22.3.25

Antes dos teclados

 


Tinteiros Arte Nova. Fim do século XIX / início do XX.

Daqui.

Gouveia e Melo

 


Livra! Ouvido algures:
«Tem tudo para agradar a um certo tipo de portugueses, é Cavaco com a farda de Eanes».


Os mortos que ninguém chora

 


«As bolsas de resistência política à imigração começaram nos países onde os movimentos extremistas eram mais vocais, mas rapidamente o discurso securitário, tendente ao fecho de fronteiras e ao controlo da legalização de cidadãos, ganhou tração noutras latitudes. Portugal incluído. Também aqui, a dicotomia esquerda-direita se foi esbatendo e hoje não é invulgar encontrarmos socialistas e sociais-democratas um pouco por toda a Europa que defendem o reforço de medidas restritivas no acolhimento e na legalização desses imigrantes. Em certo sentido, a Europa humanista, de braços abertos para o outro, já não existe enquanto projeto civilizacional comum. Hoje, os esforços estão alinhados com as máquinas de guerra.

O ano passado deixou-nos uma mancha negra: foi o pior de sempre em número de mortes de migrantes. Quase nove mil pessoas morreram enquanto tentavam “dar o salto” para outra existência.»

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“Democrazy” e o fim do bem comum

 


«O que acontece quando a memória histórica se esbate e os mesmos erros do passado se repetem, envoltos em novas tecnologias e dinâmicas sociais? A ascensão da desinformação, o retrocesso dos direitos fundamentais e a substituição da justiça pela força são sintomas claros de um sistema democrático que se desfigura.

A indiferença face ao avanço de forças autoritárias pode transformar-se, mais cedo ou mais tarde, numa prisão colectiva. A desigualdade cresce, enquanto a liberdade torna-se um privilégio de poucos. O medo, a raiva e o ressentimento – emoções que moldam o comportamento humano desde sempre – são hoje amplificados por algoritmos, redes sociais e discursos de ódio que ecoam numa sociedade cada vez mais fragmentada e polarizada.

Orwell e Huxley anteviram dois futuros distópicos: um onde a repressão é brutal e declarada; outro onde o prazer anestesia a crítica. Hoje, vivemos uma síntese dos dois. A política da pós-verdade e do espetáculo, o consumo compulsivo de entretenimento e a insaciável busca de validação digital assemelham-se ao “soma” de Admirável Mundo Novo – um paliativo social que perpetua a apatia.

Entretanto, as democracias perdem terreno para regimes que não têm pudor em usar o medo e a violência como moeda de troca. O avanço da militarização e da retórica belicista reforça o velho princípio de Sun Tzu: a diplomacia só é eficaz quando sustentada pela força. No entanto, se a história ensina algo, é que o verdadeiro poder reside na construção de sociedades coesas, guiadas pela humildade, pela gratidão e pelo compromisso com o bem comum.

A falácia da meritocracia, repetida como um mantra neoliberal, justifica injustiças e desresponsabiliza Estados e elites. Mas uma sociedade saudável não se pode basear exclusivamente na competição desenfreada. Precisamos de resgatar a ética e a empatia, sem as quais a democracia se esgota, tornando-se uma caricatura de si mesma – uma “democrazy”, onde a liberdade não passa de um slogan vazio.

Para fortalecer a democracia e combater a “democrazy”, é fundamental investir na literacia mediática e no pensamento crítico desde os primeiros anos de educação, com vista à capacitação dos cidadãos para discernir a desinformação, compreender a complexidade dos problemas sociais e participar de forma mais informada e ética no debate público. Além disso, seria crucial promover espaços de diálogo inclusivos e plurais, que permitam a construção de um entendimento mútuo e o desenvolvimento de soluções coletivas para os desafios enfrentados.

O futuro ainda não está escrito. Mas, para que a democracia sobreviva, é urgente que nos recordemos: a história não perdoa os que se recusam a aprender com ela, mas oferece oportunidades àqueles que ousam inovar construindo pontes para um futuro comum mais justo.»


Ricardo Paes Mamede: que política económica poderemos debater nesta campanha?

 

21.3.25

Biscoitos e mais biscoitos

 


Biscoiteiras Arte Nova em vidro esmaltado com motivos florais.
François-Théodore Legras.

Daqui.

Discriminação Racial

 


Apoios a Gouveia e Melo

 


Do PSD e não só.

Daqui.

