20.11.24

Japão

 


Vasos de porcelana nipónica antiga, com decoração de vidro e motivos florais, 1908-1914.

Daqui.

Na Rússia continua a cair-se acidentalmente de varandas

 


«Na Rússia continua a cair-se acidentalmente de varandas Na noite de sábado, Vladimir Shklyarov, um dos mais consagrados bailarinos mundiais da atualidade e primeiro-bailarino da companhia do Teatro Mariinsky, em São Petersburgo, caiu da janela de sua casa e teve morte imediata. De acordo com os relatos da agência noticiosa estatal russa, Shklyarov deslocou-se à varanda estreita do seu apartamento num 5.º andar para fumar e tombou em direção à rua. Os relatos acrescentam que o bailarino ia ser submetido a uma operação à coluna, estava a tomar analgésicos e a morte é descrita como um acidente estúpido. Como sabemos, quem toma analgésicos tende a cair de varandas e os bailarinos são caracterizados por uma propensão particular ao desequilíbrio.»


21.11.1898 – René Magritte

 


25 de Novembro: uma comemoração despropositada

 


«Comemorar os 49 anos do 25 de Novembro na Assembleia da República com o mesmo modelo dos 50 anos do 25 de Abril é uma aberração. Comemorar os 50 anos do 25 de Novembro com o mesmo modelo dos 50 anos do 25 de Abril, convenhamos, também seria um disparate.

Mas é isso que vai acontecer dentro de dias no Parlamento, fruto de uma convergência e de uma pressa deliberada dos partidos de direita. Foi aprovado com os votos do PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega, no final de uma discussão em que o partido proponente declarou tratar-se de uma “vitória do CDS e uma vitória de todos os democratas”.

Vai haver honras militares, hino nacional no arranque e no encerramento da cerimónia, intervenções do Presidente da República e do presidente da Assembleia da República e discursos de todos os partidos de cinco minutos e meio (menos meio minuto do que o tempo previsto na grelha da sessão do 25 de Abril).

A Associação 25 de Abril já recusou o convite para estar presente, alegando que “nenhum dos acontecimentos posteriores” ao dia 25 de Abril de 1974, incluindo a movimentação militar do dia 25 de Novembro, “se pode comparar ao ‘dia inicial, inteiro e limpo’”.

Esta terça-feira, o PCP anunciou que também não irá estar presente, com argumentos semelhantes, dizendo rejeitar “a operação de desvalorização e apagamento do 25 de Abril”.

Em 2019, quando o CDS apresentou esta proposta, e foi chumbada, porque nessa altura havia uma maioria de esquerda no Parlamento, Manuel Carvalho alertava aqui para o “perigo” de a “celebração de uma facção ideológica representar uma provocação da facção oposta”. O ex-Presidente da República Ramalho Eanes, que viria a recusar presidir à comissão das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, já tinha avisado que “momentos fracturantes não se comemoram, recordam-se”.

Agora, passados cinco anos, foi com os votos determinantes do Chega, que entretanto cresceu para 50 deputados, que aquela proposta do CDS foi aprovada e que, sublinhe-se, acabou por dar origem a uma sessão mais solene do que a ideia original de 2019.

O 25 de Novembro garantiu ao país a democracia plural e ajudou a moldar o país de hoje. Nessa altura, Mário Soares e Francisco Sá Carneiro estiveram do mesmo lado, contra os militares influenciados pela extrema-esquerda e o PCP de Álvaro Cunhal.

Na sessão que celebrará para a semana o 25 de Novembro, o PSD aparecerá colado à extrema-direita, que concretizou, através do CDS, um dos seus sonhos: centrar a discussão numa polarização entre si e partidos como o PCP e o BE.

Há cinco anos, em plena “geringonça”, fazer essa discussão era um embaraço para o PS, que tinha naqueles partidos um importante suporte. Hoje, ter o figurino a que vamos assistir no Parlamento é um presente que o PSD dá de bandeja ao Chega.»


No Zambujal, com Tibunga: de regresso à cidade invisível

 



19.11.24

Boa sugestão para a ministra da Saúde «refundar» o SNS

 


O grau zero da governação

 


«A crise do INEM diz-nos mais acerca da governação do Estado. No caos agora posto a descoberto está também contida a insustentável falácia com que nos entretiveram os últimos governos de Costa e que o executivo de Montenegro se esforça por manter viva: a ideia de que governar não é sempre gerir recursos escassos e fazer opções dolorosas. Talvez seja mesmo apócrifa a frase atribuída a Lincoln e alegadamente pronunciada em Clinton, Illinois, em 1858: “Podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente.” Mas a frase é no mínimo ben trovata. Não há cativações, não há horas extraordinárias, não há expedientes ou artimanhas, por mais engenhosos que sejam, que possam dar a todos, durante todo o tempo, a ilusão de que se concluiu finalmente a quadratura do círculo na gestão da coisa pública: servir todas as clientelas e ainda cumprir o milagre das contas certas. E o problema, convém desmontar o equívoco, não é Bruxelas nem são as contas certas que outra coisa não são, aliás, do que a saudável garantia de que não obrigamos os nossos netos a pagar os nossos desmandos. O problema, por mais cruel e desagradável que seja dizê-lo, é que não é possível ter a TAP, ter a Efacec, ter autoestradas sem portagens, ter 35 horas de trabalho semanal e mais um sem número de ideias generosas e pias financiadas por recursos públicos e ainda assegurar que o Estado não falha naquilo que são os seus deveres essenciais.

Podemos e devemos divergir acerca das prioridades para a alocação dos recursos (sendo certo que da extrema-esquerda à extrema-direita todos concordamos que garantir uma rede eficaz de prestação de serviços de emergência médica é uma delas). É nessa divergência que se deve consubstanciar, aliás, o essencial do combate político. Aquilo que é profundamente perverso é continuar a gerir o Estado com base em pensamentos mágicos. A manta é curta e não é por apagarmos a luz para não a ver que deixaremos de sentir frio nos pés.»


José Mário Branco

 


Cinco anos sem ele. Mas deixou-nos uma herança que continua a fazer parte da vida de muitos de nós.

Nós indignamo-nos, os outros cancelam

 


«O CDS já morreu. E nunca resulta manter artificialmente vivo um corpo político que se esgotou. A aliança com o PSD só faz sentido se for para garantir a absorção do corpo morto e, com ele, os seus quadros e dirigentes. Tudo o resto soará a falso. E, nesta sua nova versão, se o ridículo matasse o CDS teria de ressuscitar para morrer de novo.

Depois de Olivença, a formiga que quer competir com o gigante da extrema-direita inventou uma nova polémica: os boletins de saúde infantil e juvenil iam deixar de ser cor-de-rosa e azuis para ter uma cor única, o amarelo. Apesar da cor única ser o padrão dos documentos do Estado, o deputado João Almeida viu aqui mais ofensiva woke e lançou uma campanha com o sugestivo hashtag #naosomostodosamarelos. O mesmo Ministério da Saúde que demorou mais de vinte dias a reagir a uma greve no INEM fez reverter, em apenas dois, a medida.

Acho que não preciso de explicar que é um desperdício de esforço e meios distinguir boletins de saúde por género, como seria com o passaporte ou o cartão de cidadão. Que é quem faz questão de ter esta distinção que se agarra a temas identitários inúteis, a debates fúteis, ao fetichismo político.

Se repararmos com atenção, grande parte das vezes que questões identitárias ou simbólicas ficam no centro do debate político é porque a direita, os supostos inimigos do woke, as colocam na agenda. Se a guerra não se faz em torno de cada palavra, faz-se na distinção cromática dos géneros, mesmo quando é dispensável. Basta recordar que Luís Montenegro teve como primeira medida a mudança do logotipo do governo com argumentos que, nos meses seguintes, ignorou em vários rebrandings institucionais. A direita conservadora precisa, desesperadamente, do fantasma woke.

Por causa de um protesto de um deputado, o Ministério da Saúde deu ordens à Direção Geral de Saúde para recuar numa medida meramente administrativa. Ninguém reagiu com mais do que umas gargalhadas, perante o ridículo.

Poucos dias depois, a marca de preservativos Control fez mais um dos seus anúncios provocadores. Com a imagem de uma castanha, lia-se: “O pior é quando a descascas e vês que tem uma minhoca”. Devo dizer que, quando vi o anúncio, julguei que era uma piada sobre as dimensões da genitália, o que me pareceu pouco inteligente para quem tem de vender proteção a todo o tipo de clientela. Depois percebi que a leitura foi outra, sobretudo por causa de se ter escolhido uma castanha e escrito “a descascas”. Os defensores da causa trans sentiram-se especialmente incomodados com “o pior”.

Não vou perder tempo com o conteúdo do anúncio. Defendo o direito a fazer aquela piada assim como defendo o direito de pessoas manifestarem a sua indignação, ao ponto de lançarem campanhas contra a marca. E esta, sim, é uma batalha minha: combater esta estranha moda de querer liberdade de expressão, mas nunca liberdade de reação, desde que seja por via do legítimo exercício da liberdade de expressão. Quando fazemos uma piada não decidimos como é que os outros reagem a ela. Podem rir-se, podem ficar indiferentes, podem ofender-se. E podem manifestar qualquer uma destas reações de forma pacífica, legal e livre. Liberdade de expressão não é dever de passividade dos outros perante o exercício dessa liberdade.

As empresas que contratam agências de publicidade não procuram entreter ou cultivar o público. Usam o humor para vender produtos. A polémica até lhes pode interessar. Determinado tipo de polémicas pode ser contraproducente. As empresas não têm qualquer problema em recuar numa piada se essa piada lhes tirar clientes porque os valores que estão em causa são mesmo os do mercado. Até lhes pode interessar a polémica e depois o recuo. É publicidade. Ponto. Isto não acontece, infelizmente, só na publicidade. Como escrevi há uns meses, “o mercado é o maior censor”. No mercado livreiro, por exemplo. Maior do que o Estado. Com isso, vivo pior. É fundamental que haja áreas da nossa vida desmercantilizadas ou que, estando no mercado, não se submetam à sua ditadura: o jornalismo, a arte, a educação, a saúde, a habitação e por aí adiante. A publicidade dificilmente seria uma dessas áreas.

Perante a polémica, a Control achou que o humor lhe custava clientes e recuou e pediu desculpas. O recuo teve exatamente o mesmo objetivo da piada: ganhar ou manter clientes. Não têm razão? Precisava de conhecer os estudos de mercado para o saber. Para quem quer vender um produto, a sensibilidade dos clientes é central. Assim não deve ser na liberdade artística. E só um publicitário tonto julga que, por ser criativo, é artista.

Curiosamente, e ao contrário do que aconteceu com uma ordem dada pelo Ministério da Saúde, em nosso nome, à DGS, a ordem dada pela Control, em nome dos acionistas da empresa (penso que o atual proprietário é a LifeStyles Europe, que comprou a Tecnilatex), levou a uma enorme indignação contra a “censura” woke. Um caso, que envolve o Estado, não causou incómodo. Outro, que envolve uma marca, mobilizou muita gente, a começar pelo deputado da Iniciativa Liberal Mário Amorim Lopes, que quis explicar a uma empresa privada o que deve fazer quando há más reações a um anúncio. Achará, talvez com razão, que a empresa se engana na avaliação de mercado. Como liberal, deixará que seja a empresa a fazê-la. Ou oferece, claro, os seus préstimos de consultadoria.

Não estou indignado com a Control. Estou-me nas tintas, para dizer a verdade. Assim como estou nas tintas para cor dos boletins de saúde. Apenas quero recordar que a liberdade de humor é tão livre como a liberdade de indignação. Essa indignação só parece cancelamento quando são os outros a indignarem-se.»


Está a faltar-nos jornalismo?

 



18.11.24

Agora taças

 


Taça Morcego, Arte Nova, feita de bronze com aplicações em cobre martelado e gravado, ouro e prata. Paris, 1909.
Henri Husson.

Daqui.

Seriam 81, hoje