9.2.13

Engenho e arte



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Reformados: «Fomos o grupo escolhido para o massacre fiscal»




Entrevista a Rosário Gama, publicada hoje na p.8 do primeiro caderno do Expresso.

Tudo começou em outubro, quando um pequeno grupo de reformados, indignado com o Governo, decidiu criar uma associação. Anunciaram na net uma primeira reunião, em Coimbra, e marcaram sala para 150 pessoas. Apareceram 500. Hoje, a APRe! tem núcleos em todo o país e conta com mais de três mil associados. A direção é eleita este mês. Rosário Gama, ex-diretora da escola pública com melhores resultados nos rankings, é o rosto da associação.

Chamaram APRe! ao vosso movimento. Os reformados estão mesmo irritados? A designação tem precisamente esse sentido. Queremos mostrar indignação perante o ataque do Governo a este grupo social. Achámos que essa expressão, que ainda por cima coincide com a sigla das palavras Aposentados, Pensionistas e Reformados, era ideal para transmitir o que sentimos. Apre! Basta!

Que ataque é esse? Fomos o grupo escolhido para o massacre fiscal. Vamos ser altamente penalizados, não só com os novos escalões de IRS, que afetam as pensões a partir de 500 e poucos euros, mas também com a sobretaxa de 3,5% e com a contribuição extraordinária de solidariedade, que é exclusiva para os aposentados. É uma violência.

Os reformados não devem participar no esforço pedido a todos os portugueses? Devem. Mas não podem ser saqueados.

O Governo afirma que há muitos reformados que não descontaram para a reforma que estão a receber. É verdade. Mas são os políticos. Muitos fizeram carreiras pequeníssimas na Assembleia da República e nas autarquias e de facto não descontaram o suficiente para o que recebem. Mas a esmagadora maioria dos reformados teve carreiras longas. E 90% das reformas são inferiores a 500 euros. Por isso, o primeiro-ministro não conhece a realidade ou está a deitar poeira para os olhos dos portugueses.

Os reformados não se sentiam bem representados? Achámos que não havia nenhuma associação que o fizesse devidamente. Os sindicatos voltam-se sobretudo para a defesa dos direitos das pessoas no ativo. Há 2,7 milhões de reformados. Precisam de uma voz ativa. O movimento integra gente de todas as tendências e de todas as profissões. Surgimos há pouco tempo e já temos mais de três mil associados. Em média, inscrevem-se 20 pessoas por dia.

Diz que cortar nas pensões afeta todas as gerações. Como? Quando se fala em reformados, as pessoas imaginam gente de 80 e tal anos. Mas há muitos a partir dos 58, 59 anos. Ainda são bastante novos, têm casas para pagar e vários compromissos que assumiram em função do que sempre lhes foi dito que iam receber quando se reformassem. Somos uma geração ensanduichada. Por um lado temos os filhos, já com as suas famílias constituídas e a precisarem da nossa ajuda e, por outro, ainda temos pais a cargo, a quem damos apoio. O corte das reformas vem travar muito o apoio dado aos filhos e aos netos.

Não podem fazer greve. Como pretendem fazer-se ouvir? Somos uma associação de pressão. Fomos recebidos por todos os grupos parlamentares à exceção do PSD, que não quis. Entregámos uma petição com 13500 (*) assinaturas que em breve será discutida no plenário. E vamos agir junto dos tribunais. Queremos ser ouvidos enquanto parceiros sociais.

Acha que movimentos cívicos como este vão ganhar força? Não tenho dúvida. E penso que a Constituição devia permitir que pudessem concorrer à Assembleia da República. Estou muito preocupada com o desânimo dos portugueses relativamente aos políticos. A culpa é deles, porque não param de surgir novos chicos-espertos nos governos e nos partidos. O Estado trata as pessoas como utentes, não como cidadãos.

