8.12.25

Chávena triangular

 


Chávena e pires de porcelana pintados à mão, “Pouyat Limoges”, decorados com flores roxas, folhas verdes e uma borboleta no pires. Fim do séc. XIX.
As duas peças da Jean Pouyat Co.

Daqui.

António Filipe goza com RAP

 



08.12.1980 – O dia em que mataram John Lennon

 


John Lennon morreu baleado à porta do edifício onde morava – o Dakota Building –, situado numa das esquinas do Central Park de Nova Iorque.

Primeiro um entre quatro, mais tarde a solo, «the smart Beatle», deixou uma marca que mais de quatro décadas  passadas sobre o dia em que foi estupidamente assassinado não apagaram.

Músico por excelência mas não só, activista também, ele que devolveu a medalha de Membro do Império Britânico à Rainha Isabel II, como forma de protesto pelo apoio do Reino Unido à guerra do Vietname e o envolvimento no conflito de Biafra. Já com Yoko, na década de 70, continuou a envolver-se numa série de iniciativas de luta pela paz, sobretudo e ainda por causa do Vietname. Tudo isto e o apoio explícito a organizações da extrema-esquerda, como os Panteras Negras, estiveram na origem de uma perseguição por parte do governo de Nixon, com abertura de um processo para tentativa de extradição.

«Give peace a chance» (1969) e «Power to the people» (1971), entre outras, inscrevem-se expressamente nesta linha de actuação:






E «Imagine», sempre:


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É mesmo por uma questão política que a greve geral faz sentido

 


«É preciso começar por dar razão a Luís Montenegro sobre as motivações dos sindicalistas para convocar uma greve geral - esta greve é mesmo política e as razões para o protesto são graves. Contra a legislação proposta pelo governo há, aliás, políticos de todos os partidos, inclusive dos partidos que se preparam para a aprovar no Parlamento e até uma vice-presidente da direcção do PSD, deixando que Montenegro fique na frágil posição de quem, como chefe do governo, atira a pedra e, como líder do partido, esconde a mão. A “gana” é tanta porque a ministra do Trabalho considera que a legislação actual é desequilibrada a favor dos trabalhadores e um banqueiro assina por baixo, e vai mais longe em relação aos malandros dos trabalhadores, afirmando que “a lei protege quem não quer fazer nada”. É o supremo desplante!

A vontade de legislar contra os interesses dos trabalhadores, assumida por Rosário Palma Ramalho, não cai do céu aos trambolhões mas não foi anunciada no programa eleitoral, como agora pretende dizer o governo. Bem pelo contrário, há coisas que são ditas nesse programa que são o oposto da proposta governamental. Já lá vamos.

LUTA DE CLASSES

Por agora, faço um desvio de rota para explicar porque entendo que esta revisão da Lei do Trabalho - que privilegia quem detém os meios de produção face à força de trabalho - se insere numa questão ideológica mais profunda. Vejamos um exemplo flagrante de exagerada protecção a quem detém o capital, enquanto se dão umas migalhas de IRS à classe média trabalhadora, deixando os trabalhadores mais pobres entregues ao seu próprio destino: o conceito de renda moderada e o que ele implica no rendimento disponível de inquilinos e arrendatários.

Salta à vista de todos que o acréscimo de rendimento dos trabalhadores inquilinos, fruto da descida do IRS, foi largamente comido pela subida dos custos com a habitação, enquanto que o rendimento dos senhorios acompanhou a subida exponencial das rendas. Apliquemos a regras de três simples:

1 - se, para a prestação ou renda de casa, os especialistas colocam nos 30% do rendimento líquido de uma família o limite a partir do qual começa a haver uma sobrecarga habitacional.

2 - se o governo considera o limite de 2300 euros para uma renda moderada e isso significa que, para evitar a sobrecarga habitacional, o rendimento familiar líquido deve rondar os sete mil euros.

3 - Se uma família de trabalhadores, para aquele rendimento paga cerca de 30% de IRS e um senhorio que obtenha o mesmo rendimento bruto paga apenas 10%.

Qual é o resultado desta equação? O governo aposta forte na luta de classes e os donos do capital reforçam a sua vantagem, pagando três vezes menos impostos que a classe trabalhadora.

