", afirmava pouco antes) e colocou a chamada ala esquerda do PS em posições-chave no partido e no governo. Com isto - e com algumas cedências ao PCP e ao BE - assegurou as condições para aprovar todos os orçamentos da legislatura.

O aproximar das eleições tornou evidentes os riscos daquele posicionamento, parecendo validar o que muitos dentro do partido defenderam desde o início. Segundo essa tese (que na verdade está por demonstrar) a imagem de um PS à esquerda abre espaço aos partidos de direita para conquistarem o eleitorado mais volátil (dito de centro). Ao mesmo tempo, uma legislatura bem-sucedida baseada em acordos com o PCP e o BE dá ao eleitorado de esquerda motivos para manter ou reforçar o voto nestes partidos. Por outras palavras, o PS estaria eternamente condenado a depender de terceiros para governar.

Daí que desde há uns meses o PS venha a ensaiar o seu reposicionamento, não perdendo uma oportunidade para sublinhar a distância que o separa dos partidos à sua esquerda. Fê-lo com a revisão das leis do trabalho, com as regras do alojamento local e com a nova lei de bases da saúde. Deste ponto de vista, o reconhecimento da progressão do tempo de serviço dos professores é só mais uma etapa no caminho do reposicionamento político.

Neste contexto, os socialistas não se inibiram de recorrer a uma retórica típica da direita, que põe os funcionários públicos uns contra os outros, os trabalhadores do sector privado contra os do público, e em que todas as diferenças de opinião são reduzidas a uma divisão entre responsabilidade e irresponsabilidade orçamental.

Ao nível estritamente eleitoral, o reposicionamento do PS convém também aos partidos mais à esquerda, que precisam de afirmar o seu espaço de intervenção marcando a diferença face ao governo. Também deste lado, ninguém perdeu a oportunidade para enfatizar os desacordos.

Para quem se revê no caminho da concertação e governação à esquerda, como é o meu caso, tudo isto poderia ser boas notícias: cada um dos partidos estaria a fazer o que lhe cabe para reduzir o apoio eleitoral às forças de direita. Depois do que se passou este fim-de-semana, é mais difícil pensar assim.

Já muito se escreveu sobre as imprecisões e incoerências na declaração de António Costa, que revelam predisposição para delapidar o capital de confiança entre parceiros. Mas o que sobressai deste episódio é mais do que excessos de linguagem ou o recurso a argumentos duvidosos, ao serviço de uma necessidade de reposicionamento simbólico.

As intervenções de Costa e de outros líderes do PS visam transmitir uma mensagem que vai para lá da ideia das "contas certas". O PS está a querer mostrar que não acredita na possibilidade de chegar a acordo com os partidos à sua esquerda sobre matérias essenciais como o serviço nacional de saúde, a escola pública, os direitos laborais, as carreiras dos funcionários públicos ou a organização do Estado.

Não obstante a preocupação em não hostilizar demasiado o PCP e o BE - nunca se sabe o que o futuro reserva - o PS dá sinais crescentes de querer pôr fim a uma solução que trouxe estabilidade política e maior confiança na democracia, e que permitiu avanços evidentes na maturidade do sistema partidário português. Não admira que entre os principais entusiastas da ameaça de demissão do Primeiro-Ministro estejam os mais ferozes opositores dos acordos à esquerda.

Os dirigentes do PS terão as suas razões para seguir este caminho. As sondagens dos próximos meses e as eleições que aí vêm mostrarão se os eleitores validam esta opção.»

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6.5.19

Marcelo calado há quatro dias?




«Quatro dias. Há quatro dias que o Presidente da República não tem agenda pública. Sobre a crise política nem uma palavra. Não há memória de um silêncio tão prolongado em Belém.»
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Afinal a crise não acabou




«Mário Nogueira apela comunistas e bloquistas que se abstenham na altura da votação das propostas da direita, mesmo que sublinhem as suas críticas.»

Se PCP se abstiver (e alguém acredita que M. Nogueira esteja sozinho neste apelo?...), a(s) proposta(s) de PSD e CDS passam, qualquer que seja a posição do BE (PSD+CDS 107 deputados, PS+BE 105).


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Lei de Bases da Saúde: os factos falam por si



«Uma lei extraordinária! A Lei de Bases de 90 situa o SNS numa rede concorrencial para o financiamento público, em igualdade de circunstâncias com o sector social e privado! Não reconhece como principal responsabilidade do Estado o desenvolvimento de um SNS de qualidade, mas explicita a possibilidade do SNS proporcionar aos seus concorrentes a extração de mais-valias financeiras do seu orçamento, entregando-lhes a "gestão" das suas unidades prestadoras (sob a designação simpática de "parcerias"). E, promove ainda a "facilitação da mobilidade do pessoal do SNS" para a concorrência e reserva para esta "quotas de internamento em cada região".

