25.6.10

Os amigos de Kim Jong-il


Nos últimos dias, muito se tem falado da Coreia do Norte e do seu regime político, geralmente em termos  mais ou menos jocosos. Não vou por aí. Através de um comentário deixado no Vias de Facto, cheguei a este texto que tinha lido em tempos mas que já esquecera. Tem menos de dois anos (1/12/2008) e faz parte da Resolução Política do XVIII Congresso do PCP.

«Importante realidade do quadro internacional, nomeadamente pelo seu papel de resistência à «nova ordem» imperialista, são os países que definem como orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista - Cuba, China, Vietname, Laos e R.D.P. da Coreia. Com percursos diversos, experiências históricas próprias, evoluções distintas, problemas e contradições inerentes ao processo de transformação social num quadro de relações capitalistas dominantes, estes países estão sujeitos pelo imperialismo a uma intensa campanha de pressões económicas, ameaças militares e operações de desestabilização e intoxicação mediática que encerram graves perigos para a segurança internacional e que, a vingarem, significariam um grave retrocesso na luta libertadora. Independentemente das avaliações diferenciadas em relação ao caminho e às características destes processos - a exigir uma permanente e cuidada observação e análise - e das inquietações e discordâncias, por vezes de princípio, que suscitam à luz das concepções programáticas próprias do Partido, o PCP considera que não há vias únicas de transformação social e reafirma o inalienável direito destes países e dos seus povos, como de todos os povos do mundo, a decidir livremente sobre o seu próprio caminho. É esse o interesse da causa do progresso social e da paz em todo o mundo.» (O realce é meu)

Ou seja: há cerca de um ano e meio, em assembleia magna de Congresso, o PCP não só elogiou alguns países porque considera que «definem como orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista», esquecendo que, neles, direitos humanos básicos são sistematicamente desrespeitados (factos repetidamente denunciados, por exemplo, pela Amnistia Internacional), como se limitou a referir em relação aos mesmos «avaliações diferenciadas» e «inquietações e discordâncias, por vezes de princípio», sem qualquer tipo de explicação, quando, no mínimo, seria de esperar que as explicitasse. Condenação? Nenhuma. Silêncios? Ensurdecedores.

É bom que se tenha esta realidade bem presente quando se pretende reduzir a simpatia do PCP pela Coreia do Norte a uma infeliz gafe, já antiga, do deputado Bernardino Soares.
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9 comments:

Miguel Serras Pereira disse...

Sim, Joana, excelente post.
É o socialismo Humpty-Dumpty do PCP e dos partidos-irmãos. Porque é que uma monarquia de direito divino, porque é que a exploração desenfreada dos trabalhadores e a erosão dos seus direitos elementares de auto-defesa e associação, porque é que o combate contra a hegemonia dos imperialismos apresentada como justa causa da supressão das liberdades fundamentais, porque é que a falsificação da história e a calúnia sistemáticas, etc., etc., são práticas socialistas ou métodos, mais ou menos inspirados, da construção do socialismo? São-no porque o Partido, como Humpty-Dumpty, diz que socialismo é o que ele faz e o que ele diz, e diz que o que ele faz e diz é o socialismo. Arroga-se o poder de o fazer e dizer e visa estender esse poder e impô-lo aos outros - precisamente à semelhança do que se passa na RPC ou na Coreia do Norte.
Humpty-Dumpty, sem tirar nem pôr: "Quando uso uma palavra (…) ela significa exactamente aquilo que eu quero, nem mais nem menos". Porque "a questão é saber (…) quem vai ser o chefe".

Um abraço

miguel

Anónimo disse...

Sem dúvida, estamos sempre feitos ao bife.

Considerar um conjunto de cinco países «uma importante realidade internacional» é, pelos vistos, um comprometedor e grave «elogio».

Dizer que esses países DEFINEM como objectivo o socialismo em vez de ser uma constatação objectiva do que proclamam passou a ser que, na óptica do PCP, seriam todos «socialistas».

