28.2.20

O Novo Banco e as contingências certas



«Soubemos esta semana que o Novo Banco vai pedir quase 1100 milhões ao Mecanismo de Capitalização Contingente. Com tanta regularidade nos pedidos, este mecanismo, de contingente, não tem nada.

O Fundo de Resolução (FdR) foi instituído em 2012 para financiar as intervenções públicas no sector financeiro. Até agora, foi utilizado no BES em 2014 e no Banif em 2015. O FdR tem diferentes fontes de receita. Por um lado, as contribuições regulares e extraordinárias dos bancos. Em 2014, quando foi chamado a intervir no BES, tinha 365 milhões em caixa e cobrou ainda 700 milhões extraordinários a um conjunto de bancos. Depois, há o imaginário rendimento da aplicação de recursos. Faz sentido, não é? O FdR foi criado para investir em instituições financeiras e enquanto acionista pode ganhar dinheiro. Só que o FdR é chamado porque o banco onde ele mete a mão está em maus lençóis e, portanto, até agora não ganhou nada. A outra forma de financiamento são empréstimos; é por esta porta que entra o dinheiro dos contribuintes.

Ao abrigo desta possibilidade, as minhas caras e os meus caros leitores (e eu própria) já enfiámos no Novo Banco 3,9 mil milhões logo em 2014, 430 milhões em 2018 e 830 milhões em 2019, através de empréstimos que vêm diretamente do Orçamento do Estado. Ou seja: 5160 milhões de euros. Estes empréstimos serão supostamente devolvidos até 2046. Entretanto estamos a receber os juros respetivos, argumento usado por Pedro Passos Coelho, na altura primeiro-ministro, para nos explicar que estávamos a fazer um ótimo negócio de emprestar dinheiro ao Novo Banco. Mas, tendo em conta a sucessão de más notícias, que credibilidade tem a devolução do empréstimo?

Em 2017, a Lone Star comprou uma participação de 75% no capital do Novo Banco, por 1000 milhões de euros. Este preço irrisório mostra que a Lone Star sabia que estava a comprar um banco que não valia grande coisa e que o FdR sabia que estava a vender um banco que não valia grande coisa. Podíamos pensar que o preço irrisório chegava, mas não. A Lone Star exigiu também que o Fundo de Resolução se comprometesse a compensá-la financeiramente caso um conjunto de ativos do banco (essencialmente créditos em incumprimento e outros ativos improdutivos) tivessem maus desempenhos e os rácios de capitalização do banco não evoluíssem de forma positiva. Este Mecanismo de Capitalização Contingente pode ir até 3,9 mil milhões de euros e ser acionado até 2026.

Em 2017, o FdR já tinha gasto mais de quatro vezes o que a Lone Star pagou, mas ficou apenas com 25% do capital do Novo Banco. É claro que o Fundo é uma solução transitória e, por isso, não faria sentido continuar a ser acionista maioritário ou único (o que, na prática, seria uma nacionalização do banco). Só que assim ficamos com o pior dos mundos, em que não somos donos do banco mas estamos a pagar os prejuízos dele.

Lembro que o adjetivo “contingente” significa que algo vai acontecer caso se verifiquem determinadas condições, num cenário de incerteza em que, à partida, não sabemos se elas se vão ou não verificar. Ora a mim parece-me tão certo que vamos gastar estes 3,9 mil milhões que não vejo onde está a contingência. A minha certeza assenta em três razões: o mecanismo depende do desempenho de ativos que já estavam em incumprimento em 2017; entretanto, o Novo Banco pediu 792 milhões em 2018 e 1149 milhões em 2019; não conheço estudos da viabilidade do banco ou dos ativos em causa e todo o processo tem sido gerido de forma bastante opaca.

No site do Fundo de Resolução está o documento “Comunicado do fundo de resolução sobre o pagamento ao Novo Banco ao abrigo do acordo de capitalização contingente”, de 24 de maio de 2018. Quanto à verificação das condições de contingência, o texto fica-se por um lacónico “O pagamento foi realizado após a certificação legal de contas do Novo Banco e após a conclusão dos procedimentos de verificação necessários, dos quais resultou a confirmação de que estavam verificadas as condições que, nos termos do contrato, determinam a realização do pagamento”. Eu, para emprestar 430 milhões, precisava de mais detalhe e maior transparência.

Chegados a 2020, o OE já tinha previsto 600 milhões para o Novo Banco, o que mostra que o Governo sabe bem que o mecanismo de contingência é acionado anualmente e que o fundo de resolução não tem dinheiro para as transferências. Nada disto é contingente. O que está em cima da mesa é um esforço maior em 2020 para encerrar já o mecanismo, em vez de esperar por 2026. Será que este reforço aumenta a probabilidade de o Novo Banco se tornar sustentável num prazo razoável? Será que torna mais provável reavermos os vários empréstimos antes de 2046? Com o que tem acontecido até agora, temo que seja só uma necessidade de financiamento urgente disfarçada de plano de médio prazo. Se for ler a background note sobre as intervenções governamentais de suporte a instituições financeiras publicada pela Comissão Europeia em outubro, vai ficar a saber que, até 2018, já gastámos mais de 20 mil milhões no sector financeiro. Portugal contava-se entre os quatro países europeus com mais passivos contingentes em 2018. Onde estão os estudos sobre o risco de não recuperarmos este dinheiro?

Numa nota publicada em agosto no site do Federal Reserve Bank of Saint Louis, o economista Miguel Faria e Castro refere-se aos montantes massivos que foram gastos pelo governo federal dos EUA para resgatar bancos. O governo americano recuperou uma parte importante dos investimentos e até lucrou, já que as instituições financeiras pagaram os empréstimos e recompraram a dívida titularizada. Ainda assim, o economista considera que os montantes gastos pelo erário público não foram necessariamente bons investimentos na altura em que foram feitos, porque devia ter sido tido em conta o risco de estes bancos se terem afundado, o que levaria os contribuintes a não recuperar os enormes montantes investidos. Parece-me que é exatamente o que está a acontecer aos contribuintes portugueses.

Tudo isto até podia ser só resultado da crise. Mas a banca portuguesa foi enterrada por anos de gestão criminosa, com investimentos ruinosos que serviram uma enorme rede de interesses. Os gestores que tomaram essas decisões não respondem pelos erros. O Banco de Portugal, com responsabilidades de supervisão, não reagiu a tempo e não responde pelos erros. Quando é que vamos parar de meter lá o nosso dinheiro sem pedir contas a ninguém?»

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