22.12.12

Dia de era bom




Dia de Natal


Hoje é o dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.


É dia de pensar nos outros- coitadinhos- nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua
miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.

É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.


De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus
nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso
antimagnético.)


Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.


Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de
cerâmica.


Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.


A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra- louvado seja o Senhor!- o que nunca tinha pensado
comprado.


Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.


Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.


Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.


Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.


Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.


Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.


Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.



António Gedeão
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Um balanço



(Paulete Matos)
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Querido mecenato...



A Leya, um dos maiores grupos editoriais do país, e que recentemente foi notícia devido à atribuição de um importante e valioso prémio literário, mantém, para com os seus tradutores e revisores uma política recorrente de atrasos no pagamento dos seus honorários.

Apesar de os prazos de pagamento, após a entrega do trabalho, oscilarem contratualmente e em termos práticos, entre os 90 e os 120 dias, um prazo já de si excessivo, estes profissionais vêem-se agora sujeitos a atrasos, e sucessivas promessas de pagamento muito além dos 120 dias, sem que haja da parte da empresa qualquer informação precisa.

Com efeito, a informação prestada ao cabo de inúmeros e-mails e telefonemas a diferentes colaboradores oscila entre o fim do ano, início e fins Janeiro, pelo que não é possível a nenhum deles apurar quando serão efetivamente concretizados os referidos pagamentos.

Estamos a falar de trabalhos entregues nos meses de junho, julho e agosto, recibos passados por antecipação, e pagamentos protelados com desculpas, como o alargamento de prazos de pagamentos de clientes. Desta forma se justifica o adiamento de pagamentos a colaboradores cujo trabalho sustenta diretamente uma parte significativa dos lucros deste grande grupo editorial, sem qualquer informação para além daquela que é possível obter depois de sucessivos telefonemas e e-mails - mesmo assim inconclusiva - e que de há mais de um ano a esta parte está a deixar todos os colaboradores independentes, alguns deles regulares desde o início da atividade do grupo, numa situação de precariedade tão insustentável quanto desnecessária.

(Daqui)

Vamos a isso, prepare as suas trincheiras



Ontem, durante uma visita à Associação dos Deficientes das Forças Armadas, Passos Coelho subiu a parada do disparate e comparou a situação do país a uma guerra «tão injusta, como a Guerra do Ultramar». «É uma guerra diferente em que precisamos de encontrar em cada cidadão um soldado que esteja disposto a lutar pelo futuro do país.»

Percebemos a mensagem, senhor primeiro-ministro. Prepare as suas trincheiras, nós faremos o mesmo.


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E afinal...



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21.12.12

Só surpresas


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Um conto de fadas


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Contas de mercearia




Se você morrer sem assistência médica, a culpa é de um professor do seu filho ou do empregado das Finanças do seu bairro.
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Para mais tarde recordar


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No país em que eu nasci



Excerto de um texto publicado no Facebook por Mário de Carvalho.

«No país em que eu nasci, quem mandava eram os ricos que encarregavam das tarefas sujas uns professores de Coimbra e uns militares que por sua vez comandavam legiões de desgraçados. Durante gerações, houve pessoas, em número mínimo, que beneficiaram duma vida remansosa dentro dum circuito fechado e protegido. A sua insensibilidade social era completa. Nem se apercebiam de que em volta havia pobre gente maltratada, humilhada, presa, espancada. Se lhe chegassem rumores (através das criadas, por exemplo) considerariam que era natural. O imperfeito mundo funcionava assim mesmo, éramos "um país pobre", resignassem-se. E até encontravam uma especificidade nacional justificativa do nosso fascismo doméstico. Era desumano? Paciência. Havia oratórios, terços, missas, e em calhando cilícios e bodos aos pobres. A desumanidade redimia-se nos ritos.

De repente (surpresa para eles) caiu-lhes uma revolução em cima, transtornou-lhe os planos, estremeceu-lhes as carreiras, desmarcou-lhes as festas. O que se chama, na sabedoria popular "uma patada no formigueiro".

