10.2.18

Adolfo Mesquita Nunes



Não é só a declaração pública da sua orientação sexual que é de louvar, porque já não devia ser mas ainda é «útil»: é toda a entrevista que dá ao Expresso, que é excelente. Como seria bom que Portugal tivesse muitos políticos como ele, e não só pelo que hoje podemos ler!
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Dica (713)

PSD no seu labirinto



Se isto vier a acontecer, está mais o que comprovado que Costa é um homem não só com arte, mas também com sorte.

(Público, 10.02.2018)
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Experimentem olhar o mundo do trabalho à luz da Ricón e da Triumph



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«O debate sobre a “reversão” das leis laborais, ou da legislação do arrendamento, é um dos mais interessantes espelhos sobre como se movem as correntes mais profundas da vida pública portuguesa e mostra como ainda não nos emancipámos dos anos da troika e da grande vitória ideológica que a direita mais radical teve nesses anos. Tem pouco a ver com o discurso público, embora tenha a ver com a ideologia, e traduz o papel perverso que tem a “economia” no debate político. Um dia alguém varrerá a “economia” do posto de comando, para se perceber como atrás dela havia política, e quase só política, que não ousava apresentar-se como tal. Se deixássemos a herança da obsessão com a “economia” – e esse seria o momento em que sairíamos verdadeiramente dos anos de lixo da troika – e voltássemos ao governo da polis, com a enorme complexidade das suas pulsões, desejos, silêncios e falas, interesses e símbolos, ascensões e quedas, veríamos a quantidade de coisas que não discutimos, ou, melhor, que nem sequer ousamos enunciar, quanto mais discutir. E o tempo vai sempre passando.

Deveríamos olhar para os EUA, o grande laboratório da política dos nossos dias, para perceber como quase tudo pode mudar muito rapidamente, quando aparece alguém, Trump neste caso, que rompe as convenções do discurso em todos os azimutes e mostra como o populismo moderno é o grande perturbador, perante uma direita conservadora e uma esquerda muito comprometida com os interesses, que ainda não percebeu o que lhe caiu em cima. Pode-se fazer uma análise marxista sobre Trump e reduzi-lo aos estereótipos do poder do capital, e não compreender a subversão que ele trouxe à vida pública mundial. E quando mais precisávamos de encontrar uma resposta, que tem que ser igualmente inovadora porque lida com um mundo sem precedentes, encontramos apenas alguns fragmentos de resposta, seja a ideia de que com Trump tem que se ser intransigente e não complacente, a importância de um papel mais agressivo dos media no escrutínio da governação ou a exploração do grotesco da personagem que os cómicos dos programas da noite fazem sem qualquer cansaço das audiências. E, em todos estes casos, Trump reage à ferida porque lhe dói. Nessa matéria, estou como Churchill face a Hitler e não como Chamberlain, comparando atitudes e não personagens.

Se quisermos compreender o que se passa, temos que discutir muita coisa pouco tangível no domínio da economia, mas densa no plano político. Perder um emprego numa fábrica e abrir uma banca de estrada, como aconteceu a muitos operários de Detroit, pode não significar uma grande perda de rendimentos, mas significa a perda de um sentimento de dignidade pessoal e profissional, e do mundo da relação com os pares no trabalho. Os da “economia” dizem-nos que isso até é bom, e depois encontram-se com o reforço do populismo e, no caso dos EUA, o voto da classe operária branca no milionário com sanitas de ouro, e uma grande receptividade ao discurso do inimigo, neste caso os emigrantes.



9.2.18

Sacrifícios para a recuperação da CGD? Não, obrigada




«O Presidente da República disse, na semana passada, que a recuperação da Caixa Geral de Depósitos, que aumentou as taxas, “exige sacrifícios”. O Bloco de Esquerda responde, agora, que os portugueses já fizeram demasiados sacrifícios pela banca. (...)

O BE diz que a banca cobra por serviços que verdadeiramente não presta aos clientes e dá dois exemplos de “comissões bizarras”.

“O banco cobra uma comissão para ir buscar a prestação do crédito à habitação à nossa conta bancária. Não há nenhum serviço associado, o banco está simplesmente a retirar o dinheiro da prestação mensal do crédito à habitação, mas cobra uma comissão por esse serviço que, facilmente, se percebe que não faz qualquer sentido.”