Dizer que em relação a um conjunto de processos, incluindo o da Coreia do Norte, se tem «inquietações e discordâncias, por vezes de principio, à luz das concepções programáticas próprias do PCP» passou a ser uma afirmação de acrisolada amizade a Kim Jong-Il.

E siga a dança, aliás memorável de rigor e escrúpulo intelectual.

Joana Lopes disse...

Vítor Dias,
Concentre-se no essencial, por favor: quais são as reservas «por vezes de princípio», que o PCP tem em relação à Coreia do Norte? E pergunto-lhe a si porque foi o que o VD citou, como argumento, no comentário do Vias de Facto que «linkei».
Quando se trata de eventuais discordâncias de princípio, é natural que se deseje saber quais são, não?

Anónimo disse...

Excelente técnica de debate:o essencial é sempre o que nós queremos, nunca os pontos em que fomos apanhados em extrapolações injustificadas ou em conclusões de todo em todo abusivas.

Excelente forma de argumentar: ai não explicas com detalhe quais são as discordãncias de principio, então vamos fazer de conta que discordâncias não tens e o que tens são concordâncias.

Tudo visto, julgava eu que «inquietações e discordâncias, por vezes DE PRINCIPIO (também é preciso faz o boneco sobre o que a expressão quer dizer ?)à luz das concepções programáticas» do PCP
já dava para intuir um claro distanciamento em relação a aspectos fundamentais da organização de uma sociedade.

É favor reler diversas passagens do «Partido com Paredes de Vidro» pois aí se encontram, no plano das concepções e práticas, algumas das especificações que alguns tanto reclamam.

Joana Lopes disse...

Vítor Dias,
Dou o assunto por encerrado e não respondido.

quim disse...

a cassete dos direitos humanos.

o que se passa na coréia do norte é criminosos, de facto.

não menos criminoso o abuso capitalista e o terror imperialista ( como regista também a AI)

mas esse a senhora doutora não condena, porque, sejamos francos, não enxerga. está formatada para isso, coitada.

João Valente Aguiar disse...

E se se dedicasse a estudar o capitalismo e a condená-lo?

Você sabe por acaso qual é o país do mundo com a maior população prisional do planeta e que discrimina racicamente milhões de latino-americanos (ou de origem) e de negros? Você sabe por acaso qual é o Estado que mais gente matou durante o século XX, sobretudo fora de portas? Você sabe por acaso qual foi e é o Estado que, a soldo da sua classe dominante, continua a fazer uma sangria económica em toda a vasta periferia do sistema internacional capitalista e que assim condena centenas de milhões de indivíduos, à miséria, ao desemprego, às condições de vida mais degradantes?

Claro que você sabe que são os EUA mas para si é mais importante sustentar paranóias. Como tb sabe perfeitamente que esse país causou mais de um milhão de mortos no Iraque desde 1991 (basta ler essa publicação bolchevique intitulado Science), bem mais do que qualquer estimativa, mesmo das falaciosas dos media dominantes sobre a Coreia do Norte.

Não há pachorra para tanta paranóia! Já parece a Tunes feminina porra!

Joana Lopes disse...

Se não tem pachorra, caro João Valente Aguiar, tem bom remédio: não se esforce mais e leia outros blogues - há 600.000 em Portugal, dos quais cerca de 340.000 activos.

Quanto ao que eu estudo ou comento, isso é comigo, se não se importa.

João Valente Aguiar disse...

Claro que você tem todo o direito de escrever o que lhe apetece. Isso nem se coloca.
O relevante, isso sim, é a quase ausência de referências e textos neste blog com o que de facto decide dos destinos de 6 biliões de indivíduos: a crise internacional económica capitalista, as "aventuras" militaristas do sistema (o "seu" amigo Obama aprovou há uns meses um orçamento de despesas militares superior ao de todos os outros países do mundo em conjunto), etc.

À beira disto, as supostas diatribes norte-coreanas não são nada. Se gosta e se sente feliz a escrever sobre a Coreia do Norte (ainda por cima com imensa informação viciada) força. Apenas agradecia que tb tivesse coragem de abordar a raiz dos reais problemas dos nossos tempos.