10.5.19

O que é que esta “crise” tem a ver com os enfermeiros?



«O que é que a greve dos enfermeiros tem a ver com esta suposta crise política? Nada e tudo. Nada porque, tendo em conta a natureza anómala da greve dos enfermeiros, a esquerda não se dividiu nesse conflito. E a direita mediática que agora bate em Rui Rio em nome das boas contas defendeu na altura algumas reivindicações estapafúrdias. Tudo porque a derrota do sindicato tradicional dos enfermeiros (o SEP) resultou da incompreensão do que estava a aparecer ao seu lado e da radicalização da classe. O mesmo aconteceu com a federação dos transportes e o sindicato de nicho criado para os camionistas de matérias perigosas.

O que aconteceu nos enfermeiros e nos camionistas não aconteceu nos professores. E esteve quase a acontecer. Nasceu um sindicato – o STOP –, que repentinamente ganhou uma enorme popularidade e radicalizou bastante as exigências e a luta. Criou um fundo de greve e pretendia tornar eterna a greve às reuniões para as avaliações dos alunos, no mesmo estilo cirúrgico dos enfermeiros. Uma das suas principais exigências nunca esteve nas primeiras prioridades da FENPROF: a contagem integral do tempo congelado durante 11 anos. Mário Nogueira, ao contrário dos sindicatos tradicionais dos enfermeiros e dos camionistas, conseguiu esvaziar este sindicato ultrarradical (sei bem quem são os seus dirigentes), que se preparava para uma forma de luta suicida para a credibilidade dos professores.

Quando falei dos perigos do sindicalismo inorgânico para defender os sindicatos com uma determinada tradição ética, estranha ao movimento dos enfermeiros promovido pela bastonária e ao sindicato dos camionistas dirigido por um advogado, foram várias as pessoas que me explicarem que eu não estava a querer perceber o que de novo acontecia nos sindicatos. E que os sindicatos tradicionais teriam de saber reagir ao que de novo despontava. Que lá por o PCP apoiar o Governo os sindicatos não tinham de se submeter a mais do que à vontade da classe que representam.

As tiradas genéricas são ótimas se delas não retirarmos qualquer consequência. Houve um único sindicalista que conseguiu aplacar um destes novos sindicatos. O STOP esteve bem próximo de se impor e isso teria consequências que lamentaríamos neste momento. Não lamentem Mário Nogueira quando podiam ter André Pestana. Conheço os dois, sei o que escrevo. Se o STOP tivesse conseguido impor-se não faltariam os analistas a explicar o falhanço da FENPROF. Mas esta vitória da moderação mínima das formas de luta teve um preço: a radicalização da agenda reivindicativa.

Não tenho escrito sobre a exigência de contagem de todo o tempo de serviço. Nem sequer sobre o conteúdo do que foi aprovado no Parlamento, até porque, apesar da dramatização para justificar uma falsa crise política, foi, no que é mais relevante, uma mão cheia de coisa nenhuma. O que defendo há muito é que a negociação desta reposição, pelos valores que implica, deveria ser acompanhada de uma negociação sobre a reestruturação de uma carreira que se tem mostrado insustentável. E, sendo impossível devolver todo o tempo que foi retirado aos professores, havia muitas compensações possíveis e que a FENORPF estaria disposta a negociar. Só que, ao contrário do que o Governo tenta dizer, não havia qualquer vontade de chegar a um acordo. Porque Costa vem marcado pela experiência de Maria de Lurdes Rodrigues e acredita, como José Sócrates acreditava (e enganou-se), que um enfrentamento com os professores lhe poderia dar muitos votos à direita.

A contagem integral do tempo congelado não era uma reivindicação central da FENPROF. Passou a sê-lo para travar o crescimento de um movimento semelhante aos que vimos aparecer nos enfermeiros e nos camionistas. E, nisso, Mário Nogueira foi bem sucedido. Caberia ao Governo fazer a sua parte, procurando mais do que uma boa desculpa para um enfrentamento que lhe rendesse votos. Era precisa imaginação, propostas alternativas que trocassem o tempo não recuperado por outras coisas, saídas para o impasse que garantissem uma vitória aos professores. Chama-se a isto fazer política. Não basta ser hábil para proveito próprio. A habilidade não lhe serviu para ajudar a impedir que o sindicalismo descambe em movimentos com quem será impossível negociar.

A recusa do PCP e do BE em atenderem a uma exigência da FENPROF mostra como os sindicatos que tentam resistir ao nascimento de movimentos inorgânicos, radicalizando as exigências, também tendem a isolar-se. Para este impasse não tenho resposta. Sei que é preciso dar-lhes vitórias. Não tudo o que querem, mas abertura para novas conquistas.»

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