Nunca perdoaram esses momentos – fugazes – de perturbação das pequenas vidas. Não tardariam, eles e seus descendentes, a ser repostos nos lugares de antes (em circunstâncias e conluios que não importa agora rever) mas num quadro jurídico e institucional diverso: a democracia. Essa incomodidade áspera, própria de intelectuais irrealistas, operários transviados e outros lunáticos, mostrava-se demasiado imponente para se derrubar de golpe? Dissimulasse-se. Corroesse-se por dentro. Desviassem-se os recursos do Estado. Praticasse-se uma permanente cleptofilia. E, dentada a dentada, sangria a sangria, desgaste a desgaste, chegou o momento que julgaram oportuno para rasgarem as fantasias e voltarem aos plenos poderes de antes, a coberto dos seus criados. A vingança serve-se fria. Há um nome francês que se usa no caso: "revanche".» 
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20.12.12

Aviso


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O semicavaco



Ricardo Araújo Pereira brinca com as palavras, mas fala hoje bem a sério sobre o presidente da República que (não) temos, na sua crónica semanal na Visão.

Temos um semipresidente, que é semicontra o OE, que toma semiatitudes...

«Talvez fosse interessante trocar o Presidente da República por uma estação dos CTT. O orçamento chegava ao Parlamento, colava-se um selo e enviava-se para o Tribunal Constitucional.»

«Que um semipaís possa ser chefiado por um semipresidente acaba por ser uma sorte. A estabilidade política também se faz desta semihomogeneidade.»

Na íntegra, AQUI.
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Ainda não foi desta!


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Manifesto de economistas contra as privatizações da ANA e da TAP



O Conselho de Ministros poderá decidir hoje as privatizações da ANA e da TAP. Os signatários, economistas e professores de economia, vêm manifestar aqui três fortes razões para se oporem a ambas as privatizações.

Em primeiro lugar, trata-se de bens estratégicos para a economia portuguesa. A ANA e a TAP movimentam milhões de passageiros, assegurando ligações imprescindíveis dentro do nosso território, com comunidades emigrantes no estrangeiro e com diversas regiões do mundo. Estas empresas são cruciais para o maior sector exportador nacional, o turismo.

Perder capacidade de controlo deste sistema de acessos e exportações é um golpe na economia nacional. A garantia de que durante dez anos os compradores ficam obrigados a algumas regras contratuais é irrelevante: dentro de uma década a importância da economia do turismo e do transporte aéreo será tão determinante como hoje para o país, mas nessa altura já não haverá limites que impeçam estas empresas de adoptar as decisões que mais lhes convenham.

Em segundo lugar, existe também um interesse estratégico para a República. Ao abdicar do controlo destes ativos estratégicos, Portugal entrega o poder de monopólio sobre os transportes aéreos e os aeroportos a duas empresas estrangeiras, cujos interesses podem ser contrários aos do país. Para evitar esse risco, por exemplo na Alemanha os grandes aeroportos são públicos e, como acontece noutros países europeus, a companhia aérea de bandeira não é controlada por capitais estrangeiros. A perda do hub da TAP em Portugal, por exemplo, significaria um agravamento da dependência em relação ao exterior.

Em terceiro lugar, estas privatizações acentuam o défice e portanto a dívida pública futura. A TAP e a ANA geraram em 2011 meios financeiros da ordem dos 158 e 199 milhões de euros, antes de impostos e outros compromissos financeiros. No futuro poderão tornar-se francamente rentáveis. Estes meios financeiros serão perdidos pelo Estado. A gestão aeroportuária é uma atividade sem concorrência que permite ganhos substanciais: a ANA tem uma margem de 47%, sendo duvidoso que exista outro negócio como este em Portugal. E se a TAP não tivesse um forte ativo em aviões, em capacidades tecnológicas e em rotas lucrativas no Brasil, na Europa e em África, não teria comprador.

Porque é tempo de decisões difíceis, porque a crise financeira é grave, porque não podemos perder nem desperdiçar o que temos, porque um bom negócio para alguns não pode prejudicar o que é de todos, recusamos estas privatizações e apelamos energicamente à manutenção da TAP e da ANA como empresas públicas.