“Da mesma forma, o banco cobra comissões elevadíssimas para passar uma declaração aos seus clientes de crédito bancário para dizer apenas que o crédito foi liquidado”, sublinha Mariana Mortágua.»
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Dica (712)




«O que se joga na despenalização da morte assistida não são conceitos nem princípios abstratos. É uma lei adequada a uma sociedade plural como a nossa felizmente é. E que, por isso mesmo, não imponha a ninguém que se prive das suas convicções fundamentais adotando uma abordagem do seu fim de vida que o/a violenta. O que a sociedade nos pede é que a lei corresponda com tolerância a essa pluralidade de caminhos para o respeito da dignidade de quem está a morrer com um sofrimento indizível. O que nos é exigido é que a lei responda com responsabilidade mas também com humanidade ao desafio que é o sofrimento que desrespeita tanta gente no processo de morrer.»
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O carrossel da competência



«Basta um singelo ábaco para contabilizar o carrossel. Ou, tecnocraticamente, a placa giratória. São sempre os mesmos. Ou quase. Notáveis, competentíssimos, indispensáveis. Economistas engenheirados ou vice-versa, financeiros de tecnologia de ponta, juristas alcandorados a gestores MBA, fiscalistas em regime offshore, egrégios sociólogos armados em tudólogos, diplomatas em fim de carreira e reformados pró-activos e sobretudo pró-influentes.

Os lugares são multifuncionais e, como agora sói dizer-se, customizados. Quer dizer, às vezes não são as pessoas para os cargos, antes são os cargos para as pessoas. Há de tudo, e sobretudo, com a plasticidade que convém aos curricula, à idade, ao estatuto, à proveniência partidária, à loja maçónica ou a outras referências das chamadas elites. Há os cargos sempre apetecíveis porque seguramente não executivos, ou seja, fazendo pouco, exibindo credenciais e, acima de tudo, recebendo uma prebenda bem aconchegada. É escolher entre presidente não executivo, administrador não executivo, presidente ou vogal (mas sempre consonante) de um qualquer denominado conselho geral, de supervisão, de auditoria, de vencimentos, de reestruturação, etc. Há depois a figura de presidente ou membro de uma boa assembleia-geral de accionistas supostamente tranquila e meramente formal, mas que dá uns trocos indexados a qualquer coisa, menos ao salário mínimo ou ao Indexante de Apoios Sociais. Por fim, há os sempre apetecíveis Conselhos Fiscais, onde pouco se fiscaliza que, para isso, há sempre o “operário” de serviço, o Revisor Oficial de Contas.

O universo também está bem delineado. Em primeiro lugar, as empresas ex-públicas, pois que algumas privatizações foram bem orientadas por “pequenos núcleos” entre o caderno da privatização e a “nova gestão”, e tanto melhor quando são monopólios ou fortes oligopólios de bens ou serviços para a comunidade pagadora. Depois, toda a parafernália de empresas (e, evidentemente, das suas holding e sub-holding) que têm de ter boa representação em certos corredores do poder e dos poderes. Há ainda e cada vez mais as que beneficiam do capital de contactos e relações com economias em desenvolvimento, onde é importante tratar a cleptocracia e a corrupção com bajulação e “sentido de Estado”.

Entre os ungidos do sistema nacional de elevadas competências, há vários grupos: os que a quem nunca se ouviu uma opinião frontal e corajosa sobre qualquer minudente assunto, os que passam o dia num notável equilíbrio entre os pingos da chuva, os que vão a tudo e a todos, proclamando tautologias com ar de sábio, os “talvezeiros” que são uma espécie de especialistas condicionais, os que sabem de tudo, desde mecatrónica a bitcoins e desde redes virtuais a rotas aéreas, os bem-falantes em inglês ainda que mal-falantes em português, os repatriados depois de tudo absorverem na xenofilia sempre sedutora, os que são “flexíveis” e têm dado provas de saber (sabiamente) mudar de opinião ou de acção, os que jamais levantarão qualquer problema incomodativo numa nova versão de “múmias paralíticas” no domínio da gestão, os que ascendem ao clube do estrelato vindo directamente de doutas sociedades de advogados e jurisconsultos, os ex-jotas encartados depois de cargos governativos. Há ainda os “papa cargos” em regime de colecção e dom de ubiquidade e os administradores independentes, raramente independentes administradores, mas que o convidante e o convidado fingem acreditar no reclamado estatuto de independência.