(*) E não 3500, como noticia o Expresso.
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A pequena Europa



«Hoje, se a política estivesse à altura dos desafios que a Europa enfrenta, não estaríamos a assistir à redução de um orçamento comum, já de si ridículo. Estaríamos a discutir a necessidade de aumentar substancialmente o orçamento europeu, para permitir que ele alimentasse políticas de desenvolvimento comum, em contraciclo com a austeridade reinante nos orçamentos nacionais. E estaríamos a tornar o orçamento mais transparente para os cidadãos, criando uma taxa universal comum do IRS e do IRC, para acabar de vez com a chantagem dos "contribuintes líquidos". Mas os pequenos políticos que nos governam insistem em construir uma Europa pequena, à sua altura. Por este caminho, ela será tão pequena que até eles não caberão nela.»

Viriato Soromenho-Marques

PS: é mais ou menos isto



Entretanto, a tão desejada união do partido avança por outras inesperadas vias: segundo o Expresso, de hoje, «uma conversa através do telemóvel de António José Seguro pôs fim à zanga entre Mário Soares e Mauel Alegre, que durava desde 2005». 
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8.2.13

Parágrafo do dia (1)



«Portugal precisa de um ajustamento estrutural da sua elite económica. Vivem claramente acima das nossas possibilidades.»

José Manuel Pureza

Sondagem reconfortante e prometedora



Parabéns e muitos anos de vida para os meus queridíssimos compatriotas, com ou sem pagodes na bandeira. Tudo corre mais ou menos bem, certo? Óptimo!...


Resultados sobre as intenções de voto dos portugueses, reveladas pela Eurosondagem ao Expresso e à SIC:


(Fonte e mais informação)

Comentários? Este:


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E a Grécia ali à esquina?





Sugestão para professores portugueses;


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O BPI aguenta



(Charneca da Caparica)
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Ulrich, Franquelim, Amorim... Falemos da riqueza



O Editorial de Le Monde Diplomatique de Fevereiro, por Sandra Monteiro.

«Portugal tem de falar menos dos que têm dinheiro e mais dos que não têm», afirmou recentemente, em entrevista ao caderno de «Economia» do Expresso, o empresário Américo Amorim, considerado a segunda fortuna do país em 2012 (Expresso, 2 de Fevereiro de 2013). A afirmação teve destaque de primeira página, mas falha como preocupação consequente com a pobreza que devasta as vidas de milhões de portugueses: o empresário acha que «a crise não existe», que «as pessoas não querem é entender que a economia mundial mudou». Espera que «continue o processo de reprivatizações» e esclarece: «é uma cachorrice» criticar quem tem dinheiro porque sem criação de riqueza não há erradicação da pobreza.

Américo Amorim limita-se a repetir o que dizem os neoliberais. É por isso que é preciso falar da riqueza. A narrativa não tem surpresa: o Estado deve respeitar a «livre iniciativa» e retirar-se de todas as áreas em que a intervenção pública competiria com os negócios privados; deve limitar-se a algumas funções constitucionais (Estado mínimo, assistencialista, algumas funções de soberania); e deve deixar a riqueza (privada) seguir o seu livre curso, porque ela há-de jorrar do topo até à base da sociedade.

Tudo isto é um mito, e desastroso. A riqueza não escorre «naturalmente» de cima para baixo, acudindo a quem mais precisa. Obrigar à sua redistribuição tem sido tarefa histórica de Estados fortes, de movimentos sociais e sindicais corajosos, e de cidadãos apostados na construção de sociedades mais coesas e igualitárias. Também não é nada «natural», mas o resultado de uma correlação de forças, o movimento da riqueza em sentido inverso, de baixo para cima, como acontece em períodos de enfraquecimento dos poderes públicos, de aumento da exploração do trabalho e de substituição da redistribuição por uma apropriação dos rendimentos dos que menos têm para enriquecer os mais abastados.

