«A antecâmara da eleição do próximo Presidente da República tem proporcionado momentos interessantes. O almirante Gouveia e Melo anda ocupado a rejeitar apoios, todos os outros potenciais candidatos andam a tentar desesperadamente obtê-los. A estratégia correcta é, ao que tudo indica, a do almirante, que parece ter compreendido melhor do que ninguém a natureza do cargo ao qual se vai candidatar, e o momento em que se candidata. Fartos do circunspecto Cavaco, os portugueses elegeram o festivo Marcelo. E agora, fartos do festivo Marcelo, parecem inclinados para eleger outro senhor circunspecto. O almirante tem circunspecção para oferecer. Além disso, percebeu também que o Presidente da República é, em grande medida, um símbolo. Ou seja, o equivalente político de um bibelô. E o trabalho do bibelô é estar sossegado a enfeitar. O almirante sabe estar sossegado e tem potencial estético para ser muito competente a enfeitar. Por isso, tem optado inteligentemente por falar o menos possível. E vê-se que está a trabalhar num sorriso que acompanha com as sobrancelhas em posição de acento circunflexo, expressão que transmite simultaneamente tranquilidade e altivez. Não precisa do apoio de ninguém, e foi por isso que esta semana rejeitou o apoio do movimento que o apoiava — que, obedientemente, deixou de se movimentar.
Entretanto, os outros pré-candidatos vão investindo numa táctica desastrosa, que consiste em dizer o que pensam. Em contraponto, sempre que se vê forçado a falar, o almirante tem o cuidado de desviar todas as conversas para a única área que domina, que é a tropa. Política internacional? Os outros países têm tropas com determinadas características, e nós devíamos ter uma tropa semelhante, mais moderna. Jovens? O serviço militar obrigatório tem vantagens medicinais, sobretudo se for diferente do que era, e passar a ser moderno — o que seduz quem conhece o modelo anterior, do qual ninguém gostava especialmente, e cativa quem não conhece o modelo novo, porque o almirante descreve-o apenas como moderno, que é igual a não dizer nada. Saúde? Ele interveio com sucesso na saúde, o que demonstra sem margem para dúvidas que a tropa faz bem, sobretudo se for moderna.
O grande problema do almirante vai surgir quando ele verificar que o Presidente da República, apesar de ser o comandante supremo das Forças Armadas, não comanda supremamente mais nada. Tem apenas um grande poder, que é o de dissolver a Assembleia, manobra que ninguém costuma apreciar. É mandatado para estar quieto, razão pela qual Marcelo teve tantas dificuldades de adaptação ao cargo.»
1 comments:
- Qual é o problema de ter um presidente que saiba de tropa???
- Num é o Presidente da República o Comandante Supremo das Forças Armadas????
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