4.7.10

Assim nos (des)entendemos


Uma das experiências profissionais mais gratificantes que tive foi trabalhar três anos com pessoas de dezenas de nacionalidades, num centro europeu de uma empresa multinacional. Não se discute e não se negoceia do mesmo modo, no dia-a-dia, com belgas, americanos, franceses, japoneses e... alemães. Sobretudo, é radicalmente diferente, mesmo com uma cultura empresarial comum, chefiar um grupo homogéneo e um outro multifacetado, tanto no plano colectivo como no individual (fazer uma entrevista de Avaliação de Desempenho a um italiano é uma verdadeira aventura, absolutamente inesquecível…).

Tudo isto é hoje mais ou menos trivial, mas o tema retoma importância quando o mundo inteiro está a habituar-se a trabalhar com chineses.

M. Gao, vice-presidente da Siemens na China, estudou e trabalhou vinte anos na Alemanha e sublinha alguns factos a ter em conta: «Na Alemanha, define-se um objectivo a atingir e deixa-se o manager à vontade. Os alemães precisam de se sentir livres na concretização do trabalho. Na China, é necessário explicar o que fazer para atingir o dito objectivo», porque a responsabilidade é considerada colectiva e não individual. Outra diferença: na Alemanha, existe uma cultura de feedback e de diálogo, enquanto os chineses não opinam, sobretudo junto dos superiores, para evitarem qualquer tipo de conflito.

Um francês, há mais de vinte anos em Pequim, lembra que, por lá, se começa por ser amigo antes de se falar de negócios: um chinês quer conhecer o seu interlocutor ao acordar, à noite, lúcido e em estado de embriaguez. E só depois confia nele. Além disso, os franceses tendem a ser muito directos nas suas afirmações ou críticas, o que é frequentemente considerado como pura má criação pelos chineses.

Esta última observação fez-me regressar à minha experiência pessoal. Tão ou mais «directos» que os franceses, somos nós, sulistas europeus, e eu cheguei a essa minha experiência internacional bem habituada às reuniões portuguesas, onde se fervia em muito pouca água, com o «não concordo» a sair na primeira curva. Algumas semanas depois, um colega indiano, radicado há décadas em Londres, deu-me um conselho que nunca mais esqueci: «Joana, don't say “No” (to xxx): “Yes, but” has the same effect and it’s much better».

...

2 comments:

Helena Araújo disse...

Este post lembra-me um facto interessante da vida de casal de amigos meus. Ele francês, ela brasileira. Se discutiam em francês, ela ficava muito magoada. Se o faziam na língua dela, tudo corria bem. É que os brasileiros têm uma maneira muito delicada de falar, mesmo quando criticam, que influenciava o modo como aquele homem francês se exprimia.

Quanto ao "yes, but" - tem muito que se lhe diga. No entretanto, já aprendemos todos que o "sim" antes do "mas" não tem qualquer valor. O que tenho ouvido na Alemanha é que se deve evitar o "mas" a todo o custo. É sempre uma negação das razões do outro.

Bem, e também há a história do meu cunhado, alemão a trabalhar no Japão. Numa reunião, perguntava: "preferem o plano A ou o plano B?"
E os japoneses sorriam, e diziam: "sim".
Amigos meus, que viveram alguns anos na China, explicaram-me o problema: a questão "ou isto ou aquilo" deve ser evitada a todo o custo, porque falta-lhe harmonia.

E por falar no Japão: a Amelie Nothomb tem um livro genial sobre esse tipo de mal entendidos culturais. "Stupeur et tremblements". Existe em português.

Anónimo disse...

Caríssima J. Lopes: Também penso quase dessa maneira. A vida para mim tem que ter um equilibrio estético, ser dom e gratidão sem cálculo. Que passa por ler todas as manhãs o NY. Times Online, que nunca se consegue acabar na íntegra. Acompanhado de tostas " suecas" de pão preto, café, mel ou compota caseira de framboesa,e de ovos meios-crus de galinhas do campo . Camus escreveu:" Schweitzer já dizia: És invulgar demais para poderes ser revolucionário. Queria explicar-lhes que não sou uma pessoa invulgar. Eles acham-me demasiado louco,demasiado expontâneo. No entanto, como eles, eu acredito na ideia. Como eles, quero sacrificar-me. Também eu posso ser hábil, taciturno,dissimulado, eficaz. O que acontece é que, para mim, a vida continua a ser uma coisa maravilhosa. Amo a beleza, amo a felicidade! É por isso que odeio a tirania. Como posso explicar-lhes? A revolução, com certeza! Mas a revolução pela vida, para dar oportunidade à vida, compreendes tu? ". Salut! Niet