Entre Novembro de 2002 e Abril de 2003, o Governo da República concretiza a filosofia da Lei de Bases através de três peças legislativas dedicadas à gestão privada dos hospitais e centros de saúde do SNS. Década e meia depois, acentua-se a ortodoxia - o ministro de saúde de então, agora coordenador para a saúde do maior partido da oposição, em conferência de imprensa (13 de Setembro de 2018), declarou:

"Trata-se de generalizar as PPP... queremos que progressivamente mais hospitais sejam contratualizados com gestão privada... continuará a haver gestão pública maioritária mas cada vez mais a gestão passará para as mãos dos privados, incluindo os cuidados primários ..."

Do significado. Alguns meses antes (13 Janeiro 2018) o mesmo dirigente, em entrevista a um semanário, a propósito da proposta Arnaut/Semedo, explica as opções que representa: "O Estado tem que prover um bem público, não tem que o produzir … pela organização do Estado, não há gestão de recursos humanos que incentive as pessoas a fazerem melhor". Isto, em Portugal, já começa a não ser verdade. Pretendem substituir o SNS pelo financiamento público da prestação privada. Não querem o SNS. Há que assumi-lo.

Uma Lei de Bases "aberta"? Argumenta-se a favor da necessidade de preservar uma Lei "aberta", que permita a qualquer governo ir pelo caminho que lhe pareça melhor, mesmo que isso signifique o progressivo desmantelamento do SNS. Pois, a fronteira é mesmo aqui: entre quem quer esse tipo de "abertura" e os seus efeitos óbvios, e quem aposta numa Lei de Bases dedicada ao desenvolvimento do SNS, com apreço pelas contribuições do social e do privado.

Há que situar os detalhes neste contexto significativo. A ilusão do "escolham onde querem ir e nós pagamos" é o cavalo de Troia da privatização do SNS. Não resiste a qualquer análise séria sobre as circunstâncias e as características do contrato social para a saúde em Portugal. Compara-se abusivamente o desempenho das PPPs com a gestão pública, esquecendo-se que aquelas, por serem poucas, têm sido protegidas dos efeitos da incerteza orçamental, dos cortes e cativações que tornaram caótica a gestão do SNS. Finalmente, é falso que haja propostas de revisão de Lei de Bases que ponham em causa a existência do social e do privado em Portugal.

Da importância de verdadeiras parcerias. Os sectores privado e social têm um papel importante a desempenhar no sistema de saúde português. Parcerias efetivas entre o SNS e os outros sectores são indispensáveis. Para que elas sejam virtuosas terão que ser transparentes, informadas por um espírito cooperativo, ao abrigo das tentações concorrenciais, preservando a missão de cada parceiro. Devem favorecer a continuidade e integração de cuidados, e manter uma saudável reciprocidade na contribuição financeira de cada parceiro na realização dos objetivos de interesse comum.

Aprovar uma nova Lei de Bases não chega. O SNS, pese as suas dificuldades, é indiscutivelmente o maior sucesso da democracia portuguesa. Rever a atual Lei de Bases da Saúde é indispensável. Mas isso, só por si, não chega para comemorar os 40 anos do SNS. O país mudou nos últimos 40 anos e as necessidades de saúde e cuidados de saúde da população portuguesa evoluíram também. É necessário repor e acrescentar recursos, mas sobretudo transformar, construir um SNS do nosso tempo, com futuro.»

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5.5.19

A crise acabou


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18:30



Eu ainda sou do tempo de «O Comboio das Seis e Meia». Hoje teremos «O Rui Rio das Seis e Meia".
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Menos jogos e mais responsabilidade



«A reação do Governo em torno das carreiras dos professores é uma encenação irresponsável, sem fundamentos palpáveis, a não ser porventura um imediatista cálculo eleitoral. Primeiro, porque não há impacto orçamental nesta legislatura resultante da medida ontem aprovada. Ou seja, o que foi aprovado não compromete este Governo, mas os próximos. Segundo, porque não se sabe qual o impacto orçamental da medida no curto prazo, já que foi aprovado um princípio que já constava de orçamentos anteriores (o reconhecimento do tempo de carreira), cujo prazo de concretização continua dependente das negociações futuras com os sindicatos. Terceiro, porque no único Governo em que o PS dispõe atualmente de maioria absoluta (o Governo Regional dos Açores), o próprio PS escolheu aprovar a recuperação integral do tempo de serviço dos e das docentes (contra a qual Carlos César agora brada!), o que aliás criou uma discriminação entre professores que deu mais um argumento para as exigências dos docentes.

Estamos portanto no domínio de um mero jogo político por parte do Governo, com declarações inflamadas que visam dramatizar artificialmente uma decisão normal do Parlamento que, além do mais, não é nova.

