Um contraponto ao discurso de Marcelo sem nunca o nomear, mas que sublinha o indispensável.
«Há povos que olham a sua História de frente, separam o trigo do joio, orgulham-se do que fizeram bem, assumem o que praticaram de errado para que não o repitam, para que as novas gerações aprendam com os erros do passado. Assim olham para o futuro e avançam.
Outros vêm a sua História como uma epopeia que se não pode questionar, como um período notável, isento de erros, cheio de glórias. Assim olham para o passado, choram o presente e não avançam. Não percebem que foi o passado que construiu o presente. Para eles o passado não é uma fonte de lições mas de inspiração.
Os primeiros olham a História do ponto de vista crítico, os segundos do ponto de vista laudatório, os primeiros como um passo incipiente e cheio de erros numa caminhada para o futuro, os segundos como um exemplo a repetir.
Em Portugal a tendência dominante é para ter esta segunda perspetiva da História. Por isso ela é tão sensível. Qualquer referência a acontecimentos que tinjam o passado surge para os poderosos como insuportável, como ultrajante para a sua grei, como feita por inimigos que os querem impedir de repetir o passado e, de novo, atingir, a glória. Esses acontecimentos passam a ser tabus, assuntos de que se não pode falar, espaços de não liberdade, de silêncio, de censura.
Ora na era da informação, essa atitude leva-nos ao atraso e apenas tem como consequência serem outros a estudar e a revelar esses acontecimentos.
Como não quisemos estudar Química hoje aprendemos as teorias de outros. Como não quisemos estudar Física as nossas escolas ensinam agora os contributos de outros. Como não quisemos estudar Gestão os manuais desta disciplina são traduzidos de outras línguas. O rol é imenso.
Como não queremos estudar o racismo e o preconceito em Eça de Queirós é nas Universidades norte-americanas que esse exercício científico se faz.
Como não queremos estudar a guerra colonial é noutros países que esse trabalho se faz. Como não queremos estudar o Movimento Negro da I República é nas revistas científicas brasileiras que os trabalhos sobre esses acontecimentos se publicam.
Não conseguimos parar o saber, apenas conseguimos tornar-nos mais ignorantes. Transformamo-nos no povo que não sabe, não conhece e não estuda a sua própria história e que se a quiser entender tem de recorrer aos trabalhos de estrangeiros.
Na nossa História existem acontecimentos de que nos devemos orgulhar e outros dos quais nos devemos envergonhar, pedir desculpa e procurar corrigir as injustiças e o sofrimento então causados. Devemos orgulhar-nos da separação com Leão e da nossa independência, mas não do massacre da população de Lisboa, devemos orgulhar-nos da revolução de 1385, podemos orgulhar-nos de contributos para a arte da navegação à vela, mas não do tráfego de pessoas escravizadas.
Existem pontos horrendos na nossa História. A Inquisição que nos mergulhou na ignorância durante séculos, o Fascismo que nos oprimiu no século XX, o esclavagismo e o colonialismo, que permitiu a alguns beneficiar do sofrimento e da morte de muitos. Olhar para esses crimes com orgulho é monstruoso. Situa-los no tempo e no espaço é imprescindível para os compreender em todo o seu horror, nunca para os desculpar e normalizar.»
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1 comments:
Muito bem. Mas não fala do que ha de mais escandaloso no nosso provincianismo mental, o facto de, com aplauso de todos, as nossas universidades encorajarem os estudantes a escrever em Inglês, em Francês, em Alemão (como outrora em Latim), em vez de os obrigarem a fazê-lo em Português, lingua reputada avessa à ciência e impropria a germinar prémios nobeis. E' caso para perguntar : sabera esta gente qual é o proposito, a função e o mérito do ensino publico ? Ou estaremos verdadeiramente condenados a perpetuar a cultura do "não sabe, não quer saber e tem raiva a quem sabe" ?
Boas
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