Administram tudo e não deixam nada. Bendita Pátria que de tais competências dispõe!»

António Bagão Félix
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Um carro no espaço



«A SpaceX, do multimilionário Elon Musk, lançou com sucesso o Falcon Heavy, o foguetão mais poderoso do mundo. A bordo vai um carro eléctrico da Tesla, com um manequim vestido de astronauta ao volante. Como vai com o braço de fora da janela do carro, julgo que o manequim foi feito em Portugal.

Foi necessária uma propulsão equivalente a 18 aviões Boeing 747 para pôr o foguetão no espaço. Se uma das razões desta viagem era uma campanha publicitária para o uso da energia limpa do carro eléctrico da Tesla, precisam de vender milhares de carros eléctricos só para compensar o que queimaram em combustível na viagem.

Importa referir que, antes de ter entrado nesta missão a Marte, o Tesla foi testado em ambientes extremos e no acesso ao parque de estacionamento do Corte Inglés. Já estou a imaginar o anúncio: "Vende-se Tesla impecável em segunda mão com 115 milhões de quilómetros."; "Já fui a Marte com isto e não me deu chatices nenhumas."

A fotografia do astronauta no descapotável com a Terra como fundo vai ser usada em milhares de piadas, montagens e palestras de motivação para as pessoas que têm de dar voltas e mais voltas para conseguir estacionar em Lisboa.

Até agora, a missão correu bem, mas para ter a certeza de que não havia perigo o Elon devia ter contratado a minha mãe. Sentavam-na na cadeira ao lado do manequim que está no volante do carro e ela faria aquilo que costuma fazer quando viaja comigo: "Vais muito depressa. Não vás tão depressa. Já vais a sessenta. Aquilo ali é uma curva, pareces um doido a guiar."

Estamos perante um momento histórico da conquista do espaço. Marte vai ser a grande obsessão e o destino do Homem nos próximos 20 anos. Em Marte, estão cerca de oitenta graus negativos, imaginem o que isto não daria em reportagens sobre o frio nos noticiários das nossas televisões. Elon Musk anunciou, em Setembro de 2016, que vai levar os primeiros 100 humanos a Marte em 2022 e que, até ao ano 2060, vai haver um milhão de pessoas a viver no Planeta Vermelho. Sinceramente, Marte, pelo que me apercebi das fotos do Curiosity, é um sítio sem interesse nenhum. Tem uma padaria portuguesa e pouco mais. Faz lembrar a minha viagem de finalistas ao Egipto, um dia inteiro a ver calhaus.

Importa também dizer que um ano em Marte tem 687 dias. Tenho a certeza de que, apesar de um ano em Marte ter 687 dias, acabávamos na mesma a comprar as prendas de Natal na véspera. Resta acrescentar que os dias têm 24,6 horas. Ou seja, 38 minutos a mais de um dia na Terra. Aposto que isto iria dar problemas com os sindicatos e a Autoeuropa.»

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8.2.18

Dica (711)

Vieira da Silva não quer regressar a Vieira da Silva?




Daniel Oliveira no Expresso diário de 08.02.2018:


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Não há e-fome que não dê e-factura



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:


Na íntegra AQUI.
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Clemente, menos papista do que o Papa




Que tristeza, que atraso, que vergonha alheia!


(Imagem de Hugo van der Ding no Facebook.)

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O imposto da CML



«Há quem acredite que, em Portugal, há um departamento muito secreto que, escondido numa cave, inventa taxas e impostos capazes de espremer os portugueses até ao último cêntimo.

Nesse subterrâneo, iluminado à luz de velas, homens sem rosto, como os do FMI, perscrutam, com o auxílio de um GPS, todas as actividades que podem ser objecto de esbulho estatal ou municipal. Há quem lhes chame os 007 dos impostos. A sua grande fonte de influência é "A Arte de Furtar" do Padre Manuel da Costa, que já no início do século XVII conhecia as manhas de quem vivia às expensas dos rendimentos de outros. Manuel da Costa não poupava ninguém, a começar pelos reis, que estavam habilitados por belas "unhas" para roubar. Segundo ele: "De três maneiras pode um rei ser ladrão. Primeira, furtando a si mesmo. Segunda, a seus vassalos. Terceira, aos estranhos." Mais recentemente este estranho departamento influenciou-se nos "fiscais do isqueiro", que na década de 1960 fiscalizavam em Portugal quem o usasse, porque para o fazer tinha de pagar uma licença ao Estado. E percebeu que, por trás de cada taxa estrambólica, tinha de haver um bom argumento: os isqueiros pagavam para ajudar à protecção da indústria fosforeira nacional.