Assinaturas: 
Adelino Torres, professor ISEG
Alexandre Abreu, investigador ISEG
Ana Costa, investigadora CES e ISCTE-IUL
Ana Margarida Fernandes, economista
Ana Sofia Ferreira, economista
Américo Mendes, professor Universidade Católica, Porto
António Fernandes de Matos, professor Universidade da Beira Interior
António Romão, professor ISEG
Berta Rato, economista
Cândida Ferreira, professora ISEG
Carlos Bastien, professor ISEG
Cristina Matos, professora Universidade do Minho
David Ávila, economista
Eugénia Pires, investigadora SOAS,Londres
Filipa Subtil, socióloga professora Escola Superior de Comunicação Social
Filipe J. Sousa, professor Universidade da Madeira
Francisco Louçã, professor ISEG
Frederico Pinheiro, jornalista económico
Helena Lopes, professora ISCTE-IUL
Idílio Freire, economista
Ilona Kovacs, professora ISEG
Joana Pereira Leite, professora ISEG
João Abel de Freitas, economista
João Ferreira do Amaral, professor ISEG
João Estêvão, professor ISEG
João Rodrigues, investigador CES, Universidade Coimbra
Jorge Bateira, docente FEU Coimbra
José Castro Caldas, investigador CES
Jose Maria Brandão de Brito, professor ISEG
José Miguel Gaspar, professor ESSEC
José Reis, professor FEU Coimbra
Júlio Marques Mota, professor FEU Coimbra
Luís Francisco Carvalho, professor ISCTE-IUL
Nuno Ornelas Martins, professor Universidade dos Açores
Manuel Brandão Alves, professor ISEG, reformado
Manuel Branco, professor Universidade de Évora
Manuel Ennes Ferreira, professor ISEG
Manuela Silva, professora ISEG
Margarida Abreu, professora ISEG
Margarida Antunes, professora FEU Coimbra
Margarida Chagas Lopes, professora ISEG
Mariana Mortágua, investigadora SOAS, Londres
Maria de Fátima Ferreiro, professora ISCTE-IUL
Mario Bairrada, professor ISEG
Mário Olivares, professor ISEG
Nuno Costa, economista
Nuno Teles, investigador CES, Universidade Coimbra
Octávio Teixeira, economista
Paulo Coimbra, economista
Pedro Costa, professor ISCTE-IUL
Ricardo Cabral, professor Universidade da Madeira
Ricardo Coelho, investigador Universidade Coimbra
Ricardo Ferreira, economista
Ricardo Pais Mamede, professor ISCTE-IUL
Rogério Roque Amaro, professor ISCTE-IUL
Sandro Mendonça, professor ISCTE-IUL
Sara Rocha, economista
Vasco Almeida, professor Instituto Superior Miguel Torga
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Um Orçamento com a consistência de um castelo de cartas



«Na parte económica, este Orçamento tem a consistência de um castelo de cartas. (...) Pedro Passos Coelho terá provavelmente que apresentar um plano B. (...) Ficará provado aquilo que a maioria dos economistas já afirmou: este Orçamento não serve porque segue a estratégia errada para resolver o problema das contas públicas e é inimigo do crescimento económico.(...)

Por isto, o Presidente da República está numa situação difícil. Se o Orçamento chegar ao Constitucional por iniciativa dos deputados, Cavaco Silva parecerá irrelevante numa questão fundamental para o futuro imediato do país. Caso a fiscalização sucessiva seja a pedido de Belém, não se vai livrar das críticas do Governo e de alguns sectores do PSD. As declarações de Passos Coelho no fim-de-semana são esclarecedoras. Porém, está na altura do Presidente da República assumir a sua importância e poder político. Não deve criar crises políticas gratuitas mas os portugueses têm que sentir que Cavaco Silva protege os seus direitos.»

(Daqui)

19.12.12

E já nem é respeitada a época dos saldos

Um péssimo Natal também para si, senhor presidente



Nada leva a crer que Cavaco Silva faça horas extraordinárias pro bono, ele que nem sequer tem isenção de horário de trabalho já que não recebe salário pelo que faz em Belém. Na prática, deverá estar assim esgotado o prazo de que dispunha para requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva do OE2013.

