«De repente, os passageiros de um naviozinho que atravessava tranquilamente parte do rio Amazonas são surpreendidos por um cenário cinematográfico: a polícia abalroa a embarcação em plena caça ao homem, como num filme de ação americano, daqueles de sessão da tarde.
Além dos passageiros do barco amazonense, também funcionários de embaixadas estrangeiras em Brasília tiveram os seus pacatos e burocráticos dias desassossegados pela entrada abrupta de agentes excitadíssimos, na mesma caça ao homem, de arma em punho.
A família de um amigo do ex-presidente Lula da Silva parou tudo o que estava a fazer quando polícias, possuídos por um furor bélico, lhe invadiram a casa ainda na tal caça ao homem.
Foram cerca de 30 diligências deste tipo - à Inspetor Clouseau, portanto - em menos de um mês para tentar encontrar Cesare Battisti, um ex-terrorista de extrema-esquerda italiano, sessentão, que se exilou no Brasil por anos e era considerado foragido desde pouco antes do Natal.
Não estava no barco do Amazonas, em nenhuma embaixada estrangeira ou sequer escondido em casa de um amigo de Lula, como a polícia do Brasil supôs. Foi apanhado enquanto caminhava numa via de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, pela Interpol, por uma polícia especial italiana e por agentes bolivianos na peugada de Battisti naquela localidade há quase um mês, andavam as autoridades brasileiras à toa, de pista falsa em pista falsa.
O governo Bolsonaro, infestado de militares, ainda tentou sair bem na fotografia: após reunião com o presidente himself, o ministro da Justiça Sergio Moro e o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, o titular do Gabinete de Segurança Institucional general Augusto Heleno anunciou que de Santa Cruz, Battisti apanharia um voo para território brasileiro, enviando ao local uma aeronave paga pelos contribuintes para esse efeito.
Os italianos não quiseram saber e trasladaram o terrorista diretamente da Bolívia para Roma, passando por cima - literalmente - do Brasil.
O voo para Fiumicino decorreu a 14 de janeiro, dia em que passaram dez meses sobre o assassínio de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, cidade que passou o ano todo sob intervenção militar especial.
De então para cá, só se sabe que nada se sabe. Só não se sabe se não se sabe porque não se quer saber ou porque não se consegue mesmo saber porque má-fé e incompetência confundem-se entre si e confundem-nos a todos.
No início de dezembro, entretanto, estourou o "Bolsogate", um escândalo em que, desconfiam as autoridades, um assessor do ex-deputado estadual do Rio Flávio Bolsonaro, primogénito de Jair, recolhia o dinheiro dos outros assessores todos, na sua maioria fantasmas, e os repassava ao deputado, prática velha e ilegal chamada localmente de "mensalinho". Até Michelle Bolsonaro, a primeira-dama, aparece como destinatária dessas transferências.
Solicitado a prestar esclarecimentos, o assessor em causa já se furtou duas vezes, alegando razões de saúde. Os seus familiares também escaparam. E Flávio, que tem a prerrogativa parlamentar de escolher hora e data para falar, ainda não se dispôs a enfrentar a justiça, lembrando a velha rábula do pai a fugir dos debates televisivos eleitorais.
Os dribles policiais de Bolsonaro e amigos, assim como os de Battisti e os dos assassinos de Marielle, são casos, entre outros, que servem para adensar a insegurança dos brasileiros em quem lhes deve garantir segurança.
Não é justo responsabilizar apenas o atual presidente, empossado no início do ano, por estes fracassos - mas é obrigatório exigir resultados durante o seu mandato.
Afinal, a segurança é a sua (única) área de expertise, o seu governo parece uma messe de oficiais na reserva e ainda cabe lá Moro, o implacável super-herói na luta contra o crime.
E afinal foi Bolsonaro quem deu em campanha eleitoral a solução genial para a guerra de traficantes na favela da Rocinha: distribuir, através de um helicóptero, milhares de panfletos no local a dar seis horas para os criminosos se entregarem. Caso eles não o fizessem, abrir fogo sobre a maior favela do país.»
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