26.8.18

Toda a gente mente



«A verdade é que toda a gente mente. Nos inquéritos, em entrevistas e nas restantes formas de expressar opinião sobre os mais diversos assuntos. Mentimos aos amigos, aos namorados, aos médicos, aos sondageiros e a nós próprios. Mas se, até recentemente, mentíamos correndo poucos riscos de sermos apanhados, agora, com a utilização que damos aos motores de buscas, somos facilmente apanhados pela verdade. E esta é, em muitos aspetos, bem diferente do que imaginamos ou desejamos. É esta a asserção de partida do estimulante livro do analista de dados Seth Stephens-Davidowitz, “Everybody Lies”. A chave do livro está, aliás, no subtítulo: “O que a internet nos pode dizer sobre quem na realidade somos”.

Se, até recentemente, o conhecimento sobre os nossos comportamentos sociais, políticos ou a nossa psique assentava em estudos qualitativos com pequenas amostras e métodos indiciários ou análises quantitativas, mas cuja validade dependia sempre da forma como quem era inquirido respondia, com a big data vivemos uma verdadeira revolução coperniciana. O Google, por exemplo, foi criado para facilitar o acesso à informação, mas transformou-se num repositório infindável de conhecimento sobre quem de facto somos. Isto porque revelamos nas nossas buscas aspetos que não contamos de forma franca a mais ninguém.

Explorando as buscas no Google, mas, também, em motores de busca de pornografia, assim como o que é revelado nos perfis nas redes sociais, a título de exemplo, Stephens-Davidowitz confirma preconceitos e desafia mitos arreigados sobre posicionamentos políticos (os estudos de opinião davam a vitória a Hillary, mas bastaria ter atentado nas buscas com pressupostos racistas para antecipar a vitória de Trump nas circunscrições decisivas); sobre preferências clubísticas (um preditor de quem apoiamos em adulto é a equipa que venceu no ano em que completámos oito anos); ou sobre sexualidade (os fãs de Judy Garland no Facebook têm forte inclinação por sites gay e as mulheres são particularmente propensas a vídeos com sexo violento).

O propósito de Stephens-Davidowitz é suportar com evidência apelativa e contraintuitiva que a big data abre uma porta radicalmente nova para o conhecimento de quem somos, revelando uma sociedade diferente da propalada nos media e por académicos. Mas se este admirável mundo novo do conhecimento deve ser encarado com ceticismo (a forma como os algoritmos, ao restringirem as nossas escolhas e margens de liberdade, são, de facto, armas de destruição em massa), acaba, também, por demonstrar que as grandes hipóteses aventadas pelos mais marcantes pensadores sociais, sobre as determinantes materiais dos nossos comportamentos (Marx), o poder, a sexualidade e a infância (Foucault e Freud) ou a ação social (Weber e Durkheim) revelam-se bastante robustas, mesmo perante novas e insondáveis revelações.»

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