Nas sociedades humanas, como em qualquer ecossistema, o destino de uns influi no destino dos outros. O Estado social e democrático, com todos os seus defeitos e insuficiências, estabeleceu entre os cidadãos e os poderes públicos um contrato de solidariedade para implantar políticas de combate às desigualdades. Esse compromisso está a ser rompido. O capitalismo português, medíocre e riscofóbico, construiu poderosas redes com o poder político para capturar o Estado, parasitar os seus recursos e resolver incompetências e fraudes de gestão com resgates públicos. Assim se acumula em algumas mãos a riqueza que deixa outros sem comer ou sem abrigo. Temos de recuperar e criar os instrumentos de política (financeira, fiscal, industrial) para a conter e redistribuir, ou não teremos uma sociedade decente. Reapropriarmo-nos dessa exigência ética será a melhor forma de assustar os que hoje, com sobranceria, aplaudem mais austeridade, mais privatizações e mais negócios libertos de regulações, sejam quais forem as consequências sociais ou ambientes.

Continuar a ler AQUI.
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7.2.13

Parece impossível mas não é: faz hoje 86 anos



Gréco, Juliette Gréco. E até terá estado hoje em Lisboa, no Institut Français du Portugal, numa sessão de lançamento dos CDs de homenagem à Canção Francesa, distribuídos com o jornal Público à quinta-feira.

Três apontamentos inevitáveis, entre muitos outros possíveis:






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Olhar para os números



Distribuído hoje, em Lisboa, pelos trabalhadores do Metro.
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Matrioska de omissões



Nem a crónica de Ricardo Araújo Pereira escapa hoje ao tema dos últimos dias – a saga Franquelim Alves.

«Há meses, houve barulho porque Artur Baptista da Silva acrescentou umas coisas ao seu currículo. Agora, há barulho porque Franquelim Alves retirou umas coisas ao dele. Com franqueza, decidam-se. Não se pode ser criativo com o currículo, que este maldito cinzentismo português não deixa. (...)

Quanto a indignações, só tolero a dos centristas. O CDS, neste momento, é o partido com o qual o povo português mais se identifica. Eles também não concordam com nada do que o Governo faz, mas não têm outro remédio senão amochar.»

Na íntegra AQUI.
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Franquelim: trabalhador precoce que nem sabe redigir um currículo



Foi pelo Câmara Corporativa que soube que o Portal do Governo informa que o dr. Franquelim, para além de todas as qualidades reconhecidas, foi um adolescente precoce e começou a trabalhar na empresa de consultoria Ernst & Young aos 16 anos (em 1970, nascido em 1954). Claro que há sempre a hipótese de ter sido admitido como contínuo ou como distribuidor interno de cafés, para depois «subir a pulso» (até porque só se licenciou em 1979), mas enfim...

Hoje, são vários os órgãos de comunicação social que se fazem eco da notícia, com uma informação adicional, já ontem muito comentada no Facebook: a dita empresa só existe, a nível mundial, desde 1989, tendo resultado da fusão de outras duas. (Disso até eu me lembrava já que, por razões profissionais, com ela lidei bastante no início dos anos 90.)

Se fosse só o Portal do Governo a fantasiar, virava a página. Mas não: no site de uma entidade um pouco mais credível – a Universidade Católica – lá está a informação, em cv aparentemente fornecido pelo próprio Franquelim. Com uma variante: já teria 17 anitos ao ser admitido na E&Y (1971) e não 16. Mas independentemente da idade, o que impressiona é a falta de rigor de alguém que redige desta maneira o seu próprio currículo para uma instituição académica. Preocupante quando se trata de um secretário de Estado...

Franquelim Alves poderá ter trabalhado para uma das percursoras da E&Y, talvez a Arthur Young, nunca para uma empresa fantasma que só veio a existir quase duas décadas mais tarde. Seria normal que um funcionário dos velhinhos TLP dissesse que tinha ingressado na Portugal Telecom em 1970, quando esta só existe desde 1994? Ou na Galp? Já agora: não terá sido o Infante D. Henrique o primeiro presidente da Lisnave? 
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6.2.13

Lusófona: alguém sabe como vão as investigações sobre a licenciatura do Relvas?