Neste filme, Bloco e o PCP votaram agora em coerência com o que votaram no passado. Já PS, PSD e CDS saem bastante mal na fotografia.O PSD sai mal porque se sabe que esta suposta viragem à esquerda e o súbito amor pelo sindicalismo docente é um oportunismo de circunstância. Francamente: alguém acredita?

Se o PSD governasse, não teria havido qualquer descongelamento para os trabalhadores dos serviços públicos, nem recuperação de salários e de pensões para os trabalhadores do privado. Também por isso, o PSD esteve disponível para reafirmar um princípio geral, mas não quer comprometer-se com prazos concretos. É jogo.

O CDS fez uma figura um pouco mais ridícula quando, logo após ter aprovado o que aprovou, veio dizer, aflito, que afinal a norma aprovada não era para levar a sério, porque (e cito o comunicado do CDS) “Não é verdade que o CDS tenha hoje aprovado o pagamento do tempo integral dos professores. Essa proposta foi chumbada com o nosso voto. Aprovou-se apenas o princípio de que os professores terão direito à contagem integral do tempo congelado mediante negociação com o Governo”. Ou seja, os incautos que se desenganem: a posição do CDS é uma confusão para enganar os professores.

O PS ensaia três argumentos que, um a um, caem por terra por si próprios.

Primeiro argumento: isto é uma novidade surpreendente que viola o que estava nos Orçamentos. Mas como assim, novidade? Desde janeiro de 2018 o Governo ficou obrigado, por decisão do Parlamento (e sem o voto contra do PS, que se absteve nesta norma), a “em diálogo com os sindicatos, garantir que, nas carreiras cuja progressão depende também do tempo de serviço prestado, seja contado todo esse tempo, para efeitos de progressão na carreira e da correspondente valorização remuneratória”.

Segundo argumento: o PS não consegue governar com esta despesa extra. Qual despesa extra? Se a recuperação integral é para fazer a partir do próximo Orçamento (2020), já não diz respeito a este Governo. O que diz respeito a este Governo é o que este Governo já tinha assumido: os 2 anos 9 meses e 18 dias. Se o restante tempo (6 anos e meio) depende de negociação, pode ser faseado e até convertido noutros modos de reconhecer e compensar os anos de serviço, como a antecipação da reforma (que teria a vantagem de contribuir para criar emprego e renovar o pessoal nas escolas), assim haja vontade, abertura, capacidade e bom senso negocial. Em todo o caso, é tarefa para o próximo Governo, não para este. Na realidade, as únicas surpresas orçamentais desta legislatura foram as que vieram da banca, a última das quais representou uma garantia de mais 450 milhões de euros para o Novo Banco (e aí, Centeno não encontrou nenhum problema em acomodar a despesa...).

Terceiro argumento, mais político, estilo Santos Silva: houve uma “coligação negativa”, valha-nos Cristo! Este argumento é risível dado o contexto em que é utilizado. Nas costas dos seus parceiros de Orçamento (Bloco, PCP e Verdes), o Governo negociou um acordo com os patrões para impedir a valorização dos salários no setor privado, mantendo a caducidade dos contratos coletivos, impedindo a reposição dos 3 dias de férias cortados pela Direita ou do valor das compensações por despedimento. Tudo tranquilo para o PS. Nas costas dos seus parceiros de Orçamento (Bloco, PCP e Verdes) e até, aparentemente, da Ministra da Saúde, o PS negociou com a Direita e com o Presidente a manutenção das parcerias público-privado no Serviço Nacional de Saúde. Tudo tranquilo para o Governo. Contra a opinião dos seus parceiros, o PS juntou-se ao PSD para manter a capitalização do sistema financeiro sem assegurar o seu controlo público ou para impedir a renacionalização dos CTT (reivindicada não apenas por Bloco e PCP, mas por muitos autarcas socialistas), mesmo com o enorme impacto social e orçamental dessas decisões irresponsáveis. Tudo tranquilo, venha a coligação negativa com PSD e CDS. Aparentemente, o único momento de crise para o PS é quando Bloco e PCP são coerentes com o que sempre defenderam – e, circunstancialmente, se forma uma maioria em torno dessas posições, como aconteceu (e ainda bem) quando foi rejeitado o acordo do Governo para baixar a TSU dos patrões ou, agora, a proposta do Governo que não reconhecia o tempo de serviço de todas as carreiras.

Muita fita, muito cálculo comunicacional e eleitoral, muita inflamação postiça e pouca cabeça fria e respeito pelo parlamento. Assim está a agir o Governo e faz mal. Se empenhasse a sua energia em encontrar soluções, em vez de fabricar crises, daria um contributo muito mais responsável ao país, à estabilidade da vida de quem trabalha e à confiança que as pessoas querem depositar em quem tem responsabilidades de tão elevado nível.

Pela nossa parte, estamos cá. No mesmo lugar de sempre. Com a mesma confiabilidade, a mesma coerência e a mesma abertura de sempre para encontrar soluções. Sem desesperar. Com o mesmo bom senso.»

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