18.6.25

Play for peace? As a Team? Impossível

 


«Se quisermos ter uma fotografia do desastroso estado do mundo, basta-nos prestar alguma atenção ao primeiro dia da cimeira do G7, no Canadá, que pretendia reunir, como sempre, as sete principais potências do mundo desenvolvido e democrático. Alguns jornais anunciaram prudentemente que talvez devêssemos falar com mais exactidão de um G6+1. Sabemos quem é este "mais um". O Presidente da maior potência mundial. De quem ainda depende, em boa medida, a "chuva e o bom tempo" na ordem internacional, num momento em que esta "ordem" está a transformar-se rapidamente em "desordem".

Na agenda inicial preparada pelo primeiro-ministro canadiano, Mark Carney, para o G7 estava certamente a guerra na Ucrânia, a situação humanamente dramática em Gaza ou a incerteza internacional lançada pelas "belas" tarifas de Donald Trump. Não estava uma guerra em grande escala entre Israel e o Irão, que saltou para o topo da lista de prioridades da cimeira. O Presidente americano chegou, fez-se fotografar com os outros líderes presentes, recebeu das mãos de António Costa uma camisola de Cristiano Ronaldo, assinada pelo próprio, onde estava impresso o desejo dos seus pares: "Play for peace. As a Team". Sem pontos de interrogação. Nos dias anteriores à reunião do G7, os analistas publicaram longas análises medindo a capacidade dos vários líderes presentes para "lisonjear" o homem mais poderoso do mundo, a arma que lhes resta para o convencer a fazer o que se espera do seu país. O Presidente do Conselho Europeu tentou a sua sorte.

A agenda dos representantes da União Europeia e dos seus três maiores Estados membros era abrir caminho às negociações com os Estados Unidos sobre as taxas aduaneiras impostas arbitrariamente por Donald Trump às importações e convencê-lo a endurecer as sanções à Rússia, incluindo um tecto ao preço de compra do petróleo (30 dólares), a principal fonte de receitas para a guerra de agressão que leva a cabo contra a Ucrânia. Com mais ou menos ênfase, era esta também a agenda do Japão e do Canadá. A guerra entre Israel e o Irão acrescentou uma dose de enorme urgência. Os líderes presentes sabiam e sabem que só Donald Trump estaria em condições de impor aos contendores uma saída que impedisse uma guerra generalizada no Médio Oriente, com consequências pesadas, nomeadamente para a Europa. Da mesma maneira que só ele dispõe da força suficiente para alterar a favor da Ucrânia o destino de uma guerra europeia em larga escala, a primeira desde o fim da II Guerra. Ontem, o seu abandono precipitado da cimeira evitou o encontro, confirmado pela Casa Branca, com o seu homólogo ucraniano. Volodymyr Zelensky, como sempre, insistiria no apoio militar que começa a escassear. Na semana passada, Washington desviou para Israel uma larga remessa de mísseis destinados à Ucrânia. Trump não estava interessado em falar com ele.

G6+1?

As poucas horas que Trump esteve na reunião do G7 chegaram e sobraram para entender que não existe uma base comum entre as democracias mais ricas do mundo e o líder do país mais poderoso do mundo. Como alguns analistas anteciparam, foi um "G6+1". Aliás, logo à chegada, o Presidente americano tratou de desferir mais uma diatribe contra os seus pares, acusando-os de ter posto fim ao G8 quando "expulsaram" a Rússia. "Putin sentiu-se insultado. Foi um grande erro de Obama", disse. Se não o tivessem feito, "não teria havido guerra". Mais uma vez, não acertou nos factos. Bill Clinton convidou a Rússia do Presidente Boris Ieltsin a juntar-se ao G7 porque a orientação de Moscovo parecia ser em direcção ao Ocidente e à democracia. O G8 acabou em 2014, pela razão simples de que a Rússia de Putin decidiu anexar a Ucrânia pela força e invadir o Donbass. Donald Trump tem outra ideia da Rússia. Aproveitou o encontro de ontem para tornar claríssimo que não tenciona endurecer as sanções a Moscovo, pelo contrário, deu a entender que seria bom levantá-las. Tem adiado constantemente a aprovação no Congresso americano de um pacote duríssimo de sanções, preparado por mais de 70 congressistas, incluindo muitos republicanos.