Ainda podia andar por aí



François Truffaut faria hoje 81 anos. Viveu pouco (morreu aos 52), mas os 26 filmes que nos deixou falam por ele. Com uma infância atribulada, que acaba por retratar parcialmente em «Les quatre cents coups», Truffaut fundou um cineclube aos 15 anos e foi rapidamente descoberto por André Bazin que viria a ter uma influência decisiva na sua carreira, introduzindo-o junto dos grandes nomes da época e nos celebérrimos «Cahiers du Cinéma». Tornou-se um dos principais representantes da Nouvelle Vague francesa e, nesses tempos áureos do cinema francês, era sempre com ansiedade que se aguardava a estreia de um novo título.

Lembro-me de ter visto «Baisers Volés», em Paris, no Verão de 1968, três vezes no mesmo dia, (e ainda hoje de cor sei a letra da banda sonora...).




E uns anos antes tinha havido «Les quatre cents coups» (1959):




Pelo caminho, entre muitos outros, «Fahrenheit 451» (1966):


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Internacional quê?



De um artigo de opinião de Alfredo Barroso, no Público de hoje (sem link, mas divulgado pelo autor aqui).

«"O povo não come ideologia" é uma frase muito batida, normalmente utilizada pela direita ou por políticos oriundos da extrema-esquerda sempre em trânsito para a direita. É característica do pragmatismo sem princípios que tomou conta dos partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas membros da Internacional Socialista, na última década do século passado, a partir da fracassada Terceira Via teorizada por Anthony Giddens e adoptada por Tony Blair, Gerhard Schroeder, António Guterres e tutti quanti por essa Europa fora. No fundo, não passou de uma conversão encapotada às delícias do neoliberalismo. Foi uma abdicação ideológica que os tornou comparsas da direita e reforçou o "rotativismo" no poder, com as mordomias que ele confere e os tachos que permite distribuir. (...)

Um "prodígio sem ossos" não faz grandes ondas, provoca apenas uma ligeira ondulação enquanto aguarda tranquilamente a sua vez para regressar ao poder. A Internacional Socialista está cheia de "prodígios sem ossos" ansiosos por agradar a plutocratas, banqueiros, grandes empresas e seus accionistas, gestores e patrões. A Internacional Socialista está em crise profunda porque os partidos que dela fazem parte cortaram as suas raízes históricas, abdicaram de ter um pensamento próprio, autónomo, original, e julgaram erradamente que se renovavam catrapiscando ideias e propostas dos seus adversários da direita neoliberal e neoconservadora. Os resultados estão à vista.»
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Europa «a caminho» da China?



O governo chinês revela agora um plano ambicioso para reduzir as desigualdades sociais, onde se prevê, entre outras medidas, o aumento do salário mínimo e uma reforma dos impostos. As empresas estatais, os especuladores imobiliários e os «ricos» serão mais tributados para que seja diminuído o abismo entre as elites urbanas e as centenas de milhões de pobres que vivem nas zonas rurais e os aumentos de salários dos executivos das empresas estatais deverão ser inferiores aos dos empregados. Serão também reservadas maiores verbas para saúde e educação.

É pouco e não se vê nada de especialmente novo? O objectivo é evitar confrontos sociais, sempre à beira de poderem transformar um país descomunal num barril de pólvora, e tentar manter o controlo sobre o crescimento? Certamente, mas o caminho está a ser feito e não sou dos que creio que é votado ao fracasso. 

Mas a Europa está a seguir o caminho exactamente oposto, com a esperança inconfessada de apanhar as Chinas deste mundo para com elas poder finalmente competir no mundo global. É isso que está a ser feito, com as mais variadas etiquetas, diga-se o que se disser.

Mas é bom não esquecer que a China só chegou onde está, e só fará o caminho que agora traça, com uma mão de ferro que ignora liberdades e direitos fundamentais que a Europa sempre consagrou. Irão estes, como a criancinha, com a água deste enorme banho europeu? É um grande risco em que não parecemos acreditar.

(Fonte)

5.2.13

As mulheres e as calças


(Clicar na inagem para ler.)

