«Há dias, o ministro Leitão Amaro avisou que “a economia terá de se adaptar à diminuição da entrada de imigrantes no país”. A declaração merece ser levada a sério — e tem uma ressonância inquietante da anterior passagem da AD pelo Governo. Com a troika, Passos Coelho, movido por uma fúria moral e punitiva, decidiu aplicar toda a austeridade de uma só vez. O país enfrentava um problema macroeconómico, e o Governo escolheu somar-lhe uma camada adicional de dificuldades. Executado com zelo, o frontloading de má memória deixou a economia em cacos.
Agora, o caminho volta a ser o da resposta moral, em detrimento dos fundamentos económicos — desta vez, em torno da nacionalidade e da imigração. Aliás, por estes dias, a OCDE deixou o alerta: o crescimento económico está em risco por falta de trabalhadores. Segundo a organização, os países mais industrializados tiveram no mercado de trabalho o motor do crescimento das suas economias. O cenário próximo, porém, é mais desfavorável: a escassez de trabalhadores pode começar a travar a economia.
E quem foram esses trabalhadores que puxaram pela economia? Está fácil de ver: os imigrantes, cuja chegada é a única forma de compensar as tendências demográficas negativas. No caso de Portugal, a força de trabalho cresceu, em média, 0,7% nos últimos quatro anos, graças exclusivamente à entrada de trabalhadores estrangeiros. Sem imigração, a mão-de-obra disponível teria diminuído 0,1%.
Mas a OCDE não se limita a olhar para o passado. Estima também o que poderá acontecer se os fluxos migratórios diminuírem. Se a vontade da coligação AD/Chega se concretizar e o país passar a ter um saldo migratório nulo, a taxa de crescimento per capita da economia portuguesa recuará 0,6 pontos percentuais.
Atrair imigrantes é fundamental para o crescimento económico. Mas, claro, o Governo pode sempre considerar que é preciso “equilibrar” cultural e etnicamente o país e, desta feita, afirmar “que se lixe a economia”. É um caminho legítimo —, mas com danos colaterais. E a questão não se coloca apenas às empresas, sobretudo às dos setores mais dependentes de mão-de-obra imigrante (da restauração à hotelaria, passando pela agricultura e construção civil).
Repare-se: uma das rábulas do discurso anti-imigração assenta na ideia de que uma horda de estrangeiros está a capturar o nosso Estado social, ocupando os lugares dos portugueses. Ora, o crescimento da população e a sua recomposição demográfica exigem investimento no Estado social — da escola à saúde, passando pela habitação. Esse, aliás, deveria ser o debate prioritário.
Mas a realidade, hoje, diz-nos que os imigrantes são (grandes) contribuintes líquidos para a Segurança Social — só no ano passado, contribuíram com 3,6 mil milhões de euros, o que representa 12,5% da receita total. E, no que é menos sublinhado, representam uma fatia crucial dos cuidadores de que dependem as nossas respostas sociais.
Pois é. Ao contrário do que afirma Leitão Amaro, não são apenas as empresas que terão de se adaptar à diminuição de imigrantes. São também os lares, os centros de dia, as creches e os hospitais. Como se resolve esse problema? Vamos abandonar necessidades sociais num contexto de envelhecimento da população? Os hospitais vão reduzir a sua atividade e os lares a sua capacidade? De que forma o Governo pretende suprir a mais que previsível falta de trabalhadores nas respostas sociais? O que vale é que fomos avisados: teremos de nos adaptar.»