«Todos sabem para que servem as denúncias anónimas de que temos falado. Foi Hugo Soares que explicou, na TSF, em fevereiro (episódio 25 do Conselho de Líderes, com Mariana Leitão), que os partidos as usam como forma de fazer política. Ficam claros, então, os objetivos desta denúncia contra Pedro Nuno Santos, que não corresponde a qualquer dado novo. Neste caso, não são ofensivos. São defensivos.
Os factos remontam a 2018 e as notícias a 2023. Tudo esclarecido, de tal forma que o próprio Ministério Público já tinha arquivado, no Porto. Estranhamente, o caso voltou a ser aberto, noutro lugar. De ambas as vezes, em vésperas de eleições e com base em denúncias anónimas. No primeiro, mantendo a discrição a que a lei obriga. A nova moda são as averiguações preventivas, um ato meramente administrativo que, por não corresponder a uma investigação judicial, tem de ser, diz a lei, especialmente sigiloso. E, apesar disso, o Ministério Público confirma-o para os jornais, no caso de Pedro Nuno Santos, enquanto o procurador-geral da República fala disso à porta da procuradoria, no caso de Luís Montenegro. Seja qual for o PGR, o abandalhamento do MP parece não ter limites.
Disse, desde que as eleições foram marcadas, que dispensava o Ministério Público em mais uma campanha eleitoral. Este desejo foi expresso, na altura, perante o caso de Montenegro. As investigações que existiam podiam seguir, sem fazer disso alarde. As que não seguiram podem esperar um mês. António Costa demitiu-se por ser “suspeito” e nada avançou no último ano e meio. Não é que a pressa seja a imagem de marca do MP. O debate que estamos a fazer, e não precisamos do Ministério Público para isso, é ético. Chega-nos o escrutínio mediático, político e, caso venha a existir CPI, parlamentar.
Nas últimas duas décadas, o Ministério Público encarregou-se de banalizar as suspeitas. Quem não se lembra de rusgas a ministérios por causa de bilhetes de avião para ir à bola? Curiosamente, um dos envolvidos foi Montenegro. Depois de ter sido noticiado que tinha viajado a expensas da Olivedesportos, pagou a despesa, pôs as datas dos jogos nos cheques e tudo seguiu como antes. Mas, como o MP judicializou a ética, tudo que não seja tratado na justiça deixou de ser visto como falha. Nem mesmo o que a justiça trata, porque se tudo acaba em nada, nada deve ser levado a sério. E é o que está de novo a acontecer.
Há, no entanto, uma diferença entre o papel da PGR nos casos de Luís Montenegro e de Pedro Nuno Santos. No primeiro, envolveu-se depois de o tema ser notícia. No segundo, envolveu-se para fazer do tema notícia.
A denúncia anónima contra Pedro Nuno Santos não serviu para o incriminar. Ser suspeito de receber dinheiro do pai para comprar casa não chega para tanto. Serviu para neutralizar a ação do PS nos casos éticos de Montenegro. Serviu para deixar Pedro Nuno Santos na defensiva. E talvez seja aproveitado para a PGR encerrar as duas averiguações preventivas sem ser criticada. Uma solução salomónica de autodefesa.
E serviu, claro, para tentar fazer uma equiparação para os mais distraídos. Não se compara, como é evidente, receber dinheiro do pai com recebê-lo da maior empresa de casinos do país enquanto se é primeiro-ministro. Ou outros casos que se vão conhecendo e que definem um perfil ético, político e profissional.
Se querem perceber com o que está a ser feita a comparação, vejam a ultima notícia do Expresso sobre a forma como a construtora ABB se comportava na Câmara de Espinho, assumindo a combinação de que a previsível derrapagem orçamental na construção do canal ferroviário seria resolvida por um acordo em tribunal. E recordem-se de que foi neste preciso negócio que Montenegro, então advogado da autarquia, fez o estranhíssimo papel de, num parecer, defender os interesses da construtora contra o seu cliente. A mesma construtora que forneceu o betão ao empreiteiro e projetistas (os mesmos do canal ferroviário) que lhe fizeram a casa.
Perante isto, a tese contra Pedro Nuno Santos é a de que a conhecida fábrica do pai, com mais de 50 anos de existência, recebeu, como tantas empresas portuguesas de referência (é o caso), fundos comunitários. E que o pai o ajudou a comprar casa. Curiosamente, essa ajuda na compra da casa da Praça das Flores, cuja venda lhe permitiria comprar outra em Telheiras, é anterior à sua ocupação do cargo de ministro, nunca tendo, entretendo, ocupado qualquer cargo com relação à atividade da empresa. Isto, claro, para além das ajudas que todos os pais que podem dão aos seus filhos.
Não gosto do striptease que Pedro Nuno Santos fez no site do PS. Ainda menos da expressão gasta e absurda de que “quem não deve não teme”. Mas compreendo a escolha. Provavelmente não poderia ser outra, depois do comportamento opaco de Montenegro, que criticou. Abre precedentes que me preocupam, mas permite-lhe desafiar o primeiro-ministro a fazer o mesmo em relação a negócios empresariais que nada têm de pessoal.
O contraste da reação corre bem a Pedro Nuno Santos. Mas, ao contrário de alguns, não acho que isso chegue para ser bom para ele. Mesmo que a acusação seja absurda, nunca é positivo termos de nos defender. Sobretudo quando se vem de excelentes debates. Para os que querem ser convencidos de que são todos iguais ou para os mais desatentos, as gordas chegam para instalar a dúvida. Mas o ataque de que Pedro Nuno Santos foi alvo é, acima de tudo, eficaz como forma de diminuir o efeito da razão pela qual estamos a ir a votos: a falta de ética de Montenegro. E foi para isso mesmo que serviu.»
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