«Por detrás das notícias que abrem os telejornais e que dão conta das longas horas de espera dos doentes nos serviços de urgência, existem histórias por contar. As dos profissionais de saúde, que trabalham horas intermináveis, as dos mais velhos, que sofrem nas desconfortáveis macas nos corredores, as dos dramas que levamos para casa, encerrados nos nossos silêncios.
Estou de urgência num turno de 24 horas. Falei há pouco com a colega de anestesiologia. O doente que estiveram a operar tinha acabado de falecer. O caso era complexo. O prognóstico mau, mesmo antes de começarem. Estão frustrados e desanimados. No entanto, o trabalho não acabou. Ainda temos mais 13h pela frente. Poucas pessoas conseguem entender o que isto é, todas as semanas.
Quando falam de planos e linhas telefónicas, despachos e decretos-leis, parece que estão a discutir mundos paralelos, afastados da rea¬lidade. O esforço físico é violento, mas as marcas psicológicas, essas ficam para a vida. E por isso, os mais novos tentam abandonar o serviço de urgência, assim que podem.
Valorizo os líderes que não têm medo de continuar as políticas que demonstram valor, que preferem os resultados em saúde às inaugurações de placas com o seu nome. E, nesse sentido, para quem não quer estar sempre a tentar reescrever a História, recordava os SNS Summit que a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) promoveu.
Formas partilhadas para atingir soluções concertadas, fóruns de discussão de boas práticas. Eventos projetados para promover a colaboração e o desenvolvimento de estratégias conjuntas. Um espaço vital para a troca de ideias, encorajando o desenvolvimento interpares de soluções inovadoras.
O primeiro ocorreu em março de 2023, e foi dedicado aos serviços de urgência (SU). Foram dezenas de profissionais que trabalharam num conjunto de consensos, traduzidos em 15 recomendações, que vale a pena recordar.
1 — Investimento em campanhas nacionais de promoção da literacia para o uso mais racional dos SU;
2 — Aumento da resposta ao doente agudo não urgente em contexto extra-hospitalar;
3 — Reforço do alinhamento de respostas entre hospitais e centros de saúde, através do alargamento do modelo unidade local de saúde;
4 — Atualização dos algoritmos de referenciação do INEM e Linha SNS 24;
5 — Implementação progressiva do modelo de urgência referenciada;
6 — Estabelecimento de equipas dedicadas no SU;
7 — Implementação de centros de responsabilidade integrados nos SU;
8 — Criação da especialidade de medicina de urgência;
9 — Alargamento do modelo de urgências metropolitanas;
10 — Implementação de um regime fiscal que garanta a contabilização para o tempo de serviço/reforma das horas extraordinárias realizadas em SU;
11 — Criação de uma rede de transporte inter-hospitalar de doentes graves;
12 — Definição de um modelo transversal de gestão de admissões /altas;
13 — Prioridade dos modelos alternativos à hospitalização clássica;
14 — Aumento da capacidade de resposta dos cuidados continuados e da segurança social aos doentes com alta clínica;
15 — Criação de um programa de investimento para requalificação das urgências hospitalares.
Em março fará dois anos sobre este plano, que pela minha vivência continua atual. Era importante perceber o que o país está a fazer para o concretizar.
Mais do que comunicados pintados com as cores do arco-íris, e do cumprimento exemplar de despachos, valeria a pena aferir se a realidade está a mudar.
O telefone toca. São 2 horas da manhã. O turno na urgência nunca mais acaba...»