Os jornais noticiaram ontem que «as parisienses já podem usar calças», por ter deixado de se aplicar uma proibição expressa numa lei do início do século XIX, mais tarde regulamentada por circulares em que eram admitidas duas excepções: andar a cavalo ou de bicicleta. O ministério dos Direitos da Mulher francês veio agora declarar que esta norma «é hoje incompatível com os princípios de igualdade entre as mulheres e os homens, que se encontram na Constituição». Tudo leva a crer que sim... 

Esta notícia fez-me recuar umas décadas e retomar uma história que já contei em tempos. 

Num recorte do Diário Popular de 1969, lê-se que, nesse ano, as lojas passaram a vender um número absolutamente inusitado de calças a mulheres de todas as idades. Mas o que me interessa é a fotografia e respectiva legenda: «As alunas da Faculdade de Letras já ganharam a sua batalha». Não é dito qual era a batalha nem qual foi a vitória, talvez porque um lápis azul da censura tenha cortado a explicação ou porque esta foi evitada para escapar ao referido lápis. Mas eu explico.

Dava então aulas em Filosofia, na dita Faculdade de Letras de Lisboa, e a prática corrente quanto a indumentária feminina era a seguinte: só às estrangeiras era permitido usar calças e a triagem era feita pela Sr.ª Clotilde. Várias gerações se lembrarão dessa zelosa empregada, sempre presente pelos corredores, movendo-se lentamente dentro de uma bata preta acetinada. Quando avistava pernas femininas revestidas «à homem», aproximava- se e perguntava em voz muito baixa: «A menina é estrangeira?». Ausência de compreensão, e portanto de resposta, era interpretada como afirmativa e a autorização era tácita. Mas tinha ordens para pedir às portuguesas que abandonassem as instalações da Faculdade.

Uma parte desse ano de 69 foi academicamente animadíssima na Cidade Universitária, como o foi em nalgumas outras faculdades de Lisboa e, sobretudo, em Coimbra. A páginas tantas foi decretada uma greve e, enquanto ela durou, é óbvio que a Sr.ª Clotilde se recolheu atrás de uma secretária, num corredor longe do átrio, e que toda a gente fez assembleias por todos os cantos, com calças, saias e mini-saias. Não me lembro se os objectivos pela qual a greve foi convocada terão sido minimamente atingidos, mas ela teve, garantidamente, um benefício colateral: as calças entraram em Letras para sempre e ficaram como direito feminino adquirido. Ou seja, foi ganha a tal batalha que a fotografia do Diário Popular refere sem explicar.
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Homens e bichos



«Também ele não soubera o que eram os animais até muito tarde e, tal como sucede a todos os que os descobrem, tratara-se de uma verdadeira conversão, como aquela que se exprime na parábola de S. Paulo, na estrada de Damasco: de súbito acende-se dentro de nós uma claridade que nunca mais é possível apagar. Há muita gente que não gosta de animais nem de pessoas, o que é compreensível; há gente que gosta de animais mas não de pessoas, o que é lógico; mas não há ninguém que não goste de animais e goste de pessoas, esta última hipótese não pode verificar-se, porque quem não consegue experimentar o amor sem causa não pode encontrar em parte alguma causa bastante para o amor.»

Paulo Varela Gomes, O Verão de 2012, p.52

(Roubado ao Luís Januário no Facebook)
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O meu cancro saiu mais barato do que o teu



Terá sido certamente com a melhor das intenções que Correia de Campos defendeu ontem que «cada pessoa que vai ao hospital» deveria receber «uma factura com o respetivo custo real dos serviços que lhe foram prestados». Não os pagaria mas ficaria «a saber quanto é que a comunidade, o Estado, gastou». Pretensamente, esta «factura virtual» provocaria «um aumento da responsabilidade cívica dos cidadãos» que frequentam o Serviço Nacional de Saúde.

Eu sei que os espíritos andam confusos e as almas nervosas. Mas não terá ocorrido a este ex-ministro da Saúde que uma ideia destas é, no mínimo, peregrina e insensata?