A campanha no “beco ético”

 


«Filas de comentadores pedem, em modo Miss Mundo, uma campanha que não se espoje na “lama”, expressão para o escrutínio às relações financeiras de um primeiro-ministro em exercício com empresas que dependem de decisões do Estado. Isto até seria possível, mas não aconselhável, em eleições normais, mesmo com um candidato sob suspeição. É impossível quando foi o próprio a exigir um plebiscito à sua honestidade. O tema desta campanha são mesmo os “becos de natureza pessoal e ética” de Montenegro, usando um eufemismo do Presidente. E há pelo menos um beco que, vença quem vencer, continua¬rá sem saída: nenhum primeiro-ministro pode receber uma avença, diretamente ou através de uma empresa de fachada, ou pode achar que as suas relações empresariais estão defendidas por qualquer tipo de sigilo. A CPI teria servido para que a vitimização em campanha não ocupasse o lugar do escrutínio no Parlamento. E a certeza que o primeiro-ministro iria ser “torrado” é sinal de pouca confiança nos factos e nas provas.

Fora isto, o que há para debater? Os programas dos partidos serão semelhantes aos do ano passado, os líderes são todos os mesmos. De lá para cá o mundo mudou, mas não estou seguro de que os dois principais candidatos tenham coisas diferentes a dizer sobre as consequências da vitória de Trump. Insensível a três eleições e dois Governos em quatro anos, a nossa economia foi crescendo, enquanto saltávamos entre crises políticas ao dobro do ritmo da zona euro. As crises do SNS e da habitação continuam a agravar-se, com a ajuda de uma desastrosa ministra da Saúde e de políticas que inflacionaram ainda mais os preços das casas. Pelo menos as promessas de soluções em 60 dias não se repetirão. O dinheiro do excedente herdado foi distribuído, como se esperava, a pensar num ciclo curto. É o trunfo deste Governo, depois de Costa nos ter andado a dizer que era insustentável responder às exigências de professores, polícias e oficiais de justiça. Com custos para a eficácia do Estado e, já agora, para o PS.

O Governo também não caiu por um bloqueio político ou por ação da oposição, como na Madeira. O PS viabilizou-lhe o programa e o Orçamento, com alterações que, no fim, se resumiram a matar uma versão do IRS Jovem que até Montenegro reconheceu ser disparatada e descer menos um ponto percentual o IRC. E há poucas semanas inviabilizou duas moções de censura. O Presidente foi amigo e poucas leis tiveram de passar pela Assembleia da República. Nunca um Governo com uma base parlamentar tão curta teve tanto espaço de manobra.

Passado um ano das últimas eleições, e sem um bloqueio que tenha impedido a governação, como raio poderíamos não passar uma campanha a discutir a falta de ética de Montenegro? É a única razão para termos sido obrigados pelo próprio a voltar às urnas. É verdade que, com a atual intensidade mediática, tudo cansa muito depressa. O arrastão, que mistura o relevante com o acessório, o rigoroso com a mentira, tende a dessensibilizar as pessoas. Mas que o PSD não se iluda: mesmo desfocado, o perfil de Luís Montenegro mudou para sempre e com toda a justiça. As pessoas nunca mais o verão da mesma forma. E que o PS não se iluda: seria um enorme erro Pedro Nuno Santos concentrar o seu discurso nestes casos. O estrago já foi feito por Montenegro e pairará na campanha. O resto será feito pelos outros partidos, figuras secundárias do PS e notícias que saiam. O líder da oposição precisa de conquistar o que faltou há um ano: credibilidade para converter o desgaste de Montenegro em voto no PS. Não faltam indecisos numas eleições que ninguém queria. Falta confiança numa alternativa. Isso não se faz a falar da empresa do primeiro-ministro.

Estou convencido de que, com mais ou menos clareza, a maioria dos portugueses já percebeu que as relações de Montenegro com algumas empresas são, sendo delicado, muito pouco saudáveis. O que nos será perguntado não é se acreditamos nele. Suspeito que, se dependesse apenas disso, a sua vitória seria improvável. O que nos será perguntado é se, havendo uma situação económica estável e tendo distribuído dinheiro, nos importamos com a vulnerabilidade de quem nos governa. É que isto não vai desaparecer depois das eleições. Acontecendo depois de Sócrates, este “plebiscito” será mais sobre nós do que sobre o primeiro-ministro. Em geral, sou pouco otimista em relação à exigência da maioria das pessoas nesta matéria. Se a vitória do ano passado não tivesse sido tão curta, ia ao Estoril apostar que Montenegro se aguentava, como Albuquerque se aguentará. Veremos se o líder do PS, que ao fim do ano já não é visto como “irresponsável”, consegue conquistar mais do que a deceção ética com Montenegro.»


Nova Iorque contra o genocídio