A talhe de foice também se pode dizer que, com esta política fiscal na habitação, o governo está a dizer aos potenciais investidores que compensa desviar o capital das fábricas, das novas tecnologias, da energia, da agricultura e de outros sectores produtivos que carecem de investimento, mas que pagam mais impostos. O que se consegue com isto é alimentar a bolha imobiliária, criando condições para entrarem novos investidores que garantem sucesso aos que já lá estão - muito parecido com outros esquemas piramidais. Este esquema acabará num de dois dias: no dia em que só estrangeiros possam comprar ou arrendar ou no dia em que os preços de venda ou arrendamento passem a ter em conta o verdadeiro rendimento líquido de uma família da classe média em Portugal. Até lá, o sistema gera desequilíbrios evidentes entre quem tem capital para investir e quem tem necessidade de arrendar. É um sistema que se aguenta, porque até políticos de esquerda alinham, investindo em imobiliário para negociar nas vantajosas condições do mercado, que devem ser iguais para todos - esta é a forma como procuram justificar a sua ganância, pecado capital com milénios de existência.

COM PAPAS E BOLOS SE ENGANAM OS TOLOS

Num trabalho feito pelo jornal "Público", ficou claro que o programa eleitoral da AD não permitia antecipar o que agora está em causa. Para além de umas generalidades, há questões concretas que apontavam no sentido oposto do que agora se pretende. Exemplo flagrante é a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar:

O prometido: programa eleitoral utilizou quase uma centena de vezes a palavra família e os seus dirigentes, em campanha, asseguraram “continuar a apostar na família como a célula base da sociedade e em políticas de apoio à família, de valorização da maternidade e da paternidade, enfrentando a grave crise da natalidade e incentivando as famílias a crescer”.

O proposto: diminuição nos direitos de parentalidade, conciliação e proteção social relativa à família.

A proposta do governo, nas suas traves mestras, também provoca mais precariedade (contratos a termo certo com duração inicial de um ano, em vez dos seis meses atuais, e com possibilidade de duas renovações, até um limite de três anos); vai facilitar o despedimento, desprotegendo o trabalhador contra despedimento injustificado; promove uma maior desregulação dos horários e a precarização das condições de trabalho, enfraquece a contratação colectiva, a acção sindical e o direito à greve.

É legitimo propor este caminho, acreditando que é o caminho certo para aumentar a produtividade nas empresas, fazer crescer a economia e criar novos empregos. Mas entra no domínio da aldrabice política querer convencer alguém que tudo isto não é feito com perda de direitos para os trabalhadores.»


7.12.25

O Estado Novo d Salazar, na memória de quem o viveu

 


«A todos os meus amigos com os votos de um bom Doningo.

Só os portugueses e as portuguesas com mais ou menos 15 anos no dia 25 de Abril de 1974, hoje a rondarem os 65, podem ter memória crítica de algumas particularidades dos últimos estertores do Estado Novo, que viram cair. Rapazes e raparigas com menos idade, ou seja, as crianças desse tempo, talvez se lembrem de um pormenor ou outro. Assim sendo, torna-se evidente que a grande maioria dos nossos adultos no activo pouco ou nada sabem de um regime que nos privou de todas as formas de liberdade, torturou muitos de nós, durante quase meio século e que caiu de podre no dia em que os cravos floresceram nas espingardas dos soldados.

Nos anos de 1930 e 1940, os das duas primeiras décadas de consolidação do Estado Novo, Portugal viveu em situação de ditadura, distinguindo apoiantes do novo regime e oposicionistas, de entre os quais se evidenciaram, por serem publicamente conhecidos, os que “se metiam na política”, localmente referidos como sendo “os do reviralho”. Eram os da chamada oposição democrática, consentida por Salazar, com destaque para os do Movimento de Unidade Democrática (MUD). Criado em 1945, foi extinto três anos depois, em virtude do grande apoio popular que registou, agrupando muitos opositores até então isolados, entre os quais muitos intelectuais e profissionais liberais.

Outros opositores, que quase ninguém conhecia, militando na clandestinidade pelo Partido Comunista, eram activamente perseguidos, primeiro pela PVDE (Política de Vigilância e Defesa do Estado), entre 1933 e 1945, e, depois, pela sua substituta PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). A estes opositores, os “pides” deitavam-lhes a mão, levavam-nos para Lisboa, onde os interrogavam, brutalizavam, guardando-os depois, pelo tempo que entendessem, e, em alguns casos, assassinavam. Para os localizarem e denunciarem havia os informadores, também referidos por “bufos”, uns conhecidos, outros, não, pelo que se dizia que as mesas dos Cafés, os bancos do jardim, as paredes de todo o lado e até as pedras da caçada tinham olhos e ouvidos.