Ao tomar esta decisão (se a mesma se confirmar nas próximas horas), o presidente mostra inequivocamente ao país que, para ele, «o superior interesse nacional» é essencialmente contabilístico: evitar um atraso, que podia ser curto, na entrada em vigor do Orçamento. De certo modo, lava as mãos como Pilatos e atira para o Tribunal Constitucional a responsabilidade e o dever de «anular» retroactivamente, em fiscalização sucessiva, alguns dos artigos mais polémicos (a seu pedido e / ou de um grupo de deputados).

Ignora um verdadeiro brado colectivo de políticos, analistas, comentadores e cidadãos, de todos os quadrantes, e escolhe avalizar o governo menos democrático e mais cruel dos últimos 38 anos.

Hoje, Cavaco «deseja» aos seus compatriotas, sobretudo aos velhos reformados que sofreram na pele a pobreza ou a falta de liberdade da ditadura (ou as duas coisas) um péssimo Natal e um mais do que infeliz Ano Novo. Estes só podem retribuir: um péssimo Natal também para si, senhor presidente. 
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Julguei que era montagem


... fiquei à espera que fosse um produto Bandex. Vi ontem à noite, tive dificuldade em adormecer.

Não há adjectivos que cheguem, escolho apenas um: tétrico.

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País engravatado todo o ano e a assoar-se na gravata por engano



Recordemos os «grandes» deste país: Alexandre O'Neill faria hoje 88 anos.


O País Relativo

País por conhecer, por escrever, por ler...

País purista a prosear bonito,
a versejar tão chique e tão pudico,
enquanto a língua portuguesa se vai rindo,
galhofeira, comigo.

País que me pede livros andejantes
com o dedo, hirto, a correr as estantes.

País engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.

País onde qualquer palerma diz,
a afastar do busílis o nariz:
- Não, não é para mim este país!
Mas quem é que bàquestica sem lavar
o sovaco que lhe dá o ar?

Entrincheiram-se, hostis, os mil narizes
que há neste país.

País do cibinho mastigado
devagarinho.

País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.

O incrível país da minha tia,
trémulo de bondade e de alegria.

Moroso país da surda cólera,
do repente que se quer feliz.

Já sabemos, país, que és um homenzinho...

País tunante que diz que passa a vida
a meter entre parêntesis a cedilha.

A damisela passeia
no país da alcateia,
tão exterior a si mesma
que não é senão a fome
com que este país a come.

País do eufemismo, à morte dia a dia
pergunta mesureiro: - Como vai a vida?

País dos gigantones que passeiam
a importância e o papelão,
inaugurando esguichos no engonço
do gesto de nuvens ideia!

Corre, boleada, pelo azul,
a frota de nuvens pelo país.

País desconfiado a reolhar por cima
dum ombro que, com razão, duvida.

Este país, enquanto se alivia,
manda-nos à mãe, à irmã, à tia,
a nós e à tirania
sem perder tempo nem caligrafia.

Nesta mosquitomaquia
que é a vida,
ó país,
que parece comprida!

A Santa Paciência, país, a tua padroeira,
já perde a paciência à nossa cabeceira.

País pobrete e nada alegrete,
baú fechado com um aloquete,
que entre dois sudários não contém senão
a triste maçã do coração.

Que Santa Suplicanta nos conforte
na má vida, país, na boa morte!

País das troncas e delongas ao telefone
com mil cavilhas para cada nome.

Da ramona, país, que de viagens
tens, tão contrafeito...

Embezerra, país, que bem mereces,
prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.

Desaninhada a perdiz,
não a discutas, país!
Espirra-lhe a morte pra cima
com os dois canos do nariz!

Um país maluco de andorinhas
tesourando as nossas cabecinhas
de enfermiços meninos, roda-viva
em que entrássemos de corpo e alegria!

Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.

Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,
já o passo a meu filho, cansado de o olhar...

No sumapau seboso da terceira,
contigo viajei, ó país por lavar,
aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
a conversa pancrácia e o jeito alvar.

Senhor do meu nariz, franzi-te a sobrancelha;
entornado de sono, resvalaste pra mim.
Mas também me ofereceste a cordial botelha,
empinada que foi, tal e qual clarim!"

Alexandre O'Neill, Feira Cabisbaixa, 1965
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