«A tentativa de golpe na Turquia está a servir para que a Rússia se volte a aproximar de Erdogan. Mas os Estados Unidos não querem, nem podem, deixar afastar-se um aliado fundamental na NATO.
A tentativa de golpe de Estado na Turquia não tornou apenas Recep Erdogan mais poderoso. Abriu novas janelas para alianças julgadas impensáveis há um mês. Por exemplo, Erdogan vai visitar São Petersburgo em Agosto para se encontrar com Vladimir Putin. Trata-se de uma forma de cimentar relações que estiveram no congelador após ter sido abatido um caça russo e que melhoram substancialmente após Moscovo ter sido um dos primeiros países a condenar de forma inequívoca o golpe. Ao contrário da forma dúbia como o fizeram os tradicionais aliados ocidentais de Ancara. A ironia tem destas coisas: os pilotos dos F-16 que abateram o caça russo foram agora acusados pelas autoridades turcas de fazerem parte do círculo de Fethullah Gülen e de um deles ter mesmo bombardeado Ancara na noite do golpe. Ou seja, Erdogan tem para oferecer a Putin uma boa desculpa para o esfriamento das relações: foi uma manobra do círculo de Gülen para cortar as ligações com os russos e enfraquecer o Governo turco. E assim vão poder reatar-se as relações económicas, muito importantes para a Rússia (o território turco é uma via de transporte do gás russo para a Europa devido aos problemas na Ucrânia) e para a Turquia (sobretudo no turismo e agricultura), entre os dois países.
Há ainda outro dado importante: a Rússia não tem qualquer ligação com o movimento de Gülen, ao contrário dos EUA. Têm de resto sido revelados na imprensa americana fortes donativos de apoiantes de Gülen para a campanha de Hillary. Os russos, pelo contrário, sempre viram o movimento de Gülen de forma suspeita, devido à sua presença em várias repúblicas da Ásia Central. Se bem que sejam evidentes as ligações americanas a Gülen, os EUA não se podem dar ao luxo de isolar Erdogan. A Turquia é fulcral na luta contra o Daesh. E a sua importância no flanco sul da NATO é decisiva. Daí que tenha estado em Ancara o chefe de Estado-maior General das Forças Armadas americanas, o general Joseph Dunford. A ideia é desanuviar a tensão entre os dois países no sensível sector militar. Dunford encontrou-se com o general Hulusi Akar, que continuará a liderar as Forças Armadas turcas. Akar tinha sido escolhido para o posto por Erdogan em Agosto de 2015 e a ele caberá "limpar" os militares turcos sem afectar a sua operacionalidade. E isso faz parte da estratégia de Erdogan de supervisionar directamente as Forças Armadas turcas. Daí que as conversas de Akar com Dunford, incidindo sobre a NATO e a base de Incirlik, tenham que ver com a manutenção da ligação de Washington a Ancara. Resta saber onde caberá aqui a extradição de Gülen.»
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