2.8.20

Desgraças e cheques em banco



«Nunca perderei a esperança de que é possível e vale a pena lutar por um Mundo melhor na certeza de se poderem, sempre, encontrar dimensões novas para a realização do ser humano. Contudo, evidenciam-se hoje demasiadas negações coletivas geradoras de medos.

O assassinato a sangue-frio do ator Bruno Candé e os escabrosos comentários justificativos desse ato hediondo mostram-nos racismo inculcado na sociedade portuguesa. Ora, o racismo e outras manifestações de intolerância e violência estão a armadilhar a vivência democrática das sociedades e o alarme tem de disparar quando, poucos dias depois, Rui Rio admite que se o Chega mudar de discurso (lavar a cara) até pode entrar no diálogo para um projeto de Oposição ou governação do país.

A desgraça maior é observarmos, simultaneamente: i) o poder desmedido e opaco com que os potentados tecnológicos Amazon, Apple, Facebook e Google se apresentaram ao Senado Americano; ii) a especulação financeira desencadeada pela "corrida às vacinas" contra a covid-19; iii) a invocação do combate à pandemia para se coartarem liberdades; iv) a forma indecorosa como certos países europeus se tornam frugais e credibilizam as casas de receção do roubo que são os offshore; v) a mais que suspeita gestão fraudulenta do Novo Banco, que infelizmente não é uma situação excecional - nem interna nem externa - mas sim o espelho do que se passa com o poder do setor financeiro e o uso subversivo de tecnologias; vi) a brutal queda do PIB (Produto Interno Bruto) e tantas empresas em coma. Cheira forte a um "novo" normal duro e perigoso, carregado de desemprego, de exploração e desigualdades, de pobreza, de profundos problemas sociais.

É difícil acreditar na legalidade das transações do Novo Banco quando a principal figura do fundo abutre que comprou as 13 mil casas, terrenos e outros bens imobiliários envolvidos no negócio veio da Lone Star. E o que é a legalidade? Como há muitos anos digo, o roubo "legal" é, nas sociedades atuais, incomensuravelmente maior que o roubo na plena acessão da palavra. Entretanto, quando se constata que negócios deste tipo são "legais", o problema em vez de se atenuar, agrava-se.

Fazem falta regulação e fiscalização sérias, mas os sistemas montados são autênticas fraudes. Como é possível, depois de tantos negócios ruinosos, compadrio e corrupção a marcarem o caminho da Banca, ter acontecido a privatização deste banco e ter sido assinado um contrato que permite ao comprador assaltá-lo por dentro e remeter a fatura das perdas para os bolsos dos portugueses? O que é isto? Talvez uma mistura de cegueira política, imprudência, impunidade e estupidez geradas pela "moderação" que marca o comportamento dos autointitulados cidadãos honrados que gerem os diversos poderes instalados.

A 3 de fevereiro de 2017 a Assembleia da República rejeitou, com votos contra do CDS, do PSD e do PS, projetos de resolução do BE e do PCP que se opunham à venda do banco à Lone Star e propunham a sua nacionalização. Muitos dos agora surpreendidos e indignados estão apenas a colher o que semearam. E o presidente da República, ou o primeiro-ministro não podem falar do assunto como se dispusessem apenas da informação do comum dos cidadãos. Não lhes podemos admitir hipocrisia política ou desresponsabilização.»

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