Para além das restrições à liberdade e da censura, fez-se sentir, também aqui, o decreto 27 003, de 14 de Setembro de 1936, que determinava: «Para admissão a concurso nomeação efectiva ou interina, assalariamento, recondução, promoção ou acesso, comissão de serviço, concessão de diuturnidades e transferência voluntária, em relação aos lugares do estado e serviços autónomos, bem como dos corpos e corporações administrativos, é exigido o seguinte documento com assinatura reconhecida: Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição Política de 1933, com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas». E, mais adiante: «Os directores e chefes dos serviços serão demitidos, reformados ou aposentados compulsivamente sempre que algum dos respectivos funcionários ou empregados professe doutrinas subversivas, e se verifique que não usaram da sua autoridade ou não informaram superiormente».

Embora na letra da Constituição de 1933, figurasse o princípio da igualdade entre cidadãos perante a lei, o Estado Novo considerava a mulher como mãe, dona-de-casa e, em quase tudo, submissa ao marido. A lei portuguesa de então, designava o marido como chefe de família, sendo reservado à mulher o governo da casa, o que se traduzia pela imposição dos trabalhos domésticos como obrigação, não tendo os mesmos direitos na educação dos filhos. Não tinha direito de voto, não podia ascender a determinadas chefias nem exercer cargos na magistratura, na diplomacia e na política. Sendo casadas, as nossas mulheres perdiam o direito a intervir nas suas propriedades, não podiam viajar para fora do país sem autorização dos maridos e não podiam trabalhar sem autorização destes. O marido podia dirigir-se ao empregador declarar não autorizar a mulher a trabalhar, o que implicava o seu imediato despedimento.

Em muitos hospitais as enfermeiras podiam ser impedidas de casar. Se casassem, podiam ser obrigadas a abandonar a profissão. As professoras tinham de pedir autorização para casar, o que só era permitido se o noivo satisfizesse determinadas condições, autorização publicada e em Diário da República O divórcio era proibido, devido ao acordo estabelecido com a Concordata de 1940, numa submissão do Estado à Igreja Católica. Assim, todas as crianças nascidas de uma nova relação, posterior casamento, eram consideradas ilegítimas, não podendo ter o nome do pai, ou seja, o do companheiro.

Na orientação ideológica antiliberal e de cariz católica do ditador, a existência da mulher confundia-se com a da família, estando-lhe reservado o espaço doméstico. A Obra das Mães pela Educação Nacional, organização feminina do Estado Novo, criada em 1936, tinha por objetivo “estimular a acção educativa da família e assegurar a cooperação entre esta e a escola nos termos da Constituição” de 1933.

Nascida em 1912, como suplemento feminino do jornal “O Século” a revista semanal “Mulher – Modas & Bordados” dirigida nos primeiros tempos a uma pretensa elite feminina, fornecia-lhe conselhos nos domínios da moda, da culinária, das boas-maneiras e da beleza. Mostrou, porém, alguma preocupação de valorização da mulher, testemunhada pela publicação regular de sonetos da grande poetisa alentejana, Florbela Espanca (1894-1930), uma das primeiras mulheres a frequentar o Liceu Masculino André de Gouveia, onde permaneceu até 1912. Foi, porém, com Maria Lamas (1893-1983), opositora ao regime e feminista, na direcção desta revista que a luta contra a secundarização da mulher se fez sentir, não só em Évora, onde tinha ligações familiares, como no país.

Depois de duas décadas de confronto com o liberalismo e o republicanismo, a chamada pax salazarista proporcionou à Igreja (grandemente afectada durante a Primeira República) um terreno propício à sua reimplantação e reestruturação interna. Nestes propósitos, assumiu papel fundamental o então Patriarca de Lisboa, Dom Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), dirigindo a Igreja Católica Portuguesa durante o Estado Novo. Elevado ao cardinalato, em 1929, pelo Papa Pio XI, foi amigo íntimo e companheiro de Salazar (militante católico nos tempos da Primeira República), no Centro Académico da Democracia Cristã, em Coimbra.

