Há uma frase conhecida de Hegel que reza mais ou menos assim: «se a teoria é desmentida pelos factos, pior para os factos». Lembrei-me dela ao ler hoje o artigo de opinião de José Pacheco Pereira (JPP) no Público. A pretexto do debate Jerónimo-Louçã (que tem sido mal «lido», na minha opinião, mas isso é outra história), JPP aproxima Bloco e PCP na sua condição de «sociais-democratas de má consciência». É desde logo curioso que a expressão venha de alguém que faz parte de um partido que se denomina «social-democrata» e que oscila entre o liberalismo e o neo-conservadorismo. Mas essa é (também) outra história.
A história que aqui importa referir é a da raiva ideológica de quem vê o Bloco (o artigo centra-se sobretudo em Louçã e no BE) como uma agremiação intrinsecamente mal-intencionada, monolítica e dissimulada. Sabemos que JPP não é tão ignorante quanto à identidade do Bloco como quer parecer; sabemos que JPP sabe que o Bloco tem feito um trabalho no Parlamento que é tudo menos consentâneo com quem entende as eleições como um mero fenómeno «burguês» e a acção parlamentar como sinónimo de «cretinismo»; sabemos que JPP associa o imposto sobre as grandes fortunas a um imposto que atingiria toda a classe média (!), porque no fundo deve imaginar Portugal como uma grande marina onde cada cidadão guarda o seu iate.
A terminar o artigo, JPP ainda tem tempo para responsabilizar Louçã, então um jovem de 19 anos, pela terrível catástrofe que terá sido o PREC. Talvez fosse bom recordar que quem quis suspender a democracia por seis meses foi uma senhora que agora se passeia sorridente e zelosa na denúncia da asfixia democrática. Mas essa é também uma outra história, bem mais recente, aliás, e com actores que ora se refugiam no teleponto, ora fogem das ruas onde está essa coisa estranha a que por vezes se chama povo.
Um texto de Miguel Cardina
4 comments:
Mas das "outras histórias" é que é feita a história. E infelizmente a "farsa" JPP nunca foi devida e eficazmente desmascarada em público. Infelizmente, ainda, são em número reduzido aqueles que conheceram o jovem liceal JPP no Porto e se habituaram aos seus constantes truques e mutações...
Joana e Miguel
Não sou bloquista. O que contudo não me impede de sentir alguma contida simpatia pelo Bloco, e subscrever algumas causas que ele tem defendido. Assumo mesmo que, se residisse em Portugal e fosse votar, não votaria no Bloco, mas não deixaria de sentir por isso alguma má consciência. Resumindo, separa-me do BE principalmente a herança assumida, de forma acrítica, explicita ou implicitamente, de referências doutrinárias e ideológicas que estiveram na origem de todos os socialismos reais que conhecemos.
Esclarecida a minha condição, parto dela para dizer que, francamente, não me incomodam rigorosamente nada as críticas e a apreciações do JPP. Incomodam-me mais, embora também não as estranhe, as críticas igualmente de “raiva ideológica” de outros sectores de opinião, alguns até bem próximos aí da vizinhança blogoesférica.
Tal como os urubus, estavam na expectativa que o tal duelo Jerónimo/Loução desse sangue e carniça fresca, para virem dar as últimas bicadas nas carcaças. Mas os tipos trocaram-lhes as voltas, o que, adivinho, deve ter constituído uma profunda frustração.
Paciência ! – Aguardem melhor altura ...
nelson anjos
Jorge e Nelson,
Obrigada pelos vossos comentários. Os ânimos estão agitados, o que explica a agressividade reinante - o tempo encarregar-se-á de normalizar muitas coisas.
Ambos referem, implícita ou explicitamente, o debate JS/FL. Eu já disse a minha opinião:
http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com/2009/09/debater-ou-nao-debater.html
Pode ser que o Miguel queira explicitar a dele.
Sobre o debate FL/JS:
- Apesar de não ter havido "sangue", devo dizer que vi muitas diferenças entre FL e JS ao longo do debate. o PC defende a nacionalização da banca, o Bloco não; o Bloco tem uma proposta de revitalização da economia que passa por um amplo projecto de requalificação urbana, o PC fala de dar pujança à economia nacional; o Bloco defendeu a lei da paridade, o PC não...
- Penso que nunca é demais o Bloco frisar aquilo que o separa do socialismo real e das experiências totalitárias em nome do comunismo, algumas delas ainda hoje existentes. Tem-no feito em variadíssimos momentos, mas não ficaria mal fazê-lo novamente ali (até era "apetecível" em termos tácticos).
- Desde logo não houve, da parte da jornalista, inteligência para puxar essas questões ou explorar as diferenças entre PC e BE (sobre política internacional ou sobre o distinto entendimento da dinâmica igualdade-diferença). Compreendo que Louçã não o tenha feito com alarido (apesar de ter mencionado a necessidade do socialismo se compaginar necessariamente com a liberdade e com o pluripartidarismo). O tempo apertado merecia ser dedicado à exposição daquilo que eram as suas soluções governativas e as críticas ao executivo de Sócrates e à direita.
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