A Câmara Municipal de Lisboa deve ter sido agraciada por uma invenção deste departamento secreto. Só isso explica que tenha criado um imposto, disfarçado de taxa de "protecção civil" (algo que não podia fazer), para engordar os seus cofres. A CML, numa perspectiva bondosa da caridade dos cidadãos e contribuintes, decidiu que se os gansos poderiam pagar um pouco mais do que pagavam com a taxa de esgotos, sem lhe dar mais nada em contrapartida. Entre gansos e tansos não havia diferença, como explicava o ministro Colbert, que fez as delícias de Luís XIV. Agora manda vales postais para devolver o imposto retido, mas sem juros. Um hábito: se o cidadão se atrasa um minuto, paga uma coima; se for o Estado a equivocar-se, o cidadão que fique com os prejuízos. O departamento secreto continuará a criar taxas sem neurónios.»

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7.2.18

Perto da Trafaria, a uns minutos de Lisboa




«Todos os dias o acordar deles é uma missão heróica, vão para a escola sem capacidade de fazer os TPC porque não tinham luz. Os que têm a sorte de estudar para a faculdade, fazem-no à luz da vela e os incríveis que já lá estão têm de entregar os trabalhos escritos à mão, porque o PC não funciona sem electricidade.»
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Dica (710)



O papel da Concertação Social (Sandra Monteiro) 

«Restaria um argumento para justificar a decisão: o de que haveria medidas, em particular na área laboral, que o governo não quer tomar por receio da oposição das instâncias europeias e internacionais. É verdade que essa oposição pode sempre surgir. Como foi atrás referido, as engenharias neoliberais têm no trabalho um dos seus alvos de eleição, mesmo se adaptam as pressões exercidas ao grau de receptividade que elas podem encontrar nos poderes políticos nacionais. Mas, até por isso, se o objectivo for evitar uma oposição externa das forças neoliberais, não seria vantajoso que quem se opõe a essas forças assumisse com clareza política as suas propostas? Que, reivindicando valores e princípios que fundaram a tradição socialista, contribuísse para o crescimento da força social que poderá opor-se a décadas de expansão do neoliberalismo?»
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Já ganhei o dia!

A luta das mulheres iranianas


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O pasto do populismo, e uma despedida



«1. Alguns dos meus amigos têm ciúmes de um certo populismo. Vêem nele uma insurgência contra a banalidade e adoram o discurso que promete os 99% contra os 1%. Desconfio de que se metem num beco sem saída.

PUB A pedagogia dos de baixo contra os de cima, das choupanas contra castelos e da arraia miúda contra barões-ladrões, essa é ilustrativa (embora não sejam nem tantos, 99%, nem só 1%: são menos em baixo, porque há-os no meio, e são mais em cima, porque é um poder). Mas, ainda assim, é um discurso de reconhecimento do povo contra os multimilionários, como diria Corbyn. É um enunciado aguerrido e daí o ódio amalgamador que suscita: o uso banal do nome populismo passou a ser o insulto que, mais do que designar a coisa, qualifica o medo e o seu biombo.

Só que o populismo é mais do que o discurso animador. É, ele próprio, um sistema de mando, inspirado no general Péron, como lembra o seu mais destacado teórico moderno, Laclau, marcando a visão do povo atrás do Bonaparte, o líder que guia e que traduz o significado do destino. Os populismos europeus ou Trump confirmam esta desmedida, um atrás do outro.

É por isso importante compreender como tal ambição ganha terreno (24% do eleitorado europeu, diz a assustada Fundação Blair). Há na minha opinião três razões para tal.

