27.8.15

As sombras chinesas



«Quando Cao Guangjing foi removido da liderança da China Three Gorges (e, como consequência, da EDP) e colocado como vice-governador da província de Hubei, tudo apontava para que ele tivesse caído em desgraça.

E que tivesse tido um regresso forçado ao local onde a gigantesca barragem tinha sido construída com todas as dúvidas ambientais daí decorrentes. Hoje, talvez como ironia do destino, Cao é a voz mais audível do poder chinês no estrangeiro sobre a necessidade de "reduzir as energias fósseis" e de dar uma atenção redobrada às questões ambientais.

O nevoeiro que constantemente paira sobre Pequim explica isso e muito mais. Tal como as sombras chinesas que não permitem entender todos os contornos da crise das bolsas e o que elas revelam sobre a mudança interna na China. A China chocou frontalmente com a sua cavalgada pelo desenvolvimento. A liderança chinesa cultivava a velha tradição de continuidade entre a guerra e a paz através do reforço do poder do Estado, ao contrário da ocidental de Roma e Atenas que separava os tempos de guerra e de paz. Mas a China mudou.

Em Pequim pensa-se hoje que a riqueza do Estado é alcançada se os interesses do mercado e dos empresários forem bem protegidos. Ou seja, o Estado está ao serviço do mercado para o proteger. Mas isso faz-se com um poder politicamente forte. Nesse sentido a destruição do mercado seria o vírus que arruinaria o Estado. Nesta crise cruzam-se dois dilemas: a reformulação do modelo económico chinês, de exportador de consumo e produção interna (como as multinacionais já estão a sentir) e o futuro do modelo político.

Ao contrário da democracia, instável no dia-a-dia, mas estável no longo prazo, o sistema chinês pode parecer estável hoje e ser instável a prazo. Por isso, Xi Jinping, para salvar o Estado, precisa de mudar a economia chinesa. Usando a campanha anticorrupção para concentrar o poder nas suas mãos e, assim, proteger a teia económica que vive do Estado. A presente crise é o fruto proibido da mudança de um sistema.»

Fernando Sobral

0 comments: