7.12.20

O excepcionalismo das gerações do presente…

 


«Atendendo ao progresso tecnológico e humano que se observa no presente parece difícil não acreditar nas gerações actuais. 

Focando a atenção na área das tecnologias de informação note-se que os primeiros computadores pessoais da IBM surgem somente em 1981. Posteriormente, o processador de texto da Word Perfect e a folha de cálculo Lotus 123, aplicações que contribuíram para o sucesso desses computadores, são engolidas no turbilhão da História pelo Word e Excel da Microsoft. Não será um caso em que a economia imita a biologia e a teoria de Darwin da selecção natural (ou da tese da sobrevivência do mais apto, de Herbert Spencer). Parece mais um caso de uma jogada de xadrez, em que a Microsoft deliberadamente aproveitou a sua vantagem nos sistemas operativos para entrar em novos mercados e varrer do mapa a antiga concorrência (a Lotus antes tinha feito algo similar à VisiCalc), i.e., utilizando a analogia biológica, exterminar espécies que nem sequer eram inicialmente concorrentes, num episódio de “genocídio tecnológico”. E o que dizer dos omnipresentes “browsers” (navegadores) da internet, que surgiram 12 anos depois (1993) e que nos abriram as enciclopédias, as bibliotecas, as palavras de pessoas e os mercados do mundo. A revolução nas telecomunicações móveis iniciou-se pouco depois, com o telemóvel (e, a partir de 2007, do iPhone da Apple, os “smartphones”) a tornar-se na primeira tecnologia global com cinco mil milhões de subscritores únicos (i.e., cerca de dois terços da população mundial) e 7,7 mil milhões de números (subscrições) móveis, em 2017. 

Essa revolução tecnológica continua e até parece acelerar em interacção com a dinâmica da economia mundial. 

Parece assim existir fundamento para a convicção da tese da excepcionalidade do presente, a tese tão bem resumida por Reinhart e Rogoff (em relação às dívidas soberanas) com o título do livro “Desta vez é diferente”. 

No entanto, como nos alerta Viriato Soromenho-Marques tão incansavelmente, esta é também uma era de profunda arrogância e ignorância intelectual que esquece a fragilidade que é habitar o equivalente a uma estreita margem de uma casca de maçã sem preocupações de monta pela saúde da mesma. Em particular, se se olhar para os problemas da Humanidade, das tremendas desigualdades aos problemas ambientais, é impossível não sentir insatisfação pelo actual estado de coisas e imensa responsabilidade perante as gerações que nos seguem. 

Assim, temos este confronto entre as provas das nossas capacidades colectivas e esse precipício para onde parecemos caminhar convencidos da nossa própria invencibilidade. 


Os paralelos com e as lições da Grande Depressão 

Afigura-se, por conseguinte, pertinente reflectir sobre a seguinte questão. Como se comparam as gerações actuais com a narrativa hoje dominante do excepcionalismo dos líderes intelectuais e políticos da era da Grande Depressão? 

Para a História ficou a percepção que a resposta inicial dos governos à Grande Depressão foi errada. No caso particular dos EUA essa narrativa é reflectida, por exemplo, nas memórias do presidente que perdeu a reeleição para Roosevelt em Novembro de 1932, Herbert Hoover, uma eleição polémica e viciosa que o historiador económico da Universidade da Califórnia em Berkeley, Barry Eichengreen, compara ao desfecho das recentes eleições americanas entre Trump e Biden. 

Hoover culparia o Secretário do Tesouro, Andrew Mellon, pelas políticas económicas adoptadas no seu primeiro e único mandato, dado que este se opunha à intervenção directa do governo na economia. Mellon era um homem de negócios, financeiro, multimilionário e filantropo das artes que terá defendido, segundo Hoover, que a depressão económica era necessária para limpar “a podridão do sistema” económico dos excessos dos loucos anos 20 para que a economia americana se pudesse reerguer das cinzas tendo defendido, segundo Hoover, a liquidação do emprego, das acções, dos agricultores e dos imóveis. Mellon, aliás, passou a ser tão mal considerado pela opinião pública americana que foi sujeito a um processo de impugnação pelo Congresso Americano. 

Roosevelt toma posse como presidente dos EUA em Janeiro de 1933 e, logo a partir desse ano, adopta medidas de política económica heterodoxas, muito diferentes das do passado. Essas medidas incluem o confisco do ouro e a criminalização do seu comércio nos EUA, a desvalorização do dólar face ao ouro e, desse modo, a reestruturação da dívida privada e pública americanas, novos programas de investimento público, novas instituições (e.g, Federal Deposit Insurance Corporation, instituição responsável por um novo seguro federal dos depósitos bancários), nova legislação (a lei bancária, i.e., o Banking Act de 1933, incluindo as provisões conhecidas por legislação Glass-Steagall que obrigaram à separação da banca comercial da banca de investimento) e novos programas sociais (e.g., Segurança Social) alguns dos quais perduram até aos dias de hoje. 

A “Teoria Geral” de Keynes de 1936, que lança as bases para a nova área científica da Macroeconomia, segundo Robert Skidelsky procura explicar a Grande Depressão, generalizando essa explicação (TG) a todas as crises económicas. 

E ainda, por exemplo, o opus de Milton Friedman e Anna Schwartz de 1963, “Uma história monetária dos Estados Unidos”, que contribuirá para o desenvolvimento da teoria monetarista, tem as suas raízes nessa profunda crise económica e social. Nessa obra, Friedman e Schwartz argumentam que foram erros na política monetária da Reserva Federal que contribuíram para agravar essa recessão económica. 

Assim, a Grande Depressão permitiu também que se destacassem líderes políticos que são apreciados hoje como verdadeiramente excepcionais porque definiram políticas públicas, à altura inovadoras, que sobreviveram ao teste do tempo. Resultou ainda no aparecimento de novas teorias económicas e de uma nova área científica. Coroou Keynes como o grande mestre da Macroeconomia. E contribuiu para que muitos outros economistas, como Milton Friedman, se destacassem. 

Narrativas, é claro, podem não coincidir com a realidade. Porventura a lição é que parece necessário uma crise e sofrimento numa escala sem precedentes para que possa emergir verdadeiro excepcionalismo. 

Excepcional mesmo seria evitar uma recessão profunda… 

Infelizmente, à luz dessas referências intelectuais e políticas, a geração actual não parece tão excepcional assim. Apesar dos feitos impressionantes nos domínios da ciência e tecnologia, parece continuar a faltar rasgo e ambição nas respostas do mundo aos problemas da Humanidade e, em particular, à actual crise económica causada pela covid-19. 

Seria bom, no entanto, saltar etapas indo directamente para essa fase do verdadeiro excepcionalismo, prescindindo da parte trágica da História que lentamente se insinua.» 

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