17.6.20

Uma taxa covid para a solidariedade sem austeridade



«O presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, tem insistido nas últimas semanas nas mesmas ideias: "Temos uma oportunidade de desenhar uma nova Europa". São palavras vazias ou talvez ameaçadoras, como o é o conceito de "nova normalidade" depois da pandemia. O certo é que a União vive uma crise de legitimidade, em resultado do fracasso do modelo pós-Maastricht, que supôs a constitucionalização do neoliberalismo como única política possível. As elites europeias são responsáveis por esta crise da "marca UE". Por isso se empenham numa operação cosmética de pedido de desculpas à Itália por parte da presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, por não ter respondido aos pedidos de ajuda no início da pandemia. Ou, pela mesma razão, Juncker apresenta desculpas à Grécia, reconhecendo agora que "não fomos solidários com a Grécia, que insultamos e injuriamos".

O problema é que as soluções em cima da mesa na reunião do Conselho desta semana não corrigem nenhum desses erros anteriores. É certo que o Pacto de Estabilidade está suspenso, mas só momentaneamente, não sendo revogado, mesmo quando as suas trágicas consequências são agora evidentes. Continua também a regra da submissão de fundos orçamentais às imposições do Semestre Europeu e a outras formas de tutela sobre as medidas económicas e sociais, assim como continua a condicionalidade nos empréstimos do Mecanismo de Estabilidade, mesmo que episodicamente aligeirados no momento em que os homens de fato negro contrastam com as necessidades das batas brancas do pessoal de saúde.

Mas a burocracia volta a falar-nos de "nova Europa", que poderia mobilizar um fundo enorme para a reconstrução pós-pandemia. É certo que a proposta em discussão, mas não consensual, é maior do que o plano original, mas ainda assim menor do que a que a Alemanha definiu para si própria, uma primeira indicação do risco de uma reconstrução assimétrica. Se assim for, temos um fundo insuficiente e desigual, com o risco de um regresso à austeridade destruidora. Este é o foco de tensão na Europa.

O dilema é mutualizar o risco para manter algum equilíbrio político, o que contradiria interesses empresariais, ou permitir que os capitais dos países centrais reajustem o conjunto da economia europeia, acentuando a desigualdade entre Estados membros. Com a recessão de 2009 e a crise da dívida soberana de 2011, ocorreu uma gigantesca transferência de recursos do sul para o centro e das classes populares para as classes dominantes. Foi um tempo marcado por escassez e injustiça. Foi um tempo de oligarquização, ou um sequestro da democracia. Não podemos aceitar que se repitam os mesmos erros.

Para evitar a repetição deste modelo, apelamos a um debate europeu sobre soluções que protejam os de baixo. Para isso, propomos uma taxa covid, de âmbito europeu, um imposto extraordinário sobre os grandes patrimónios, a riqueza e os que lucram com a pandemia, tributando os dividendos e mais-valias, a fortuna imobiliária e em ativos financeiros, as plataformas e agências financeiras e os movimentos especulativos. Essa taxa deve financiar um fundo europeu solidário, que seja utilizado pelos diversos Estados de forma soberana e livre. Este fundo deve fazer frente aos gastos criados pela pandemia, contribuir para as necessidades sociais mais urgentes, incluindo dos serviços de saúde, iniciando uma mudança ambientalmente sustentável do sistema produtivo, garantindo empregos e qualidade de vida. Seria a forma de financiar o esforço orçamental, sem voltar às soluções austeritárias que foram a marca da Comissão Europeia na última década.

Sabemos que há outras medidas urgentes. Mas esta é uma resposta imediata e indispensável, que poderia ser aplicada por vários países coligados, mesmo que não se consiga um acordo na reunião do Conselho. Apostamos decididamente em propostas positiva, ofensivas, que representam uma solução consistente e de esquerda. Assim, combatemos por soluções e não permitimos a invocação de bodes expiatórios. Na resposta à pandemia e aos seus impactos sociais e económicos, tudo depende da força e da vontade democrática.»

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