«A liberdade de expressão não permite discriminar ou perseguir, nem é sinónimo de circulação de mensagens de ódio e mentiras com consequências para a vida em sociedade. Dito assim parece evidente, mas a normalização da agenda de Donald Trump, Elon Musk ou Mark Zuckerberg corre o risco de nos fazer esquecer princípios basilares inscritos na Constituição. À força de tanto ser repetido, o argumento de que a verificação de conteúdos é censura ameaça tornar-se verdadeiro e a liberdade de expressão é invocada para justificar decisões arbitrárias e perigosas.
No seu primeiro dia de mandato, Trump iniciou o processo para retirar os EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), numa ação executiva justificada com as disparidades nos níveis de contribuições e com a prioridade dada a organismos nacionais. Caso venha a concretizar-se, a decisão terá impacto em todo o mundo. Não apenas pela redução direta de verbas na investigação e combate a doenças como a SIDA ou a malária, mas porque também a celeridade de alertas em eventuais pandemias ficará comprometida e os vírus não conhecem fronteiras.
Em que medida esta ação executiva do recém-empossado presidente dos EUA entronca no tema da liberdade de expressão? Basta recordarmos as restrições de que Trump foi alvo nas redes sociais devido a declarações sobre vacinas para termos a resposta. A negação da ciência e da cooperação encaixa com naturalidade numa forma de pensamento errática, autoritária e baseada em convicções desprovidas de fundamento, lógica ou factualidade.
Tendo ao seu alcance mecanismos para impor um modelo de governação que dispensa a verdade, Trump e o seu exército conseguem multiplicar nas mais diversas áreas uma visão arbitrária do mundo, em que uma ideia se basta a si própria e não carece de fundamentação. E não respeita, sequer, os limites impostos pela legislação. Porque é disso que se trata quando se admite que discriminar alguém com base na raça ou na orientação sexual cabe no princípio da liberdade de expressão. Ou quando se relativiza a evidência provocatória do gesto de Musk na tomada de posse. Não há exagero quando se insiste na urgência de preservar os valores democráticos. Perigoso é permitir que se invoque a liberdade em vão, sem se medir o preço de abrir a porta à discricionariedade e ao ódio.»
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