O Editorial de Le Monde
Diplomatique de Fevereiro, por Sandra
Monteiro.
«Portugal
tem de falar menos dos que têm dinheiro e mais dos que não têm», afirmou
recentemente, em entrevista ao caderno de «Economia» do Expresso, o
empresário Américo Amorim, considerado a segunda fortuna do país em 2012 (Expresso,
2 de Fevereiro de 2013). A afirmação teve destaque de primeira página, mas
falha como preocupação consequente com a pobreza que devasta as vidas de
milhões de portugueses: o empresário acha que «a crise não existe», que «as
pessoas não querem é entender que a economia mundial mudou». Espera que «continue
o processo de reprivatizações» e esclarece: «é uma cachorrice» criticar
quem tem dinheiro porque sem criação de riqueza não há erradicação da pobreza.
Américo
Amorim limita-se a repetir o que dizem os neoliberais. É por isso que é preciso
falar da riqueza. A narrativa não tem surpresa: o Estado deve respeitar a
«livre iniciativa» e retirar-se de todas as áreas em que a intervenção pública
competiria com os negócios privados; deve limitar-se a algumas funções
constitucionais (Estado mínimo, assistencialista, algumas funções de
soberania); e deve deixar a riqueza (privada) seguir o seu livre curso, porque
ela há-de jorrar do topo até à base da sociedade.
Tudo isto é
um mito, e desastroso. A riqueza não escorre «naturalmente» de cima para baixo,
acudindo a quem mais precisa. Obrigar à sua redistribuição tem sido tarefa
histórica de Estados fortes, de movimentos sociais e sindicais corajosos, e de
cidadãos apostados na construção de sociedades mais coesas e igualitárias.
Também não é nada «natural», mas o resultado de uma correlação de forças, o
movimento da riqueza em sentido inverso, de baixo para cima, como acontece em
períodos de enfraquecimento dos poderes públicos, de aumento da exploração do
trabalho e de substituição da redistribuição por uma apropriação dos
rendimentos dos que menos têm para enriquecer os mais abastados.
Nas sociedades
humanas, como em qualquer ecossistema, o destino de uns influi no destino dos
outros. O Estado social e democrático, com todos os seus defeitos e
insuficiências, estabeleceu entre os cidadãos e os poderes públicos um contrato
de solidariedade para implantar políticas de combate às desigualdades. Esse
compromisso está a ser rompido. O capitalismo português, medíocre e
riscofóbico, construiu poderosas redes com o poder político para capturar o
Estado, parasitar os seus recursos e resolver incompetências e fraudes de
gestão com resgates públicos. Assim se acumula em algumas mãos a riqueza que
deixa outros sem comer ou sem abrigo. Temos de recuperar e criar os
instrumentos de política (financeira, fiscal, industrial) para a conter e
redistribuir, ou não teremos uma sociedade decente. Reapropriarmo-nos dessa
exigência ética será a melhor forma de assustar os que hoje, com sobranceria,
aplaudem mais austeridade, mais privatizações e mais negócios libertos de
regulações, sejam quais forem as consequências sociais ou ambientes.
Continuar a ler AQUI.
.
0 comments:
Enviar um comentário