Com a subida de Salazar ao poder, o cardeal Cerejeira pôde garantir, à Igreja, potecção, respeito e liberdade de acção. Estava na sua mente recuperar e salvaguardar os privilégios do catolicismo, como Igreja do Estado, afastados pela Primeira República, tendo tido papel fundamental na assinatura da Concordata com a Santa Sé, em 1940, na criação da Acção Católica Portuguesa, visando a “recristianização” da sociedade, na obrigatoriedade do ensino religioso, na abertura de novos seminários e casas religiosas, bem como no desenvolvimento da imprensa católica.

Em 1936, com Carneiro Pacheco no Ministério da Educação Nacional (anteriormente chamava-se da Instrução Pública), reforçara-se o papel da escola no controlo ideológico e orientação política dos alunos, na prevalência do livro único, no culto das virtudes nacionalistas e no elogio da vida modesta e rural. O fervor patriótico e o cunho religioso enquadrados na ideologia oficial do Estado Novo estavam diluídos nas matérias curriculares, nomeadamente, na Leitura, na História e na Geografia, no propósito de, a partir dos bancos da escola, então com início aos sete anos de idade, estimular estas virtudes nos homens e mulheres do futuro.

Nestes anos, o ensino obrigatório ainda terminava com o exame da 3ª classe (3º ano, como agora se diz), certificado pelo diploma do “Primeiro Grau”, exigível, por exemplo, para ingresso nos lugares mais humildes da função pública, no comércio, como caixeiro, nos correios, como carteiro ou boletineiro e, até, para ser eleitor. Ler, escrever e contar era tudo o que, o cidadão comum necessitava para fugir à vida do campo, ao aprendizado artesanal ou oficinal e a outros trabalhos que apenas fizessem uso da força braçal. Esta habilitação mínima vigorou até 1956. A partir de então, a escolaridade aumentou para 4 anos, apenas para os rapazes. Só quatro anos depois, esta obrigatoriedade foi decretada para as raparigas.

Na Escola Primária, a pedagogia estava na ponta da régua, versão escolar da tradicional palmatória ou menina de cinco olhos. Com algumas professoras, as reguadas estalavam nas mãos das crianças “por dá cá aquela palha”, quer por motivos de disciplina, quer por erros nos ditados, nas contas e em quaisquer outras matérias.

À margem da Escola Primária havia as chamadas “Escolas Incompletas”, criadas em 1930, mais tarde designadas “postos escolares”, com o propósito de combater o analfabetismo no seio de populações sem escola nem condições mínimas de fixar professores. Aqui o ensino era ministrado por “regentes escolares”. Na imensamente maioria mulheres, ganhavam metade do ordenado de um professor, bastava que possuíssem a 4ª, que demonstrarem ter bom comportamento moral e adesão ao regime e eram, de preferência, oriundas dos próprios locais.

A análise histórica da documentação permite verificar que, nesses anos, os professores, diplomados pelas Escolas Normais, foram sendo substituídos pelos regentes escolares, em especial nas aldeias e na periferia das cidades. A escolaridade obrigatória, como se disse, baixara para a 3.ª classe e as crianças estavam preparadas para trabalhar e ouvir o sermão do senhor padre aos Domingos.

No discurso de Salazar, proferido em 12 de maio de 1935, na sede da Liga 28 de Maio, em Lisboa, Salazar disse: Oiço muitas vezes dizer aos homens da minha aldeia, «Gostava que os pequenos soubessem ler para os tirar da enxada». E eu gostaria bem mais que eles dissessem: «Gostaria que os pequenos soubessem ler, para poderem tirar melhor rendimento da enxada»

António Galopim de Carvalho no Facebook

Vá para a sua terra

 


Trelas sem cães? Loucura mansa

 




Rombos na democracia

 


«Celebra-se na próxima quarta-feira, dia 10 de dezembro, o Dia Mundial dos Direitos Humanos, em homenagem à adoção da Declaração Universal assumida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. Trata-se de um dos compromissos coletivos mais relevantes na história da Humanidade, identificando com carácter global os direitos dos seres humanos. Num quadro em que as causas e horrores da II Guerra Mundial estavam vivos, a declaração veio exaltar a paz, a dignidade humana, a igualdade, a cidadania, os valores da democracia. Nela se inscreveram os direitos fundamentais do e no trabalho (arts. 22 a 25), como direitos humanos.

