14.4.25

Deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar!

 


«Desde “Obrigado José Sócrates”, ou “O Menino Guerreiro”, para Pedro Santana Lopes, que um líder perseguido não tinha direito a um hino. Desta vez, veio em sertanejo cavaquista: “Deixa o barco navegar/Não é hora de parar/A esperança vai renascer/Deixa a gente ser feliz/Deixa o Luís trabalhar/Que um novo futuro vai acontecer” E depois vem o refrão: “Deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar/Ele tem palavra/Ele tem valor/Deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar.”

Não vou brincar com o “trabalho” de Montenegro na Spinumviva. Fico-me pela referência literária a Cavaco Silva, quando, perante as críticas, a oposição, o escrutínio, os contrapesos democráticos a que chamou “forças de bloqueio” a todos os limites ao seu poder, apelou à anemia democrática em nome da eficácia da governação. “Deixem-me trabalhar” foi, no seu tempo, o grito autoritário do líder que se julga acima das instituições que circunstancialmente dirige, como se as regras e a ética que limitam o seu trabalho não fossem o trabalho da democracia.

É sabido que Luís Montenegro tem Cavaco Silva como mestre. E o ego do antigo líder, que o País apreciou, mas nunca com a devoção de que se acha merecedor, só tem uma lição a dar ao discípulo: se fizeres como eu fiz, se fores como eu fui, tudo correrá pelo melhor. E desde que chegou ao poder é isso que Montenegro tenta fazer. A estratégia da queda rápida do governo era a mesma de 1987, só que, não havendo o cão da moção de censura, caçou com o gato da moção de confiança. De resto, tudo igual: exibir um desrespeito altivo por jornalistas e oposição e, perante o escrutínio, nunca oferecer mais do que indignação. Até tem o desplante de dizer que o “Expresso” e o “Correio da Manhã” não escrutinavam assim o PS. Que o digam Costa, Galamba e Pedro Nuno Santos.

Nada em Montenegro é autêntico. Nem a arrogância, nem os silêncios, nem a indignação. Montenegro era um cacique local que fez carreira em pequenos esquemas (independentemente da sua legalidade, que é outro debate). Está muito longe de ser o único, no PS, no PSD ou em qualquer partido que se aproxime do poder. Só que, por uma conjugação dos astros, chegou a primeiro-ministro. Era quem lá estava, depois de vencer um homem competente e sério, mas sem ponta de carisma (Jorge Moreira da Silva), quando chegou a inevitável mudança de ciclo. Depois de oito anos de poder do PS e com a saída de Costa, tinha de ser. Como teve de ser quando Cavaco partiu. E, mesmo assim, ficou-se por 50 mil votos de vantagem face a um partido desgastado por tanto tempo a governar e um opositor também desgastado, apesar de acabado de chegar à liderança do PS.

Quando o silêncio deixou de funcionar e o passado veio ao de cima, Montenegro disse a frase que é o seu lema ético: “o primeiro-ministro não fez nem mais nem menos do que faz qualquer português". É com esta autocomplacência nacional que conta. A que ouvi numa conversa, este fim de semana, a um eleitor da AD: Montenegro não será flor que se cheire, mas não é altura para mudar, e, de qualquer das formas, “são todos iguais”. Tenho dito que o voto no Chega não é de indignação ética, mas de acomodação. Por isso os seus escândalos não o afetam. É nessa mesma acomodação que Montenegro aposta.

Quando era óbvio que ia macaquear Cavaco, usando a mesma arrogância altiva e a mesma gestão de silêncio para esconder as suas próprias fragilidades e inseguranças, escrevi que, no tempo das notícias 24 sobre 24 horas e das redes sociais, seria outro o escrutínio. Mas talvez o excesso de ruído seja igual ao silêncio de quando só havia RTP (só no fim do mandato de Cavaco as coisas mudaram). Veremos a 18 de maio. Uma coisa é certa: este hino apela ao passado. É, na política, na ética e na estética, uma cópia pirata do cavaquismo. Como Montenegro.»



13.4.25

Não é azul mas…

 


Decantador Arte Nova em vidro com sobreposição prateada. Cerca de 1900.
Empresa de fabricação de Gorham.

Daqui.

Eduardo Galeano

 


Galeano morreu há dez anos.

Carlos Matos Gomes

 


Ainda há poucos dias escrevia no Facebook. Não o fará mais porque uma notícia chegou esta manhã com estrondo. 

Lia-o muito, só estive com ele três ou quatro vezes. Mas admirava-o. Polémico em muitas situações, tenaz sempre.

Inaceitável! A liberdade académica não responde a interrogatórios ideológicos

 


«Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo, esperando que seja o último a ser comido.
Winston Churchill

Há momentos em que o silêncio institucional é cumplicidade. E este é um desses momentos. A revelação de que a Embaixada dos Estados Unidos, em Lisboa, enviou às universidades portuguesas um questionário ideológico — exigindo respostas sobre “agendas climáticas”, “relações com partidos comunistas e socialistas”, ou “estratégias para preservar mulheres das ideologias de género” — representa uma violação frontal da liberdade de pensamento, da autonomia universitária e da soberania científica do Estado português.

