De um texto que recorda uma das magníficas histórias que ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA ia contando:
«E não resisto a um episódio que me contou, passado com a censura, quando dirigia a revista «O Tempo e o Modo». Em 1964, Sophia de Mello Breyner traduziu de um modo sublime o «Hamlet», de Shakespeare. A versão é uma obra-prima da língua portuguesa. O António considerou dever publicar um excerto na revista. Mas era necessário enviar as provas tipográficas à Comissão de Censura. Apesar de a revista ser das mais martirizadas pela censura (tendo sofrido a proibição de cerca de metade dos textos que, entre 1963 e 1969, foram a exame), ele achou que naquele caso não haveria problemas de maior. Enganou-se, porém. O texto de Sophia veio totalmente cortado. António Alçada ficou incrédulo. Afinal, era um texto clássico do século XVII. Pegou no telefone e falou ao coronel dos serviços de censura. Eram coronéis reformados que normalmente estavam encarregados dessa triste tarefa... Do lado de lá, o censor confirmou o corte total e António, com uma infinita paciência, explicou o absurdo da situação. No entanto, o inabalável coronel insistia. Era assim, e pronto, não havia volta a dar... E lá veio a justificação. A alusão no diálogo a um Marcelo, certamente teria razão perversa. Falava-se então muito da sucessão de Salazar, e o nome que já circulava era o de Marcelo Caetano... O censor estava certo de que havia nessa referência uma ardilosa intenção política... Não se conformou, porém, António Alçada - e, palavra puxa palavra, acabou por conseguir um corte parcial... A fala de Horácio no I Ato, depois de um galo cantar, terminava assim: "O fantasma avança. Para-o! Fá-lo parar Marcelo!" E foi esta a única frase proibida.»
(Repescado aqui.)
Era assim que vivíamos…
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