A primeira é que a esclerose dos sistemas partidários reforça a percepção de que a sua demolição é inevitável. A passagem desavergonhada de governantes para as empresas com que lidavam (os privados da saúde em Portugal, por exemplo), os dossiers sinistros das privatizações e das PPPs, o lobismo sinuoso, o milhão de euros que inundou a conta de um partido, tudo isso é irremediável. Os eurodeputados que trocam de família uma vez eleitos baseiam-se no mesmo desígnio de quem acha que a virtude é a carreira e a política é a casta.

A segunda é que as respostas dominantes a essa esclerose são mais populismo. As salvíficas primárias transformaram a eleição partidária em rixa de viela esconsa. Se as respostas são primárias, círculos uninominais ou eleições à brasileira, promove-se os rufias. Assim, a esclerose do sistema político e a vontade populista irão de mãos dadas.

Resta a terceira razão para o crescimento populista, essa mais importante: é que a crise da política torna o sistema eleitoral pouco relevante, mais espectáculo do que democracia. A realidade dura é que os banqueiros centrais mandam onde os ministros calam, os comissários europeus controlam mais do que os governos e a finança governa mais do que a eleição. Ora, esse esvaziamento democrático requer sacerdotes cerimoniais que ocupem o lugar da representação. E eles são de dois tipos. O primeiro é o cônsul: o populismo excelso é então aquele que promete a representação orgânica transcendente do povo total, que o líder olha do cimo do pedestal – a embriaguez de Macron que, parece brincadeira, mas se faz tratar por Júpiter, é um exemplo. É sempre o populismo realmente triunfante que alimenta o populismo desconfiado. O segundo tipo de sacerdote é o magistrado que ocupa o lugar da política quando promete a limpeza em vez da lei, pois está acima da miudeza profana e, uma vez saboreando o doce poder, não voltará atrás. O populismo e a república das togas invadiram o século da realidade virtual.

2. Tudo tem um tempo e termina hoje esta minha crónica no PÚBLICO. Agradeço à então directora, Bárbara Reis, que me convidou, e ao actual director, David Dinis, o acolhimento amável para este blog que, com os meus parceiros, Ricardo Cabral e Bagão Félix, foi sendo um espaço de escrita polémica, espero que por vezes rebelde. Nunca me foram pedidos limites a essa liberdade de opinião e sempre me senti em casa neste jornal de referência. Foi um gosto. Até um dia.»

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6.2.18

A derradeira liberdade


«Pensar a morte implica conceber deixar de existir. É difícil, não temos ideia do que significa inexistir e o vazio é sempre assustador. Mas boa parte do que torna a ideia da nossa própria morte tão angustiante não é a abstração do nada. É a antecipação do momento, em vida, em que tomaremos consciência de que a morte é certa. E o medo maior é que esse momento seja longo, doloroso ou degradante. Que o nada chegue antes de nos irmos, que o corpo nos sobreviva, muito para além da vontade e, portanto, da dignidade.

É fundamentalmente por isto que a eutanásia não é uma escolha sobre a morte. É sobre a liberdade de decidir como queremos viver uma morte quando esta se afigura insuportavelmente inevitável.»

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Dica (709)




«The bourgeoisie, what is it good for? To paraphrase the soul singer Edwin Starr: absolutely nothing – at present, when it comes to defending the rule of law. The people who run our banks, corporations and small businesses seem deeply relaxed about democracy falling apart.(…)
Never accept at face value that the modern state is neutral. It’s a battleground between the interests of the many and the interests of an increasingly desperate, barmy and anti-democratic few.»
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Centeno: Dr Jekyll e Mr Hyde




«"Há espaço para ir mais longe em reformas que reduzam a proteção laboral excessiva nos contratos permanentes em países como Portugal e Espanha", defende um estudo da Direção-Geral para os Assuntos Económicos e Financeiros, ontem divulgado.»

Isto até pode dar jeito ao governo no diálogo com os parceiros de esquerda: não cede nisto, não aceita o resto que é pedido em termos de reforma laboral. Não nascemos ontem, pois não?
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O problema deve ser meu ...



