6.2.18

O problema deve ser meu ...



«…mas não consigo interessar-me pela política portuguesa nestes dias. Ou melhor: não consigo interessar -me pela política portuguesa que vem nos jornais e passa na televisão. Pelo contrário, não há número do New York Times, ou do Washington Post que de uma ponta a outra não me pareça interessante. Até a culinária deles, quando a de cá me faz avançar páginas e páginas das revistas e jornais portugueses cheias da culinária, da gastronomia, dos restaurantes, o que significa com o modismo da comida nos nossos dias que leio menos de metade do que há para ler. Posso comprar um espesso jornal ou revista, que passeio sobre ele um enorme desinteresse. Insisto, o mal pode ser meu e tudo aquilo brilhar de interesse, novidade e qualidade de escrita e eu não dar por ela.

Passo assim por ser um miserável snobe, um elitista que acha bom tudo o que é estrangeiro e despreza a Pátria. Talvez, embora desprezar a Pátria não me parece. Mas que interesse tem uma política que se caracteriza pelo atentismo de tudo e todos pela crise que há-de vir, pelo Diabo que pelos vistos foi passar as férias às Caraíbas destruídas pelos furacões? Marcelo continua a ser o que era, mais 10 mil beijinhos em cima, Costa continua um "optimista irritante", Cristas e Catarina estão no mesmo registo tribunício, Jerónimo está apanhado pelo mesmo labirinto de vozes e palavras sem eco. A comunicação social propriamente dita constitui uma fonte cada vez mais importante de política, assim como o Ministério Público, mas as regras são tablóides. Apesar de haver algum ruído, até o ruído está cansado.

De facto que interesse tem para a Polis que um governante ou um deputado tenham ido a um jogo de futebol a convite de um clube e se veja nisso uma tenebrosa conspiração de corrupção. Alguém acredita que Centeno perdoou umas dívidas fiscais à família do presidente do Benfica e depois lhe disse: "veja lá se me manda o pagamento", ou a "propina" se for em Angola que o trato se fez, ou uns "ovinhos" ou umas galinhas para eu fazer uma sopinha, ou uns bilhetes para o jogo do Benfica na tribuna presidencial? Mas se ninguém acredita e duvido muito sinceramente que alguém acredite pelo menos que o pagamento tenha sido feito em bilhetes para o jogo, porque é que a gente, jornalistas, comentadores, políticos, procuradores, perdem o seu tempo precioso com isso que de corrupção nem sequer tem uns fumos. Uma resposta é que de facto não acham que o seu tempo é precioso, a outra é que não têm mais nada para fazer.



E no entanto...

…há muita coisa para investigar, para saber, muitas histórias para esclarecer que continuam obscuras ou silenciadas. Por exemplo, anda para aí um clamor que os sindicatos estão a empurrar a Autoeuropa para fora de Portugal. Talvez. Mas onde é que eu leio o que levou à falência da Triumph ou da Ricon, onde é que eu encontro a história? – que se fosse jornalista económico gostaria muito de esclarecer. Temos histórias sobre o desespero dos trabalhadores atirados para o desemprego, mas não temos a história das falências, dos erros de gestão, da ganância, da incompetência, ou dos erros do crédito e da banca, ou do Estado ou da intransigência do fisco, ou das autarquias que possam explicar a morte daqueles postos de trabalho. Alguém tomou decisões muito erradas, mas esse alguém está certamente melhor do que aquelas mulheres e famílias que vemos à porta a fazer uma vigília.

Por exemplo, quantas startups que receberam nos últimos anos os maiores elogios de governantes em trânsito ou de artigos de jornais económicos desapareceram? Ou alguém me explica, e aos portugueses, como é que para publicar uma notícia, por exemplo sobre uma empresa, ou um escritório de advogados, ou um novo restaurante, é preciso pagar a uma agência de comunicação e qual é o papel dos jornalistas nas redacções para privilegiarem uma notícia sobre a outra, e para encherem páginas mais ou menos especializadas só, e insisto só, com notícias que chegam através de agências? Como é? São pagos com bilhetes de futebol, ou viagens às Seychelles? Silêncio. Podia continuar até ao fim da Sábado.

E o que tem a "estranja" de bom?

Aqui o estrangeiro são os EUA e os EUA são peculiarmente interessantes porque estão a atravessar aqueles "tempos interessantes" da maldição que passa por ser chinesa, mas não é. Se quisermos personificar a coisa, é Trump, mas também é o Partido Republicano com a espinha quebrada por Trump, são os Democratas com a sua enorme fragilidade, nalguns casos covardia dos de cima e "resistência" dos de baixo, é a oposição mais eficaz a Trump feita nos jornais e com os humoristas da televisão, é o fake news e o uso do Twitter, é a estratégia russa e a manipulação das eleições, é a questão trumpiana do deep state e a resistência institucional aos ataques à democracia, é o modelo da Fox News, é o #MeToo e as mudanças nas relações entre homens e mulheres, são as imbecilidades do "politicamente correcto" e o racismo crescente na política de imigração, etc., etc.

O que tem a "estranja" de bom é que tudo está a mudar e a gente a ver, a ouvir, a ler e a discutir. E, presume-se, a agir.»

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