Alguém que recorre, por exemplo, a um serviço de urgência não está, normalmente, suficientemente fragilizado para que não lhe atirem à cara quanto fica a «dever» ao Estado ou, mais precisamente, aos seus concidadãos? Um doente com uma doença crónica grave que obrigue a meses de internamento receberia, no momento da alta, uma hipotética dívida virtual de dezenas ou centenas de milhares de euros para se sentir responsável pelos seus males? No limite, a família de um morto também seria informada sobre os custos provocados pelo seu parente?

Para além de sermos responsáveis pela dívida do país e pelo BPN, querem que também nos sintamos culpados por não sermos saudáveis? E alguém acredita que é assim que se melhora o civismo dos portugueses? Repito: isto só pode ser dos nervos...
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A Espanha desenterra humor antigo



... pela actualidade que volta a ter.
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4.2.13

Como é que se diz, em grego, «obrigadinha pela novidade»?

Cuidado para não tropeçar



«Dos 400 homens super-ricos que viajavam em 1.ª classe [no Titanic, em 1912], 70% morreram afogados. Há registos, recordados num ensaio de F. Zakaria, que nos confirmam que J. J. Astor, a maior fortuna do mundo de então, acompanhou a sua mulher até ao bote salva-vidas, recusando-se a entrar enquanto existissem mulheres e crianças por salvar. O mesmo fez B. Guggen- heim, que ofereceu o seu lugar no bote a uma mulher desconhecida. Se o Titanic naufragasse em 2013, estou seguro de que quase todos esses 400 super-ricos chegariam são e salvos, deixando para trás, se necessário, as suas próprias mulheres e crianças. A gente que manda hoje no mundo acredita apenas no sucesso egoísta, traduzido em ganhos monetários, pisando todas as regras e valores. Os aventureiros que conduziram a humanidade à atual encruzilhada dolorosa não passam de jogadores que transformaram o mundo num miserável reality show. Tirando o dinheiro, nada neles os distingue da gente vil, medíocre e intelectualmente indistinta que se arranha para participar nesses espetáculos insultuosos para com a condição humana. Quando andarmos pela rua, é preciso ter cuidado. É preciso olhar lá bem para baixo. No meio do pó e da lama, habita a vilanagem que manda no mundo. Cuidado para não tropeçarmos nalgum deles...»

Viriato Soromenho-Marques
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Então não aguentamos!



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Portugal, 2013



 Com uma revolta mal contida:

«A las cuatro y media del jueves, en una tarde soleada, los niños juegan en una plaza de Elvas (Portugal) tras salir del colegio. Sus madres, en grupo, las miran en silencio y parece una escena corriente. Pero no lo es del todo. Porque basta que llegue una furgoneta traqueteando por una calle al fondo para que el juego termine y los niños corran, ya sin risas, a hacer cola enfrente de la puerta del colegio de la que han salido hace poco, la Escola Basica da Alcáçova. Allí, los de la furgoneta comienzan a sacar cajas con comida preparada que una empleada del colegio ordena en el vestíbulo en unas bolsas de plástico que contienen sopa, un guiso de carne, pan y fruta. Los niños entran en el colegio y cada uno coge una de las bolsas después de firmar en una especie de formulario que reposa en una mesa camilla adyacente. Las madres miran en silencio desde afuera.»

(Daqui)

Rosa Parks – um centenário



Rosa Parks nasceu em 4 de Fevereiro de 1913 e morreu em 2005. Ficará para sempre como um dos símbolos do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, juntamente com Martin Luther King, e ficou famosa por ter recusado ceder o seu lugar no autocarro a um branco, no dia 1 de Dezembro de 1955. Foi então presa mas, em poucos dias, os negros de Montgomery organizaram um boicote à discriminação nos autocarros, que durou um ano, e ganharam a batalha. Até aí, eram obrigados a ocupar os lugares traseiros e a cedê-los aos brancos se o autocarro enchia.



(Também por Pete Seeger.)

A ler: Thank you, Rosa Parks

3.2.13

Mais pinotes no Largo do Rato?