«…mas não consigo interessar-me pela política portuguesa nestes dias. Ou melhor: não consigo interessar -me pela política portuguesa que vem nos jornais e passa na televisão. Pelo contrário, não há número do New York Times, ou do Washington Post que de uma ponta a outra não me pareça interessante. Até a culinária deles, quando a de cá me faz avançar páginas e páginas das revistas e jornais portugueses cheias da culinária, da gastronomia, dos restaurantes, o que significa com o modismo da comida nos nossos dias que leio menos de metade do que há para ler. Posso comprar um espesso jornal ou revista, que passeio sobre ele um enorme desinteresse. Insisto, o mal pode ser meu e tudo aquilo brilhar de interesse, novidade e qualidade de escrita e eu não dar por ela.

Passo assim por ser um miserável snobe, um elitista que acha bom tudo o que é estrangeiro e despreza a Pátria. Talvez, embora desprezar a Pátria não me parece. Mas que interesse tem uma política que se caracteriza pelo atentismo de tudo e todos pela crise que há-de vir, pelo Diabo que pelos vistos foi passar as férias às Caraíbas destruídas pelos furacões? Marcelo continua a ser o que era, mais 10 mil beijinhos em cima, Costa continua um "optimista irritante", Cristas e Catarina estão no mesmo registo tribunício, Jerónimo está apanhado pelo mesmo labirinto de vozes e palavras sem eco. A comunicação social propriamente dita constitui uma fonte cada vez mais importante de política, assim como o Ministério Público, mas as regras são tablóides. Apesar de haver algum ruído, até o ruído está cansado.

De facto que interesse tem para a Polis que um governante ou um deputado tenham ido a um jogo de futebol a convite de um clube e se veja nisso uma tenebrosa conspiração de corrupção. Alguém acredita que Centeno perdoou umas dívidas fiscais à família do presidente do Benfica e depois lhe disse: "veja lá se me manda o pagamento", ou a "propina" se for em Angola que o trato se fez, ou uns "ovinhos" ou umas galinhas para eu fazer uma sopinha, ou uns bilhetes para o jogo do Benfica na tribuna presidencial? Mas se ninguém acredita e duvido muito sinceramente que alguém acredite pelo menos que o pagamento tenha sido feito em bilhetes para o jogo, porque é que a gente, jornalistas, comentadores, políticos, procuradores, perdem o seu tempo precioso com isso que de corrupção nem sequer tem uns fumos. Uma resposta é que de facto não acham que o seu tempo é precioso, a outra é que não têm mais nada para fazer.



5.2.18

Bruno de Carvalho?



Eu juro que não sei de todo qual é o drama que se passa no Sporting. Mas foi delirante ter a TV sem som, ver Bruno de Carvalho a gesticular e ler algumas das frases que iam sendo afixadas. Esteve 50 minutos no ar, em vários canais, pelo que me dizem com uma linguagem imprópria para crianças e não só.


Isto já bateu no fundo, não foi?
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O mundo seca




«Foi cunhado até um termo especialmente dramático, o “Dia Zero”. Este será o dia em que a capacidade média das barragens que fornecem água à cidade estiver abaixo dos 13,5%. O nível actual está em cerca de 26%. (…)

Tal como numa profecia apocalíptica, todos sabem o que acontece quando o dia chegar. A água das torneiras nas zonas residenciais será cortada – nas áreas mais pobres não haverá um corte, mas a água irá correr com pressão reduzida.

Mantém-se o fornecimento a edifícios considerados essenciais, como escolas, hospitais ou bombeiros. A população poderá dirigir-se a um dos 200 postos de distribuição de água racionada, onde vai haver forte presença policial, mas cada pessoa tem direito a 25 litros por dia. Como termo de comparação, em Portugal o consumo médio é superior a 200 litros diários.»
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Uma mulher vive bem sozinha




«A viuvez deixa-os perdidos no espaço doméstico, incapazes de apontar a localização do fogão ou do frigorífico. Elas, pelo contrário, manejam muito mais facilmente a solidão. Eis uma das razões – para além das demográficas – que ajudam a perceber por que há quatro vezes mais viúvas do que viúvos.»

E eu junto um tema que o texto não aborda: diz-me a experiência que os homens (estou a falar de gente de uma certa idade, não de jovens), raramente viajam sozinhos, ao contrário das mulheres. Se foram viúvos voltaram a casar-se, caso contrário ficam em casa, mesmo que a mulher viaje. Quando fui há pouco tempo a Marrocos, num grupo de 32 pessoas, havia 25 mulheres e 7 homens (seis deles em casal). Uns tristes!
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Dica (708)




«Donald Trump will destroy this entire country — its institutions and its safeguards, the rule of law and the customs of civility, the concept of truth and the inviolable nature of valor — to protect his own skin.
We are not dealing with a normal person here, let alone a normal president.»
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Isto não é um cachimbo



«Há um quadro famoso do surrealista René Magritte, "Ceci n'est pas une pipe", com um desenho de um cachimbo que tem, por baixo, uma frase: "Isto não é um cachimbo." Ou seja, o objecto representado não o é. Este exercício parece ser agora o guia de comportamento do Ministério Público português. Por baixo de uma estátua da justiça, com a deusa vendada e com uma espada e uma balança nas mãos, o MP (e a PGR) parece querer, num momento inspirado na observação cuidadosa de quadros de naturezas-mortas, inscrever a frase: "Isto não é justiça." Este exercício de frugalidade ficou agora patente num dos mais patéticos e infantis exercícios do poder judicial nos últimos anos. Alguém, no MP, leu nos jornais ou viu nas redes sociais que Mário Centeno tinha pedido dois bilhetes para um jogo do Benfica e, num exercício de Sherlock Holmes manhoso, reparou que havia algo com uma isenção municipal a uma empresa de Luís Filipe Vieira. Aí descobriu o segredo da electricidade e viu a luz: tudo está ligado. Rapidamente se fez soar que Centeno estava a ser investigado e fez-se uma busca às instalações do Ministério das Finanças. Depois de se ter conseguido colocar em causa a presença de Centeno à frente do Eurogrupo, a PGR veio anunciar, célere, o "arquivamento por falta de provas". Se isto não fosse uma prova de incompetência infantil e o caso não fosse sério (porque envolve a imagem do Estado) até poderíamos pensar que já estávamos no Carnaval.

O MP acha que a justiça é um serviço de pizzas ou de frango assado ao domicílio. Mas, para isso se concretizar, não instrui processos: cria uma empresa de distribuição. A questão é que, depois desta actuação trapalhona, não se escutou uma palavra da agora endeusada Joana Marques Vidal. Nem um pedido de desculpas da PGR. Nem o anúncio de um inquérito interno à palermice do MP. Cioso de ser autónomo face aos poderes eleitos, o MP parece precisar de uma Supernanny. O MP está a fazer militantemente o pior que pode acontecer à justiça: vive na idade do espectáculo. Sabe-se o que acontece depois.»

Fernando Sobral
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4.2.18

Triumph – Crónica do vazio depois da luta



As mulheres que já não são da Triumph.

«Durante 20 dias foram "as mulheres da Triumph", uma epopeia fabril como há tanto não se via, a ecoar hinos proletários e solidariedades nostálgicas. Agora estão em casa, os sonos ainda trocados das vigílias, a adrenalina em queda, a incerteza em alta. Crónica do vazio depois da luta.»
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04.02.1961 - O início da Guerra Colonial



4 de Fevereiro de 1961 marca o início da luta armada em Angola, concretizado numa revolta em Luanda, com ataques à Casa de Reclusão, ao quartel da PSP e à Emissora Nacional.

Os acontecimentos agravam-se com importantes ataques no Norte de Angola, na noite de 14 para 15 de Março, mas só em 8 de Abril é que Salazar se refere pela primeira vez, em público, aos acontecimentos.

A partir daí, tudo se precipita: cinco dias depois falha um golpe de Estado dirigido por Botelho Moniz, ministro da Defesa, Américo Tomás reitera a sua confiança no Presidente do Conselho e este anuncia uma remodelação ministerial que o faz assumir também a dita pasta da Defesa, entregando a do Ultramar a Adriano Moreira.

Em 13 de Abril, lança uma frase que ficará célebre: «Andar, rapidamente e em força!»

Depois, foi o que se sabe. Durante mais treze anos.



Sobre a Guerra Colonial, veja-se este site.
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Amor em Sacavém



«Ainda lá está. Já curvada, mas com raízes mais profundas. Foi junto dela, uma árvore jovem, que pedi namoro à miúda mais bonita do liceu. Eu, um rapaz desengonçado e tímido, enchi o peito de ar e pensei que também era capaz. O sim ou o não ficaram adiados para o intervalo seguinte. Faltei a Português e fui afogar a ansiedade em cerveja. A hora chegou. Não podia adiar. E o sim derrotou o não. O que parecia um atrevimento momentâneo de um desengonçado transformou-se num amor de anos.