Este não é um episódio menor. É uma tentativa clara e deliberada de condicionar a atividade académica com base em critérios políticos e ideológicos impostos por uma potência estrangeira. A reação do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, expressa pelo seu presidente, Paulo Jorge Ferreira, é inequívoca: as perguntas enviadas foram “intoleráveis”. Mas isso não basta.

É imperativo que o Governo português, as universidades e a sociedade civil se pronunciem com firmeza: Portugal não tolera inquisições ideológicas.

Mais inquietante ainda é o contexto em que tudo isto ocorre. Portugal investe, anualmente, milhões de euros em parcerias com instituições norte-americanas como o MIT, Carnegie Mellon e a Universidade do Texas em Austin. Essas colaborações — com aspetos positivos — tornam-se perigosas se não forem acompanhadas por mecanismos robustos de proteção da liberdade científica e de escrutínio político.

Colocam-se agora questões que não podem mais ser adiadas: as instituições envolvidas nestas parcerias também receberam este tipo de questionário? E, se ainda não o receberam, estarão imunes a este tipo de pressão? E, caso o venham a receber, como reagirão as instituições portuguesas e o próprio Governo: manterão a dignidade, ou cederão a condicionalismos inaceitáveis?

O que está em causa não é apenas a autonomia da universidade X ou Y. É o modelo de sociedade que queremos defender. O questionário enviado às universidades portuguesas não é um gesto isolado. Inscreve-se numa lógica crescente de exportação ideológica e de pressão sobre instituições académicas, que visa normalizar a intolerância e o controlo do pensamento sob o pretexto da segurança ou da “neutralidade de valores”. Esta ofensiva — herança de uma Administração Trump que procura minar ativamente os consensos científicos e os valores democráticos — continuará a ter ramificações concretas, mesmo após a sua saída formal do poder.

Não nos enganemos: este tipo de práticas, se não forem travadas, corroem as democracias por dentro. Começam nos questionários e terminam em censura e autocensura, na exclusão de temas incómodos e no silenciamento de vozes críticas. E quando isto acontece dentro das universidades, que são — ou deviam ser — os últimos redutos de liberdade de pensamento, é o próprio regime democrático que entra em falência lenta.

É por isso que a recente recomendação do Conselho da União Europeia sobre segurança da investigação (2024) não pode ser ignorada. Os Estados-membros são chamados a proteger os seus sistemas científicos contra interferências externas e riscos híbridos. Portugal tem aqui uma obrigação moral e política de agir — não apenas em defesa dos seus investigadores, mas em defesa da própria democracia europeia.

A ciência não se submete a inquéritos ideológicos. A liberdade académica não responde a embaixadas. E a soberania de um país não se negoceia em troca de favores culturais ou bolsas de investigação. O que está em causa não é uma mera troca diplomática. É a linha que separa uma sociedade livre de um Estado sabujo.

Não basta indignar-nos. É preciso traçar limites. Claros. Públicos. E inegociáveis.»


12.4.25

E são todos azuis

 


Frascos de perfume.
Thomas Webb.


Daqui.

Saudades destes tempos?

 


Sei lá, sei lá… Mas para pior já basta assim.

Montserrat Caballé

 


Monserrat Caballé faria hoje 92 anos e morreu com 85. Vale sempre a pena recordá-la:




E o que nunca será esquecido: em 1988, gravou com Freddie Mercury o álbum Barcelona. Quatro anos depois, na abertura dos jogos olímpicos naquela cidade, já sem a presença do cantor, que morrera em 1991, interpretou a mítica canção, num impressionante dueto virtual, que viria a ser repetido em 1999, antes da final da UEFA Champions League.



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Quadro de honra/Quadro da vergonha

 


«Há uma coisa em que nunca me enganei: quem é Donald Trump e ao que vinha. Embora nenhuma personagem-tipo da Commedia dell’Arte seja perfeita para caracterizar Trump, ele é um misto de Il Capitano, o mais célebre dos quais é Scaramuccia, com um dos Vecchi, Pantalone, e é neste sinistro Carnaval que estamos metidos.

Escrevi há algum tempo sobre as suas “vantagens” – hesitei e hesito em dizer qualidades –, mas isso não é muito relevante, e como elas revelam aspectos da erosão interior das democracias. Referi que tinha “carisma”, qualificação que só pode surpreender aqueles que estão habituados ao uso vulgar da palavra para designar pequeninos políticos nacionais com alguma fama mediática mais extravagante. “Carisma” é outra coisa e aplica-se inteiramente a Trump, e não é por estar todos os dias metade do tempo a fazer o seu show televisivo e três dias da semana a jogar golfe e, obviamente, a ganhar tudo. Ainda me lembro de quando se ironizava com Fidel Castro porque jogava com uma equipa de basquetebol constituída pelos seus seguranças e ganhava tudo.

