22.6.25

Trabalhe mais e mais barato

 


«Aquilo que o Programa do Governo inscreve em forma de compromissos e em esboços de políticas, as afirmações do primeiro-ministro e ainda as análises feitas pelos partidos em torno da sua discussão permitem concluir que iremos ter: i) aprofundamento do baixo perfil de especialização da economia e enfraquecimento da indústria; ii) muito trabalho disponível, mas mal pago e desprotegido; iii) direitos sociais mais frágeis com perda de cidadania, menor solidariedade e mais injustiças.

A política industrial passou para mero apêndice na gestão do PRR. Não há abordagens sustentadas sobre os setores e a “ambição industrial 2040”, propalada noutros tempos, desapareceu. Chama-se industrialização ao aumento de investimento belicista. Em contrapartida, aparece um ponto novo, “14. Lançar a Estratégia Turismo 2035”, que também tratará da “valorização dos ativos endógenos”. Ora, se estes forem os que temos tido, preparemo-nos para habitação ainda mais cara, e para muito trabalho intensivo e precário. Desvalorizar a indústria é sempre baixar a qualidade do emprego e travar a modernização tecnológica.

Este cenário alimenta a imigração ilegal, estratégica para a implementação de uma política de baixos salários. A inexistência de acesso a habitação digna expulsa os jovens portugueses e uma parte dos imigrantes de que precisamos. E assim se cria o caldo para a ampliação dos discursos de ódio e bloqueios de futuro.

O trabalho é sempre “a questão central” na definição de boas ou más políticas. São determinantes as condições em que é prestado, o valor que produz e a forma como é distribuído, como ancora as políticas sociais. Ora, o Capítulo 12. Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, repete a lengalenga do aumento da produtividade sem tratar de compromissos que garantam a justa repartição do aumento do produto. O grande objetivo é criar nos trabalhadores a ilusão de receberem mais no fim do mês a troco de mais baixo valor das suas futuras reformas, ou destruindo o caráter específico dos subsídios de férias e de Natal que, diluídos nos 12 meses, evaporar-se-ão em poucos anos. Em vez de melhores salários oferecem-se “prémios” que possam ser retirados a qualquer momento e umas migalhas nos impostos.

Portugal é um país de muita pobreza. Precisamos de solidariedade transformadora. A situação não é catastrófica porque temos direitos sociais fundamentais com caráter universal e solidário e porque há apoios sociais para os mais desprotegidos. O governo reconhece estes factos. Todavia, em todo o programa utiliza a palavra solidariedade apenas seis vezes a enfeitar títulos. E somente uma vez, pg. 208, reclama “obrigações de solidariedade”. Para os muito ricos? Não. Somente para pessoas do rendimento social de inserção que o passam acumular com algum outro subsídio.

Vamos ter as casas de trabalho britânicas dos séculos XVIII e XIX em que o teto e a alimentação eram “oferecidos” em troca de trabalho não remunerado?»


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