PUB Atravessámos todas as descobertas próprias de quem nunca tinha amado. Trocámos milhares de verbos e adjectivos escritos à mão em cartas transportadas pelos correios públicos e cumpridores. Fizemos juras de amor eterno. Projectámos um futuro risonho. Foram anos assim. Uma maratona suada de olhares cúmplices e ternuras de pele. E quando a meta da maratona já se via lá ao longe, as cartas acabaram, o telefone não tocou mais, as mãos não se voltaram a entrelaçar e a ternura desvaneceu-se. Nunca. Nunca dissemos um ao outro a palavra “acabou”. Faltou coragem. Ficámos em suspenso como que ligados ao ventilador.

É bom fechar os olhos e percorrer a fita do tempo. É bom quando a fita nos dá prazer. Nos ensina. O tempo tem destas coisas. Não me importo nada de estar a envelhecer. Quando passo junto à imponente fachada do antigo liceu, olho sempre para a árvore, agora já curvada como eu. Ganho força. Amor. Palavra quase proibida. Fora de moda. Antiga. Que não se usa. E o mundo necessita tanto dela.

Hoje quase nos espezinhamos. A ganância não olha a meios. Somos máquinas de carne. Máquinas do dinheiro. Alucinados e convencidos de que temos uma vida feliz. É natural ouvir o chavão que o mundo mudou. Mudou? Somos modernos. Evoluídos até. É moderno não ser trabalhador, mas colaborador. Não ter um emprego, mas ser precário. É moderno reduzir a massa salarial e ser despedido. É moderno viver na rua porque é um modo de vida. Chamar aos direitos privilégios. É moderno morrer por falta de um exame médico, porque se tem de poupar. É moderno aumentar os lucros para a economia florescer. É moderno desviar em vez de roubar. Segregar em vez de integrar. É moderno ter, afinal, ideias e métodos tão antigos.

Escrevo. Apago. Volto atrás. Escrevo duas frases. Fico com dúvidas. Sinto-me deslocado. Não sou moderno. Eu sei. Escrevo sobre o amor. Escrever sobre o Ronaldo teria mais leitores. Amor? Sim, fui encontrá-lo em Sacavém.

À direita, um edifício gigante abandonado. Também ali já trabalharam centenas de pessoas. Agora é um esqueleto. À esquerda, outro edifício espera pela morte anunciada. Mulheres de azul transformam-se em guardiãs da dignidade. Trabalharam anos ao minuto. A um ritmo desumano. Para produzirem cada vez mais. Meia hora para almoçar. Ao segundo. Os modernos deixaram de pagar salários. Os modernos queriam levar as máquinas. As mulheres, antigas, com sabedoria, montaram a vigília. Unidas, defenderam ao minuto o mais elementar direito, o seu salário.

Fizeram da berma da perigosa estrada a sua cozinha, a sua despensa, a sua sala de estar. Da fogueira, o seu aquecimento. Sol, chuva, vento, frio, nevoeiro. Força, desencanto, alegria, lágrimas. Muita solidariedade. Dos que sempre a manifestaram. Afectos de quem sempre os deu e não os descobriu agora para posar em frente a uma câmara de televisão. Desta vez faltou à chamada. Na manhã que souberam que não era mais necessário guardar o portão branco, as mulheres abraçaram-se genuinamente, gritando, rindo e soluçando. Eu também, escondido na minha câmara fotográfica, deixo que os olhos humedeçam.

No passeio em frente à fábrica, uma linha de cadeiras está agora vazia. As mulheres não conseguem estar sentadas. A espera acabou. Sentado numa caixa vermelha descanso as pernas e olho para aquelas mulheres. Que lição de vida me estavam a oferecer. Ali estava a luta, o amor. Eu não podia estar distante. Nenhum português devia estar distante. Fiquei feliz por elas. Aquelas mulheres exploradas até ao tutano trabalhavam com amor. Gostavam do que faziam. Parece um contra-senso. Exploradas ao minuto, mas felizes. Só se explica porque já eram umas guerreiras.

A sua luta de dias infindáveis deixará sementes. Poderão nascer árvores. E debaixo delas poderá nascer amor.»

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