«António Costa disse em entrevista à TVI que os portugueses não gostam de maiorias absolutas. José Sócrates sentiu-se atingido e prontificou-se a escrever um artigo no Expresso defendendo os méritos da sua governação. Na quarta-feira, Costa foi à SIC e invocou Deus para dizer que não queria atingir Sócrates. Será que temos boas razões não apreciar maiorias, como diz o primeiro-ministro?
A má memória que guardamos de Sócrates deve-se ao cunho despesista da sua governação e aos escândalos de corrupção que entretanto foram surgindo. Boas políticas públicas dependem, em primeiro lugar, de atrair pessoas competentes e honestas para a política. Há estudos que analisam como atrair bons políticos, alterando por exemplo o sistema eleitoral, introduzindo quotas, ou mexendo nos salários dos eleitos. Claramente, com José Sócrates, esta primeira etapa falhou. Pior: como falhou com ele, poderá falhar com outros da mesma laia.
A questão seguinte é como podemos desenhar leis que minimizem o impacto dos maus políticos, uma vez que vamos tendo de viver com eles. Por exemplo, a separação de poderes, a existência de órgãos de fiscalização, a transparência da contratação pública ou a liberdade de imprensa fazem parte de um pacote que nos defende, até certo ponto, de eleitas e eleitos incompetentes ou desonestos. É evidente que as más decisões dos governos Sócrates são, em larga medida, resultado das características pessoais do próprio. Mas será que Sócrates teria feito menos asneira se estivesse em coligação?
A resposta a esta questão é difícil, porque duas coisas acontecerem em simultâneo não significa que uma das coisas seja causa da outra, como explicou Luís Aguiar-Conraria recentemente nas páginas do PÚBLICO. Se num determinado momento um país tem um governo de coligação e gasta mais, é possível que a coligação resulte dum clima de grande conflitualidade social que se manifesta em escolhas eleitorais fragmentadas, que simultaneamente requer um aumento dos gastos públicos. Nesse caso, não podemos verdadeiramente dizer que uma maioria seria menos despesista, porque mesmo um governo maioritário faria as tais despesas prioritárias para fazer face ao clima de conflito. Mas há uma solução para esta pescadinha de rabo na boca. Uma pequena diferença na percentagem de votos pode determinar a possibilidade de se formar um governo maioritário, como temos visto com a discussão das últimas semanas sobre a possibilidade de António Costa atingir a maioria com cerca de 39% dos votos. Os estudos recentes analisam os governos formados com estas percentagens no limite da maioria absoluta. Por exemplo, a 6 de outubro, o grau de fragmentação do eleitorado será praticamente o mesmo quer o PS obtenha 36%, quer obtenha 40%, mas numa situação teremos, provavelmente, um governo maioritário, e na outra não. Em casos destes, não é a fragmentação da sociedade que determina os gastos, mas o carácter maioritário do governo.
Estes estudos concluem que as maiorias gastam mais. Ronny Freier Christian Odendahl, em 2012, e Sebastian Garmann, em 2014, chegam a essa conclusão em duas análises separadas dos municípios alemães. Joaquín Artés e Ignacio Jurado, em 2014, numa análise de municípios espanhóis, mostram que as maiorias têm défices maiores. Numa tese de mestrado defendida na Nova SBE e publicada na seleção de melhores teses de mestrado em economia, uma iniciativa conjunta da FFMS e do Banco de Portugal que seleciona teses de especial relevância que estudam a realidade portuguesa, Filipe Caires mostra que também nos municípios portugueses as maiorias gastam mais. Se reparou que todos estes estudos se concentram em governos locais, não se admire. É que para ter suficientes casos com as tais percentagens no limite da maioria, que permitam estabelecer conclusões sólidas, precisamos de muitas eleições. Mas o mais importante é que há algo no funcionamento de um governo maioritário, talvez um menor escrutínio parlamentar ou da assembleia municipal, que o leva a gastar mais.
Já se a corrupção piora com maiorias, não sabemos. Mas sabemos que já houve três partidos no governo depois de Sócrates: PSD, CDS e PS. Está na altura de lhes perguntarmos que políticas colocaram em prática para combater a corrupção. Por exemplo, no site da Transparência Internacional podemos descarregar as “Best practices for anti-corruption commissions”. E do que precisam estas comissões? De recursos financeiros suficientes, autonomia para gerir o orçamento e meios tecnológicos apropriados, que acompanhem a sofisticação crescente dos métodos de corrupção, incluindo monitorização de emails e vigilância financeira. Em Portugal, temos um Conselho de Prevenção da Corrupção que conta apenas com quatro pessoas, uma das quais é uma professora dedicada a “campanhas de sensibilização nas escolas”. É isto. Por aqui, para evitarmos outra maioria à la Sócrates, ensinamos as criancinhas que a corrupção não é fofinha.»
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