António Costa, em entrevista ao DN / TSF: 
«Ou o secretário-geral do PS é capaz de fazer este esforço, é capaz de alcançar essa unidade, de pôr o partido a funcionar, tem a capacidade de se afirmar como alternativa forte na sociedade portuguesa, ou então eu candidato-me a secretário-geral.» 

Ainda? Até 10 de Fevereiro??? Vamos ter uma semana animada e veremos um António José Seguro, novinho em folha, reencarnado sabe-se lá em que novo tipo de personagem? Ou Costa está apenas a tentar pôr uns pensos rápidos nas feridas, com que saiu de uma batalha perdida, para dizer, daqui a uns dias, que afinal foi ele que a ganhou? Bem mais provável...


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O massacre de Batepá



Republicação actualizada de um texto de Diana Andringa, publicado originalmente em Caminhos da Memória.

Completam-se hoje 60 anos sobre os acontecimentos que ficaram conhecidos como Massacre de Batepá. Agitando o perigo de uma conspiração comunista visando criar um governo dos nativos de S. Tomé, o governador Carlos Gorgulho fomentou uma onda de repressão que resultou num número ainda hoje indeterminado de mortos. 

Muitos foram abatidos a tiro, em verdadeiras caçadas levadas a cabo por milícias de voluntários. Diversos foram queimados. Alguns morreram asfixiados em celas demasiado pequenas para o número de presos que continham. Muitos foram sujeitos a trabalhos forçados na praia de Fernão Dias. Um dos castigos consistia em «vazar o mar»: presos com correntes, eram obrigados a entrar no mar para encher grandes selhas de água salgada, apenas para as despejar em terra, pouco depois. 

Interrogados sob tortura, chicoteados, submetidos à utilização de uma cadeira eléctrica, os presos eram obrigados a confessar o seu envolvimento numa revolta que pretenderia matar o governador e os colonos e distribuir entre si as mulheres brancas. Mais tarde, a própria PIDE havia de negar a existência da conspiração referida pelo governador.

Crónica de uma guerra inventada, de Sum Marky, retrata esses acontecimentos, a que poetisa Alda Espírito Santo dedicou, entre outros, o poema Onde estão os homens caçados neste vento de loucura:


O sangue caindo em gotas na terra

homens morrendo no mato

e o sangue caindo, caindo...

Fernão Dias para sempre na história

da Ilha Verde, rubra de sangue,

dos homens tombados

na arena imensa do cais.

Ai o cais, o sangue, os homens,

os grilhões, os golpes das pancadas

a soarem, a soarem, a soarem

caindo no silêncio das vidas tombadas

dos gritos, dos uivos de dor

dos homens que não são homens,

na mão dos verdugos sem nome.

Zé Mulato, na história do cais

baleando homens no silêncio

do tombar dos corpos.

Ai, Zé Mulato, Zé Mulato.

As vítimas clamam vingança

O mar, o mar de Fernão Dias

engolindo vidas humanas

está rubro de sangue.

- Nós estamos de pé -

nossos olhos se viram para ti.

Nossas vidas enterradas

nos campos da morte,

os homens do cinco de Fevereiro

os homens caídos na estufa da morte

clamando piedade

gritando pela vida,

mortos sem ar e sem água

levantam-se todos

da vala comum

e de pé no coro de justiça

clamam vingança...

... Os corpos tombados no mato,

as casas, as casas dos homens

destruídas na voragem

do fogo incendiário,

as vias queimadas,

erguem o coro insólito de justiça

clamando vingança.

E vós todos carrascos

e vós todos algozes

sentados nos bancos dos réus:

- Que fizeste do meu povo?...

- Que respondeis?

- Onde está o meu povo?

...E eu respondo no silêncio

das vozes erguidas

clamando justiça...

Um a um, todos em fila...

Para vós, carrascos,

o perdão não tem nome.

A justiça vai soar,

E o sangue das vidas caídas

nos matos da morte

ensopando a terra

num silêncio de arrepios

vai fecundar a terra,

clamando justiça.

É a chamada da humanidade

cantando a esperança

num mundo sem peias

onde a liberdade

é a pátria dos homens...



               (É nosso o solo sagrado da terra)
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