Na verdade, Trump usou e usa em todo o seu esplendor as suas capacidades mediáticas, mostrando o que é, no limite, a completa subjugação do Logos e do Ethos ao Pathos característica do contínuo político-mediático actual. E ninguém como ele vai mais longe em tornar os tempos actuais “interessantes”, o que é, como se sabe, uma maldição. E caracterizei o que se estava a passar nos EUA sob a sua presidência como uma “revolução”, o que, de novo, só pode surpreender quem acha que a palavra só pode ser usada para casos como os da Rússia de 1917, ou da China, ou de Cuba.

Classifiquei-o de, com Putin, ser o par mais perigoso do nosso tempo, com todas as vantagens para Putin, que o domina pela exploração da sua motivação única, a vaidade. Disse que, em toda esta questão da guerra contra a Ucrânia, ele se está literalmente “marimbando para todos”, russos e ucranianos, e que quer apenas poder um dia, num tweet na sua rede social Truth Social, dizer que fez a “paz” pela sua força e pelo seu génio.

Acresce que eu penso mesmo que ele não é bom da cabeça, signifique isso o que significar, e que o seu narcisismo é patológico. Não é muito relevante esta minha convicção, a não ser para achar patética a tentativa de encontrar racionalidade no que ele faz, com as habituais justificações que a imaginação académica encontra, desde o “transaccionável”, à “art of the deal”, ao estertor do capitalismo americano. Uma coisa, no entanto, ele está a fazer: a transformar os EUA numa oligarquia autoritária, a caminho para um regime sem lei, de violência, perseguição, censura e exclusão, e isso basta-me para fazer, com os meus frágeis meios, resistência. Uma forma é esta: como o modo como se lida com ele, mesmo à distância portuguesa, é relevante, fica aqui uma dupla de dois quadros contrários para que se louve a coragem e a espinha direita, e se punam os covardes e os sicofantas que são a sua força. Será periodicamente renovado.




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11.4.25

Janelas muitas

 


Janelas Arte Nova de diversos formatos na Bélgica e em França. Cerca de 1900.

Daqui.

11.04.1964 – A cooperativa PRAGMA – Uma bela história

 


Se é totalmente incorrecto fazer coincidir o início da oposição dos católicos ao salazarismo com a década de 60, não há dúvida que foi nela que se deu a verdadeira explosão de actividades daquela oposição. Dois factores contribuíram decisivamente para que isto acontecesse: dentro da Igreja, as perspectivas de abertura criadas pelo Concílio Vaticano II e o conservantismo da Igreja portuguesa; na sociedade em geral, a ausência de liberdades elementares e a manutenção da guerra colonial, com todas as insuportáveis consequências que arrastou. Ao invocarem a sua condição de católicos em iniciativas cada vez mais radicais, aqueles que o fizeram atingiram um dos pilares ideológicos mais fortes do regime e este foi acusando o toque.

É certo que se tratou de uma oposição que manteve sempre uma certa informalidade organizativa. Concretizou-se em iniciativas e instituições, mais ou menos ligadas entre si através dos seus membros, mas, em parte propositadamente, sem uma estruturação sólida e definida. Daí derivaram fraquezas e forças e, definitivamente, características específicas.

A Pragma foi uma dessas instituições – com uma importância e projecção ainda relativamente desconhecidas. Foi fundada por um grupo de católicos, em 11 de Abril de 1964, como uma «Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária». Porquê uma cooperativa? Porque foi a forma de tirar o partido possível de uma lacuna legislativa: as cooperativas não tinham sido abrangidas pelas limitações impostas ao direito de associação e, por essa razão, nem os seus estatutos eram sujeitos a aprovação legal, nem a eleição dos seus dirigentes a ratificação pelas entidades governamentais. Forçando uma porta entreaberta por um lapso do poder, os fundadores da Pragma puseram mais uma peça no puzzle da oposição ao regime – cuidadosa e imaginativamente.

Desde o seu núcleo inicial, a Pragma não se restringiu ao universo «intelectual» e incluiu também sócios provenientes do meio operário, nomeadamente dirigentes e militantes das organizações operárias da Acção Católica. Os horizontes abriram-se rapidamente e muitos dos seus futuros membros nem sequer seriam católicos. Aliás, a Pragma acabou por funcionar também como uma espécie de plataforma aglutinadora de elementos da esquerda não-PC que, por não estarem integrados em qualquer estrutura organizativa, nela identificaram um espaço de debate e de encontro (foi o caso, por exemplo, de muitos activistas das lutas estudantis de 1962).

Subjacente a este novo projecto estava, obviamente, um posicionamento de oposição ao regime como um todo, à falta de liberdades, à guerra de África. Pretendeu-se explorar mais uma janela legal de oportunidades, complementar outras iniciativas, criar possibilidades para acções concretas e úteis, aumentar a consciência política e social de um número cada vez maior de pessoas.

Mais detalhes aqui.
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Já cá chegaram

 


Notícia detalhada AQUI.