Nas escassas horas em que esteve na cimeira, ainda assinou uma ordem executiva finalizando o acordo sobre tarifas negociado com o Reino Unido, não sem dar uma justificação que nenhum líder de nenhuma potência democrática jamais daria: "O Reino Unido está muito bem protegido [de futuras taxas aduaneiras]. Sabem porquê? Porque gosto muito dele." Desta vez, absteve-se de reivindicar o Canadá como 51º estado norte-americano.

O que fará Trump no Médio Oriente?

Inicialmente, sobre a questão mais urgente, o Presidente americano, que deu como razão para regressar a Washington um dia mais cedo a guerra entre Israel e o Irão, não estava disponível para assinar uma declaração conjunta apelando a ambas as partes para travar o conflito. Mark Carney já tinha abdicado de uma declaração conjunta da cimeira, para evitar o escândalo que manchou a última reunião do G7 a que o Canadá presidiu, em 2018. Nessa altura, Trump assinou a declaração conjunta, mas já a bordo do Air Force One, anunciou que retirava a assinatura. Estava furioso por não ter convencido os seus pares a aceitar o regresso da Rússia de Putin. Desta vez, acabou por assinar a declaração sobre o conflito no Médio Oriente, mas a sua recusa inicial quer dizer que ainda não decidiu o que vai fazer. A declaração apela ao fim da escalada de guerra, reconhece o direito de Israel de se defender e reafirma a sua oposição contrária a um Irão nuclear. Mais uma vez, como na Ucrânia, só os Estados Unidos estão em condições de ditar a evolução dos acontecimentos. Já a bordo do Air Force One, Trump disse aos jornalistas que queria "um fim efectivo da guerra e não uma trégua", anunciando que Israel iria intensificar os bombardeamentos. Na sua rede social Truth Social, garantiu que não estava a tentar falar com Teerão "de forma nenhuma". "Não estou muito virado para negociar". Tinha dito aos seus parceiros do G7 que estavam em curso discussões para um cessar-fogo.

Donald Trump tem um amigo na Europa – Vladimir Putin. Não tem aliados. Tem vários amigos no Médio Oriente e nem sequer sabemos se Benjamin Netanyahu é o maior. Pode ser o príncipe herdeiro saudita ou o emir do Qatar. A primeira visita oficial do seu segundo mandato foi à Arábia Saudita e às monarquias do Golfo e não a Telavive. O que fará em relação à guerra entre Israel e o Irão é ainda uma incógnita.

Parada militar?

Entretanto, internamente, a parada militar que mandou organizar em Washington para celebrar, ao mesmo tempo, o seu 79º aniversário e os 250 anos do exército americano, criado ainda antes da independência, saldou-se num fracasso. As tropas desfilaram bastante a contragosto e sem grande brio. Não há essa tradição na América. Quando, ainda no seu primeiro mandato, esteve em Paris ao lado de Emmanuel Macron para assistir à parada militar do Dia da Bastilha nos Campos Elíseos, disse que queria uma igual para ele. Mas, no sábado, em Washington, as bancadas para o "povo" estavam vazias. O desfile chegou a ter momentos caricatos. No mesmo sábado, as grandes manifestações de repúdio à perseguição aos imigrantes ilegais e aos acontecimentos recentes em Los Angeles, com o recurso à Guarda Nacional e aos militares, encheram as praças das cidades americanas, incluindo nos estados vermelhos, sob o lema "No Kings". "Na América, não temos reis". Pacíficas. De Houston e Dallas a Nova Iorque e Chicago. As maiores e mais generalizadas de que há memória.

Trump já confessou várias vezes a sua admiração pelos ditadores que se fazem obedecer — Putin, Xi, Kim Jong-un. Sonha ser obedecido na América. Terá bastante mais dificuldade.»

Teresa de Sousa
Newsletter do Público, 17.06.2025

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