Um conjunto de factos ocorridos recentemente surgem-nos carregados de violações daquela Declaração Universal e como rombos na democracia. Donald Trump, contra todas as leis em que se funda o próprio Estado norte-americano, afundou embarcações de outros países e matou pessoas, no pressuposto (sem prova real) de que se dedicavam ao tráfico de droga. Ao mesmo tempo, indultou um ex-presidente das Honduras, esse, sim, condenado em tribunais americanos a 45 anos de prisão por tráfico de droga. As justificações que veio dar confirmam que este banditismo se integra numa perigosa ação política (já condenada pelo Papa) para instabilizar países da América Latina, nomeadamente a Venezuela.

Na Europa, tivemos a ex-vice-presidente da Comissão Europeia Federica Mogherini - que foi alta representante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança entre 2014 e 2019 - detida por procedimentos corruptos na seleção de alunos no Colégio da Europa, de que é atualmente reitora e onde se formatam diplomatas para o futuro. É mais uma acha para a fogueira das atuações contraditórias de dirigentes europeus, que destroem a credibilidade da UE.

No plano nacional, uma organização patronal da construção civil afirmou que, para o setor executar as obras em curso ou a iniciar brevemente, necessita de mais 80 a 90 mil imigrantes. Somando os que farão falta na hotelaria, restauração e agricultura, ou noutros subsetores da indústria e no setor social, ficamos com um quadro assustador. A legislação que o Governo anda a produzir e os procedimentos que adota são desastrosos e ampliarão a gestação de organizações mafiosas como a que recentemente foi identificada no Alentejo.

Portugal está a passar de um país que dispunha da confiança dos estrangeiros para um país suspeito que os trata mal, que coloca agentes do Estado a condicioná-los e a reprimi-los. Assim, continuaremos a ter forte emigração e a ser incapazes de encontrar soluções para os setores da saúde, do ensino, da proteção social. Não temos uma governação do país, mas sim um Governo de uma minoria privilegiada e apenas ao serviço dela.

Na evocação da Declaração Universal dos Direitos Humanos e na greve geral da próxima quinta-feira, denunciemos rombos causados à democracia e lutemos por políticas justas.»



6.12.25

Alegremos o serão



 

Vaso ornamental com duas pegas, 1877.
Projecto: Hermann Herdtle.


Daqui.

"Imaginação"

 


Frank Gehry

 


«Reconhecido mundialmente pelo Guggenheim de Bilbau — o edifício que transformou uma cidade industrial num destino cultural global —, Gehry tornou-se uma verdadeira estrela da arquitetura com o seu traço ousado, feito de torres inclinadas e grandes superfícies metálicas curvas.»


“Portugal é o melhor país do mundo.” Não é

 


«Há duas coisas a crescer nos nossos dias, resultado da inflexão populista de direita radical que domina toda a agenda mediática, influencia a acção governativa e castra a esquerda mole: uma é o nacionalismo de pacotilha, outra a ignorância da “cultura ocidental”, ambas ligadas uma à outra. O mecanismo é hipócrita, num caso vem de se bater no peito por “Portugal” e noutro de se valorizar a identidade cultural do “Ocidente”, contra a “cultura woke”. Em ambos os casos, com uma gigantesca ignorância, que esta inflexão política agrava. É muita coisa para um artigo só, por isso vamos ficar com o pseudonacionalismo, e a cultura “ocidental” fica para depois.

Comecemos pelo nacionalismo, que é no caso actual exactamente igual no discurso, no tempo e no modo, ao do Estado Novo. A frase de que “Portugal é o melhor país do mundo” é falsa. Não é, é um país pobre, em que muitos portugueses vivem na pobreza, com elites sem coragem e cada vez mais ignorantes, distraído dos seus problemas pelo futebol e pelos reality shows, com criminalidade assente na violência doméstica e na corrupção, com uma política do grau zero. Tudo isto não é fruto de cinquenta anos de democracia, bem pelo contrário, o que há de melhor na nossa história recente deve-se ao 25 de Abril, à liberdade, à democracia, ao enorme desenvolvimento que uma fotografia aérea revela melhor do que quaisquer palavras, e que todas as estatísticas mostram.

Mas isso, insisto, não o torna o “melhor país do mundo”. Mas é o meu país, e isso para quem é patriota significa muito. É a minha cultura, a minha língua, a minha história, a minha terra, tudo coisas que o nacionalismo de pacotilha ataca, ignorando a cultura, falando e escrevendo mal o português, falsificando a história e desprezando a terra, a nossa terra. As coisas que fazem a nossa identidade de portugueses são ignoradas, a favor de guerras culturais viciadas à partida. É uma espécie de discurso woke de direita radical, exactamente com os mesmos mecanismos do woke de esquerda.

A nossa história tem muitos pontos negros que, aliás, partilha com a história universal, umas vezes pior e outras melhor. Falar da história não é ocultá-los ou falseá-los, para aparecermos como uma espécie de cavaleiro branco intangível com uma espada numa mão e na outra a cruz. O que estes nacionalistas esquecem é que ao fazer isto diminuem Portugal.

Um dos exemplos recentes é a reacção a uma frase do discurso do Presidente de Angola, João Lourenço, que reproduzo da versão oficial: “São passados 50 anos desde que, como resultado da nossa luta, deixámos para trás 500 anos de colonização, escravatura e humilhação.” O que vou dizer a seguir não legitima nem o emissor nem o regime do MPLA, ambos a desgraça de Angola.

Vamos admitir que se está num debate, e não numa cerimónia oficial. Como é que os nossos nacionalistas responderiam a esta frase? Ela é parcialmente falsa, e essa é a parte mais fácil de responder: não houve 500 anos de escravatura. Dois aspectos são verdadeiros: o da colonização e o da humilhação. Até 1975, Angola foi uma colónia, pesem embora os malabarismos da ditadura, para falar de “províncias ultramarinas” e a escola de Adriano Moreira para legitimar a colonização. Historicamente, o que houve foi “colonização”, e essa parte é irrespondível, como aconteceu com todas os países colonizadores da Europa. E dizer que a colonização portuguesa foi “melhor” do que as outras é também falso, mas isso implica conhecer a história desde o século XIX, das campanhas de “pacificação” à guerra colonial. Acima de tudo não esquecer a guerra colonial.

Depois, a parte da “humilhação” é mais complicada, implica colocarmo-nos do outro lado, coisa que seria facilitada se nos lembrássemos do que se diz do período dos Filipes e do significado do 1.º de Dezembro de 1640. Não se poderia dizer o mesmo da “humilhação” dos portugueses sob domínio espanhol? Podia. Embora João Lourenço não seja a personagem mais autorizada para falar de domínio humilhante, tanto mais que Angola teve outros “donos” depois da independência, cubanos e russos, é perfeitamente legítimo que um angolano patriota se tenha sentido humilhado nos anos da colonização. Sim. Porque o sentimento patriótico não é exclusivo dos portugueses, também, convenhamos, existia em Angola. Um patriota angolano olha para a sua identidade negra, para o imposto de palhota para abrir caminho a trabalhos forçados, aos castigos corporais, para a exploração por estrangeiros dos recursos naturais do seu país, para a miséria na saúde, na escola, na habitação, nas múltiplas violências face aos mais fracos. Não é preciso ir às publicações anticoloniais, basta ler os relatórios militares, por exemplo, na região de Carmona, em Angola, após os massacres da UPA e da reacção dos “fazendeiros”, com outros massacres, aproveitando a situação para explorar a mão-de-obra negra de tal maneira que os militares tiveram de intervir. Há milhares de documentos do lado colonial que denunciam a situação “humilhante” e os abusos dos portugueses.

Este é um exemplo recente, mas há muitos mais. Falar do colonialismo não significa ocultar as violências dos movimentos de libertação, nem a tragédia dos retornados, nem a guerra civil que praticamente destruiu muitas províncias das antigas colónias, nem ocultar a sucessão de execuções e vinganças que, da Guiné a Moçambique, tiveram como alvo não só os colaboradores com os portugueses como os rivais internos. “Eles” não são melhores do que “nós”, no que diz respeito aos direitos humanos, mas nós não somos certamente superiores nas indignações selectivas, até porque muito do que se passou é nossa herança e da guerra colonial, fundamentalmente injusta se quisermos usar estes termos. Toda a apologia nacionalista, que oculte esta responsabilidade, falsifica a história e é apenas manipulação política.»